sábado, dezembro 05, 2009

Estética dos poderosos

Em dos espaços do Engenho Poço Comprido, na tarde do 03 dezembro, mais um vez fiquei alumbrado vendo e sentindo a força e magia da cultura criativa do povo dos engenhos, dos antigos moradores dos engenhos da região de Nazaré da Mata. Fiquei deslumbrado, ou seja, sem a minha luz, ofuscado pela poesia do Mestre Deca Eulálio, o mestre do Bloco Andaluza. Andaluza de Abreu. Fui aos poucos compreendendo que Abreu era um engenho de fogo morto e que foi engolido pelas canas e ganâncias de uma das usinas. Por isso seus moradores foram tangidos para a periferia urbana, fazendo crescer a população urbana enquanto a cidade crescia e estagnava. Crescia em população e estagnava em produção de riqueza acessível aos trabalhadores. A riqueza era produzida, mas o processo de concentração não permitia a sua disseminação. Contudo, no Engenho Abreu havia a família Eulálio, da qual o Mestre Deca é representante, e essa família tinha um bloco que saía no carnaval. Isso desde 1963. O ritmo rápido da marcha era parado pelo apito do mestre que improvisava os versos em louvação da casa do morador, do senhor do engenho, do administrador, de todos, mas sempre afirmando que não há bloco melhor do que o Andaluza de Abreu. Foi assim que ele, Deca Eulálio, fez ao tomar o microfone e dizer que queria saber se tinha alguém que soubesse dançar com o seu bloco e, ao som do violão de Valdir Afonjá, o bombo de Zé Mário, a rabeca de Ederlan Fábio e o pandeiro de Luiz Caboclo, deitou a improvisar versos, contando a sua história e se alegrando por ter encontrado o Mestre Zé Duda, cujo sogro também tinha um bloco e conhecia o Andaluza desde o tempo em Biu Eulálio, também saia com o Andaluza.
O aparecimento de Deca Eulálio aconteceu durante o seminário que tinha como tema Interações Estéticas, a possibilidade de troca de experiências de expressões do belo. E o belo vinha sendo expressado nas palavras, depois nos sons e na dança coletiva que veio a ser criada com toadas de Cavalo Marinho e dançadas com os movimentos de caboclinhos, cocos, caboclos, cirandas e frevos.
Entre os muitos temas abordados pelos seminaristas foi a imposição, pelos que comandam o carnaval de Pernambuco, de uma estética aos grupos que desejam se apresentar no desfile da Avenida Dantas Barreto. Pelo que ouvi, está ocorrendo algo semelhante ao período fascista dos anos trinta, quando Mário Melo, na Comissão Organizadora do Carnaval, impôs cabeças coroadas aos caboclos de lança, para que a estética criada pelos cortadores de cana e moradores dos sítios ficasse mais parecida com os quadros mentais das salas dos sobrados, habitados pelos que sobraram das casas grandes. Atualmente, parece que um novo grupo, ou filhos do grupo de trinta, um grupo que parece formar um bloco com saudade dos carnavais do Estado Novo, está impondo antigos padrões estéticos como se novos fossem. Julgando que são cortesões da corte dos Luizes, (alguns passam férias nas praias do Rio Sena. Houve um tempo em que confundiram Recife com Amsterdan, depois com Veneza e agora, bem agora é o ano da França) querem que os bandeiristas dos maracatus vistam-se como criados de libré, ostentando uma peruca que os diferencie dos demais servos. Ah! Quando será que esses estetas da servidão irão desaparecer, ou ao menos desistir de ficar clamando que o povo brasileiro é para os servir! Talvez seja por isso que eles se apegam tanto aos anos dos Avis e Bragança. E eles ficam distribuindo prêmios de até R$ 12.000.00, aos maracatus e caboclinhos enquanto pagam (?) além de R$30.000.00 aos estetas dos ditos forrós estilizados nas diversas cores de calcinhas misturadas com outras cocadas, produzidas em oficinas eletrônicas.
Os que se armaram em donos dos folguedos, com apoios dos seus primos políticos possuem o direito de defender suas estéticas e colocá-las a serviço dos que lhes pagam salários ou propinas, mas deviam evitar de dar continuidade a perversa prática de utilizar a necessidade dos mais pobres para lhe impor vestuário francês. Isso é ridicularizar o cortador de cana após lhes pagar tão pouco por tonelada cortada.
Bergman tinha razão quando disse que o fascismo é uma hidra. E foi com promessas bobas que a feiticeira Sisi cegou Ulisses, cumulando-o de prazeres, impedindo que ele percebesse que sua tripulação estava transformada em animais para que ele ficasse feliz. Pena que Hermilo não esteja aqui para defender a estética de seu povo.

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