sexta-feira, agosto 14, 2009

Os sinais do novo episcopado

No próximo dia 16 de agosto, a cidade do Recife assistirá um cerimonial memorável: a posse de um novo arcebispo. Em carro aberto, o bispo desfila pela cidade, se oferece aos gulosos olhos da população. Vi esse espetáculo recentemente em Garanhuns. Houve um tempo em que acontecimento semelhante causava mais alarde, pois toda a cidade era católica e o bispo era um novo príncipe que chegava para tomar posse de seu território físico e espiritual. Mas esses eram tempos herdados da Baixa Idade Média e mesmo até o final do século XIX na Península Itálica, mais precisamente nos ditos Territórios de São Pedro, os quais teriam sido doados por Constantino, confirmados por Clóvis Meroveu e Capetos. Mas atualmente boa parte da população do Recife já não tem o catolicismo como rito religioso único, embora seja dominante e, mesmo os que são católicos já não consideram o bispo como príncipe, mas como um servidor do povo a quem vem dirigir. Se a expressão servus servorum Dei, talvez cunhada pelo papa Gregório VII, escolhido bispo de Roma por aclamação popular dos romanos (1073), (era um irmão beneditino, não era padre), tem servido de modelo formal para muitos que assumem postos na Igreja Romana, parece haver uma expectativa positiva dos católicos em relação ao beneditino Dom Fernando Saburido, o bispo que foi escolhido pelo Discatério romano para assumir a direção da Arquidiocese de Olinda e Recife.

É nosso costume fazer comparações. Elas nos auxiliam a tomar compreender o mundo, a orientar as decisões que tomamos. Os estudos são sempre comparativos, e essas comparações devam seguir certas normas para que as conclusões não sejam tomadas a partir de premissas falsas. Os católicos e os não católicos que vivem na Arquidiocese de Olinda e Recife estão exercitando, em relação ao futuro bispo, essa arte, a da comparação e a estão fazendo não tanto a partir da prática, mas dos desejos. Ah! Os desejos sempre auxiliam a criar a realidade.

O ponto de comparação é o atual arcebispo, Dom José Cardoso Sobrinho, que se torna emérito, aposentado, voltará à sua condição de padre, não mais poderá falar como autoridade eclesiástica, não mais fará parte do núcleo do poder, ficará em silêncio, assim como Dom Hélder após um telefonema. Ora, como príncipe e como bispo Dom José Cardoso não conseguiu o afeto de grande parte dos seus diocesanos. Mas, nenhum bispo ou arcebispo de Olinda e Recife foi amado pela totalidade de seus súditos. Os príncipes não precisam ser amados. Dizem que Dom Cardoso teria sido indicado pelo Discatério para arcebispo de Olinda e Recife, porque um bispo progressista teria lembrado que há de um século a sede arquiepiscopal da Província Pernambucana não tivera um bispo nascido em Pernambuco. Roma atendeu a lembrança solitária daquele eminente bispo e a Arquidiocese recebeu o pernambucano nascido em Caruaru, Carmelita formado em Goiana e doutor em Direito Romano por academia pontifícia. Talvez, mais do que o fato de ter ele nascido em Pernambuco, o que tenha pesado mais na decisão romana foi a orientação política conservadora do então bispo de Tacaratu, MG. Havia outros pernambucanos que poderiam ser escolhidos, mas não eram conservadores, não estavam indo na direção que os ventos do Vaticano sopravam, e a direção indicava calmaria ou o não atracamento no cais de projetos que então ruíam e que o Vaticano auxiliara a corroer.

Quando assumiu a arquidiocese, Dom Cardoso encontrou um rebanho que suspeitava dele e do qual ele também suspeitava. Para os católicos “progressistas”, e os progressistas não católicos, a chegada de Dom Cardoso punha problemas que os desfavorecia naquela conjuntura política e eclesiástica. E aí estava o cerne da questão eclesial que Dom José Cardoso não soube –ou não quis – solucionar. Dom Cardoso chegava para governar uma diocese em que parte dos católicos já não se sentiam súditos de uma sociedade feudal, mas que haviam desfrutado de uma participação quase democrática – na linguagem eclesiástica diz-se colegiada -; na sociedade recifense havia aqueles que receberam orientação católica e desejam uma possibilidade de prática religiosa que não fosse confundida com aquela de seus pais e avós, esses estavam retornando aos templos, alguns chegavam a afirmar que haviam feito a Primeira Comunhão e casado segundo o ritual romano. Essa pequena utopia, e as pequenas utopias são sempre maiores que os maiores sonhos, quase se realizara nos anos do pastoreio de Dom Hélder, os anos imediatamente anteriores á chegada de Dom Cardoso. Mas em um outro lado desse paralelogramo havia um grupo de católicos conservadores que silenciara obedientemente, catolicamente, durante o período helderiano, e foi com esse grupo de padres e leigos que o bispo canonista fez o governo da diocese que lhe fora confiada pelo papa João Paulo II.

Embora carmelita, ordem criada após a morte de Gregório VII, Dom José Cardoso assumiu a tarefa de defender a Igreja, a convicção gregoriana de que a Igreja se coloca acima de todas as vicissitudes humanas. À Igreja e ao papa todas as autoridades estão submetidas, diz o Dicatatus Papae. Muito dos que não concordaram saíram, ou mantiveram-se catolicamente. Mas agora é a hora do exílio a que todo bispo, desde decreto de Paulo VI, está sujeito. Note-se: Dom Cardoso não foi afastado da arquidiocese senão quando a lei obrigou, o que significa que ele fez aquilo que lhe foi pedido pela Congregação dos Bispos. Religiões são carregadas de atos simbólicos e o entendimento desses atos nos fornecem a compreensão dos fatos que ocorrem nas instituições religiosas e nas demais instituições de poder. Poderes são dados àqueles que reconhecem o poder. Vejamos: enquanto o seu antecessor não conseguiu que aquele Discatério lhe concedesse um auxiliar, Dom Cardoso recebeu três auxiliares, entre eles, Dom Fernando Saburido que receberá o báculo arquiepiscopal, das mãos de Dom José Cardoso, na concatedral da Madre de Deus.

Recebi uma pergunta que me afirmava ser Dom Fernando Saburido mais carismático que o arcebispo que retira. É provável. Disse-me, essa pessoa, que quando pároco da paróquia de São Lucas, Ouro Preto, Olinda, PE, o vigário conhecia as pessoas, conversava com elas, enquanto dom Cardoso não parecia ter essa preocupação. Realmente é parte do carisma de um padre estar preocupado com os seus paroquianos, estar em contato com eles e auxiliá-los a superar os confrontos diários. É o carisma da função e nem sempre aquele que está na função tem o carisma da função. Parece que o padre Fernando Saburido tem uma boa relação com o carisma sacerdotal. Mas, as pessoas que fazem essa comparação não conviveram com Dom José Cardoso enquanto vigário. Parece que Dom José Cardoso jamais foi vigário de uma paróquia, ele sempre este envolvido com os estudos e o ensino do Direito Canônico, só deixando a academia para ser bispo de Tacaratu, cidade que, quando era povoado, marcava o fim da diocese de Pernambuco. Mas, teremos que esperar para ver como Dom Fernando Saburido marcará a Arquidiocese de Olinda e Recife, como exercerá o múnus e o carisma episcopal na historicamente problemática arquidiocese pernambucana.

Enquanto isso, nós podemos analisar as pistas que sua posse nos oferece para uma possível compreensão inicial. E aqui temos mais símbolos. A entrada do bispo em uma cidade é uma maneira que ele tem para dizer sem palavras, idéias que nem sempre afloram conscientemente. Apresentar-se para ser conhecido e reconhecido. A apresentação do príncipe diz quem esse príncipe pretende ser, e diz para além de suas palavras. Aqui temos conjecturas, pensamentos mistos, de cientista e também de católico que viverá o seu quinto arcebispo.

Nascido na cidade do Cabo de Santo Agostinho, Fernando Saburido teve toda a sua formação no Recife e em Olinda, ordenado padre em 1983 no Mosteiro de São Bento, tendo atuado em várias paróquias em Olinda, foi sagrado bispo no ano 2000, sendo auxiliar na Arquidiocese de Olinda e Recife e bispo de Sobral, CE.

Pelo que li nos jornais, Dom Fernando Saburido, ao chegar em Pernambuco, irá para a sua casa monástica, o Mosteiro de São Bento, em Olinda, antiga sede episcopal. De lá irá até próximo ao Palácio Rio Capibaribe, sede da Prefeitura do Recife, onde subirá em carro de bombeiro e desfilará até a Concatedral da Madre de Deus, que pertenceu à Ordem dos Padres Oratorianos, onde receberá o Báculo e de onde sairá para a aclamação popular na Praça do Marco Zero. Após toda essa cerimônia, retornará para Olinda, onde residirá no Seminário de Olinda. O Palácio do Manguinhos será a Chancelaria da Arquidiocese. Se esse roteiro for verdadeiro e realizado, teremos um arcebispo que, no seu primeiro dia de trabalho pisará apenas na Olinda e Recife dos séculos XVI a XVIII.

2 comentários:

texto sobre disse...

Apreciei bastante seu professor.

texto sobre disse...

Corrigindo... Apreciei bastante seu texto, professor.