quarta-feira, junho 10, 2009

O mundo não deixou de ser religioso, outros são os deuses e as liturgias

Este texto fooi publicado recentemente no Jornal Panorama da Mata Norte, da cidade de Goiana, PE


Houve um tempo em que as vidas e as decisões eram orientadas pelos sucessos climáticos, pelas estações do ano, pelas datas religiosas. Era uma época em que o mundo era visto como algo sagrado, lugar da manifestação da divindade. Trovões, relâmpagos, chuvas, enchentes, sol que nasce diariamente, lua que paira sobre a noite, ventos fortes e ventos fracos, tudo era manifestação divina. Nos últimos setecentos anos vem ocorrendo um processo de secularização: os homens e mulheres estão descobrindo os mecanismos, os movimentos da natureza, as razões desses movimentos e os véus que enchiam de pavor os seres humanos foram sendo afastados. Assim, o mês de Maio que era de Maria, para os católicos, foi se tornando o mês das noivas, das mães e, agora é o mês das compras. O mês de dezembro, que era o mês do natal do Menino Jesus, agora e o mês do Papai Noel, o mês dos presentes, o mês das compras. O mês de junho, que era o mês de Santo Antonio, São Pedro e São João, passaram um tempo como o mês das canjicas, pamonhas e milho assado, agora é o mês do forró, das festas e outras compras. O mês de julho, que era o mês de Santana, a mãe de Maria, tentou ser o mês das avós: Poucas compras são feitas, mesmo porque, com esse desemprego, tem neto que vive de olho na aposentadoria dos avós. O mês de agosto, que era visto como de azar, pois se dizia que era o tempo do diabo andar solto e tinha lá o dia das sogras, vem sendo tornado em o mês dos pais. Vende pouco, mas rende algum. O mês de abril era muito visto como o mês da Páscoa, e Dorival Caymi fez poesia dizendo que era o mês das rosas, mas agora é o mês do Leão da declaração de imposto de renda ao governo federal.

Pois bem, vivemos hoje em um mundo dessacralizado e, ao mesmo tempo, um mundo muito religioso, como nos mostram a construção de muitas igrejas em cada esquina dos bairros de nossa cidade. Pessoas passam por cidades brasileiras que foram construídas nos séculos XVII e XVIII, se admiram de como o povo antigamente era religioso, e dizem isso por causa das construções barrocas das igrejas construídas naqueles séculos. E dizem: para que tantas igrejas? Esse povo no passado não tinha o que fazer? Pois bem, chama atenção essas construções barrocas que representam uma religiosidade que se expunha porque também era espaço de sociabilidade, lugar onde as pessoas iam para conversar, ouvir música, fazer amizades, etc.

Essas igrejas, construídas nos séculos anteriores, tinham funções mais amplas do que a adoração e as rezas, elas eram o lugar da sociedade se apresentar e, cada lugar de assento nos bancos era representativo do lugar social. Hoje os espaços da socialização são outros: os bons e maus cantores estão em outros lugares; os centros de compras – shopping centers – e galerias são os preferidos para os encontros e nas cadeiras ou filas dos bancos é que se vê quem é quem na sociedade. Esses são os nossos lugares de socialização e representações, hoje.

Entretanto, igrejas, templos, centros espíritas, tendas continuam sendo construídos e reconstruídos. Continua uma intensa prática religiosa, que acompanha os grupos humanos desde os primórdios da civilização. A religião continua sua tarefa de auxiliar na organização social, a religiosidade é mais vasta; talvez os deuses sejam menos exigentes que o Leão da Receita Federal e o pior dos infernos seja ter o nome, não lista da excomunhão religiosa, mas na Lista do Serviço de Proteção ao Crédito.
Sim, o “deus mercado” também exige a roupa nupcial para que se possa entrar nos paraísos de consumo. Nas catedrais do consumo, bancos e centros de compra, o cartão de crédito e a ficha limpa no SPC é que dizem se nossa “alma” está limpa para ali entrarmos e participar dessa nova religião: consumir e ser alegre.

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