segunda-feira, dezembro 01, 2008

A água não erra na queda

Esta foi uma semana de chuvas e sol ardente em lugares diversos do globo. Lembro que Aldir Blanco fez uma canção que dizia: “reclamam no sul chuva tanta, errou de lugar na caída.” Penso que isso esta relacionado com a seca no Nordeste, nos anos setenta, ao mesmo tempo em que ocorriam chuvas excessivas no Sul, penso que no mesmo Vale do Itajaí. Agora as cenas se repetem e, o novo é que as redes de televisão mostram para o mundo os morros e os habitantes pobres pendurados nos morros de Santa Catarina, nos dizendo que a miséria também existe em um dos estados mais ricos da federação brasileira. As imagens também os mostram que, de maneira semelhante aos pobres do Nordeste que não podem comprar terrenos, os pobres do Sul vivem em barracos pendurados nos morros, como cantavam os poetas da Mangueira em canções na voz de Cartola ou de Elizete Cardoso. As canções diziam que não havia água nos morros, e, como seqüência, podemos entender que não havia serviço de saneamento, saúde e tantas outras necessidades para quais são retirados mais de seis meses de impostos dos brasileiros. Vez por outra esses desastres anunciados ocorrem e nos fazem lembrar versos de Bob Dylon sobre as lágrimas que teremos que verter até que a humanidade se torne humana. São versos da época das outras chuvas, das outras enchentes. Quem se se importa com isso?


As imagens mostram que há um descaso pela vida, que as administrações públicas preocupam-se pouco com a ocupação dos morros, com a derrubada das árvores, com a destruição da natureza. Depois o cinismo dirá, sem vergonha: “também, esse povo vai morar ali, e sabendo que pode cair?”

Quantas mortes teremos que ver, quantas lágrimas serão necessárias antes que as administrações compreendam que cuidar da natureza e preservá-la é mais importante do que promover campanhas contando as “realizações” que a gente não consegue perceber. Os rios são oprimidos por pessoas que se acomodam, forçadamente às suas margens e, quando uma chuva mais forte chega, as casas são levadas pelo rio que voltou ao seu lugar. Matamos, com a miséria da exploração imobiliária, os nossos rios. As cidades nasceram perto dos rios, dos riachos; ao mesmo tempo derrubaram-se as árvores que cuidavam dos rios e dos seus ritmos; alguns rios estão morrendo nas nascentes e outros estão morrendo ao longo do curso. Não há preocupação de salvar a vegetação dos morros, não há a preocupação de salvar a vegetação ao longo dos rios; não há a preocupação de salvar os mangues nos encontros dos rios com os mares. Há apenas a grande ocupação de saber o quanto eu posso ganhar com mais alguns hectares de árvores tombadas. Afinal algumas delas servirão nas salas de refeição dos mais ricos. E, para que o ciclo seja fechado, algumas das tábuas podem vir a servir de parede para algum casebre construído na proximidade do leito de um rio, ou na encosta de algum morro, pouco importa o nome, se do Baú, Mangueira, Refúgio, Conceição, ou qualquer outro.

Não, as águas não erram de lugar na caída, nossas sociedades, nossas culturas ainda não acertaram com o caminho para conviver com toda a natureza, inclusive com os outros homens e mulheres de culturas e sociedades diferentes da nossa. Não é uma questão de tolerância, como dizem os conservadores e reacionários, é uma questão de aceitação, de conviver e entender que conviver significa mais que tolerar quem fuma, quem bebe, quem fala, quem pensa diferente da gente, quem tem cor da pele diferente da cor da pele da gente, etc.

Esses eventos climáticos não são tragédias, são eventos que nossa ciência já é capaz de prever. Tragédia é confundir fortalecer a miséria enquanto imprudentemente continua a se louvar o egoísmo econômico e social como virtude.

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