quarta-feira, outubro 29, 2008

Feriados cívicos e feriados religiosos

Esta semana que termina o mês de outubro nos apresenta oportunidades múltiplas para comentários. Comentário comum poderia ser sobre as eleições que tivemos neste mês, quando foram eleitos prefeitos e vereadores para as cidades brasileiras, mas com os políticos profissionais voltados para a sucessão do atual presidente, podemos abandonar essa idéia. Não fosse a crise econômica, inicialmente vista, como uma pequena marola, pelos atuais assentados nos tronos do planalto central do país, poderíamos dizer que se comentaria o início do fim do governo atual. Mas não teremos ainda, para a maioria, um governo de “pato manco”. Mas esse é um assunto por demais evidente.

Outro assunto poderia ser a eleição do próximo presidente dos Estados Unidos da América do Norte, que tem sido apresentado como um acontecimento histórico por poder ser visto como uma encruzilhada: duvida-se que os WASP (brancos, anglos, saxões e protestantes) já estejam preparados para ter um governante Negro (no Brasil seria mestiço), Asiático (em parte), Africano (em parte) Muçulmano (na origem), mas Protestante ao longo da vida. BAAMP seria a sigla em inglês. Vamos deixar esse assunto para outros mais interessados e mais capazes de entender as urnas americanas antes de elas serem aberta.

Mas o mês de outubro, além de ter, no México, o dia da Raça que é o 12 de outubro, que lembra o dia da invasão Européia neste continente, tem o dia da criança. Entre nós essa data veio a ter dois significados: um, o dia da Criança, e o outro, o dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida, que foi declarada padroeira do Brasil, e, que por conta disso veio a ser um feriado religioso. Mas, com o advento da dita revolução de 1964, deixou de ser feriado obrigatório para todos os brasileiros. Isso ocorreu no governo de Castello Branco, que quase acabou com os feriados, pois havia feriados em excesso, o que prejudicava a produção industrial que se queria. Outro feriado de outubro foi o dedicado aos professores, além daquele dedicado aos funcionários públicos. Também teve um dedicado aos comerciários. Se todos fossem parados, imaginem o prejuízo que a indústria e o comércio teriam!

Cada sociedade elege seus feriados, seus dias de comemoração, de lembrança e respeito ao que foi feito pelos antepassados e que fazem parte de sua história.

A formação do Brasil foi marcada pela experiência católica, que sempre foi uma experiência que se manifesta festivamente, sempre em alegria. E como a construção do Brasil esteve trançada com a experiência católica, as datas que celebram a formação do Brasil sempre estiveram acompanhadas dos símbolos católicos. Depois da instituição da República, começamos a rever os nossos símbolos e como adequarmo-nos à nova realidade política e cultural. Thales de Azevedo chega a nos ensinar que, com a República, se fez uma religião civil. Os heróis nacionais passaram a substituir os santos e, as passeatas do dia 7 de setembro, substituíram outras procissões e outras passeatas.

O Brasil vem a prendendo a ser menos católico, tanto em número de pessoas, quanto em número de feriados. Mas como os católicos são maioria da sociedade, aos demais grupos fica a impressão que ele, o grupo católico, parece ser o único e privilegiado. Na verdade os muitos grupos religiosos estão cada vez mais atuantes na sociedade;

Vejamos que se hoje o dia 12 de outubro é feriado, foi um decisão tomada por quem estava na presidência da República, no caso, João Batista de Figueiredo. Não é mais um feriado porque é religioso, não foi uma decisão religiosa, mas uma decisão política em utilizar um elemento religioso apreensível por uma grande parte da população. Interessante é que o ditador definiu aquela data como feriado cívico após um período de sofrimento para alguns católicos e de crescimento das igrejas protestantes. Parece ter sido um prêmio de consolação. Mas, como se sabe, os religiosos não utilizam muito a razão, pois a razão religiosa é um razão emocional. Talvez por isso tenha ocorrido um famoso chute na santa, em um programa de televisão. E isso foi em relação ao feriado do dia 12 de outubro, que os católicos aproveitam para celebrar a Aparecida. Em um país laico, sem uma religião oficial, realmente não tem sentido um feriado religioso. Todos os feriados devem ser voltados para a glória do Estado, para fortalecer a idéia da Nação.

Assim, é interessante notar que aos poucos vamos agregando novos dias que podem se tornar feriados. É o caso do dia 31 de outubro, hoje já feriado em algumas cidades, como a do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Esse feriado foi criado no Cabo de Santo Agostinho para celebrar o Dia da Reforma Luterana, lembrando o dia em que Martinho Lutero teria colocado as suas teses na Igreja de Wintemberg, Alemanha, e que deu início ao movimento de Reforma Religiosa, ou Protestante.

Bem, agora já temos o dia da Reforma Protestante no Cabo de Santo Agostinho, no Rio de Janeiro e em Brasília. E isso é resultado de uma sociedade que cultiva o pluralismo religioso. Daqui a pouco tempo vai ficar difícil, para as Igrejas protestantes reclamarem dos feriados católicos e judaicos, exceto se quisermos fazer crescer o nível de hipocrisia social.

terça-feira, outubro 28, 2008

Preparando a Semana da Consciência Humana - aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos

A cada dia somos chamados a refletir sobre o que ocorre em nossa cidade, mas também sobre o que ocorre no mundo que rodeia nossa cidade. Desenvolver idéias sem buscar notícias e informações para além daquilo que nos diz o nosso vizinho, sempre nos põe a confundir as realidades que nos rodeiam. Quanto mais informações tivermos mais possibilidades teremos de entender e fazer escolhas.
Essa notícia publicada pela BBC, pode nos auxiliar a entender as muitas possibilidades de consciência que podemos ter. Precisamos, ainda mais, pensar na Declaração Universal dos Direitos Humanos, ela pode ser mais ampla do que os direitos tribais, tão em voga nessa modernidade líquida que nos circunda e pode nos afogar.



27 de outubro, 2008 - 17h55 GMT (15h55 Brasília)


Níger é condenado a pagar US$ 19,7 mil a ex-escrava
Um tribunal africano condenou nesta segunda-feira o governo de Níger a pagar uma indenização de US$ 19,7 mil a uma ex-escrava.

O Tribunal de Justiça, ligado à Comunidade Econômica dos Países da África Ocidental (Ecowas, na sigla em inglês), emitiu o veredicto em favor de Hadijatou Mani, que disse ter sido escravizada dos 12 aos 22 anos.

O governo de Níger, que afirmou ter feito "tudo o que pôde" para erradicar a escravidão no país, foi condenado por não ter protegido a jovem contra o trabalho forçado.

Hadijatou Mani, hoje com 24 anos, diz ter sido vendida por US$ 500 a um homem chamado Souleymane Naroua quando tinha 12 anos.

Ela diz ter sido forçada a realizar tarefas domésticas e trabalhar na lavoura. A partir dos 13 anos, ela teria sido estuprada e dado à luz filhos de Souleymane.

"Eu apanhava tantas vezes que fugia para a casa da minha família", contou a jovem à BBC. "Mas, depois de um dia, eu era levada de volta."

"Na época, eu não sabia o que fazer, mas, quando soube que a escravidão havia sido abolida no país, decidi que não seria mais uma escrava."

Bigamia

Em 2005, o "senhor" de Hadijatou a libertou e deu a ex-escrava um "certificado de liberdade", segundo relatos da ONG Anti-Slavery International.

Mas quando ela decidiu se casar com um outro homem, Souleymane recorreu e disse que eles eram casados.

Um tribunal local emitiu uma sentença em favor da jovem e permitiu que ela se casasse. Mas Souleymane recorreu e Hadijatou acabou condenada a seis meses de prisão por bigamia.

A ex-escrava levou o caso ao Tribunal de Justiça da Ecowas no início deste ano, acusando o governo de Níger de ter falhado em protegê-la contra a escravidão, uma prática proibida no país há cinco anos.

Precedente

O correspondente da BBC na África Ocidental, Will Ross, diz que a sentença é "vergonhosa" para Níger e envia uma mensagem ao governo de que é preciso agir com seriedade para fazer valer a lei e acabar com a escravidão no país.

A sentença ainda pode abrir precedente para que outras pessoas que foram submetidas a trabalho escravo nos países vizinhos reivindiquem seus direitos.

Uma organização local que luta para acabar com a escravidão em Níger diz que há mais de 40 mil escravos no país. O governo diz que os números são "exagerados".

De acordo com Romana Cacchioli, da Anti-Slavery International, a ONG libertou 80 mulheres do trabalho forçado nos últimos cinco anos.

Hadjatou Mani diz que uma das razões que a motivaram a entrar com uma ação no tribunal da Ecowas foi garantir a liberdade de seus filhos, já que, durante gerações, filhos de escravos tornavam-se automaticamente propriedade do senhor de escravos.

A escravidão ainda é praticada no Mali e na Mauritânia.

domingo, outubro 26, 2008

Magos e magias capitalistas

Recentemente li sobre a popularidade que Paulo Coelho tem na Europa e, aqui no Brasil ele é pouco lido. O texto pareceu-me uma crítica pelo fato de os brasileiros não serem tão encantado com as escrituras do Mago enquanto os civilizados europeus encantam-se com o que ele escreve. Li alguns livros do Mago e, não mais desejei nem reler o que havia lido nem tentar novas leituras. O Diário de um Mago, Brida e As Valquírias, foram o os lidos. Nem orgulho nem vergonha por os ter manuseado, nem de ter posto algumas horas de minha vida para saber o que tem de tão excepcional este escritor que encanta a educada Europa. Como alguns amigos meus, gostei mais de “Meu Pé de laranja lima”, embora não haja como negar o mérito de Paulo Coelho em se apoderar das tradições dos povos que viveram na Europa antes do cristianismo, e lhes dar novas roupagens. Não há surpresa em os descendentes dos gauleses e vikings ficarem encantados com as histórias que os transportam às suas culturas ancestrais. As tradições mais remotas dos suevos, dos alamos, dos gauleses, anglos e saxões, as religiões das fadas e gnomos, tudo é parte do encanto da Europa antes da Europa. Essas histórias, essas lendas estão no substrato mais profundo dos sentimentos daqueles povos; e, como negar, eles são trazidos de maneira simples e não conflituosa por quem tem facilidades para narrar contos das Mil e uma noites ou as sagas dos europeus, mantidas vivas até à época em que se iniciou o processo civilizador estudado por Norbert Elias. Tudo já estava arrumado nas estantes das bibliotecas e nos recônditos das mentes. Os europeus se encontram nessas histórias e se encantam com esse estrangeiro que “nos conhece tão bem”. O mesmo acontece com esses filmes que tratam dos mitos e lendas européias não gregas, de pequenos feiticeiros.

Por outro lado, pode ser que os brasileiros não leiam as obras de Paulo Coelho, com a mesma volúpia dos escandinavos, por não terem tido acesso, há mais tempo, ao domínio do código da leitura, esse código que é básico para a sobrevivência no mundo moderno, exatamente o mundo que destruiu o mundo de Brida. Esse mundo moderno que acaba de se desnudar por conta da “marola” que veio dos Estados Unidos da América, essa marola financeira. De repente, quando o sistema financeiro estadunidense faz furos por todos os lados, e se descobre que era muito dinheiro “futuro”, e quando começaram a ruir as grandes empresas tomadoras e concessionárias de empréstimo disseram que não havia dinheiro, e então se percebeu que alguns ricos iam ficar pobres: eis que aparecem fortunas que eram guardadas pelos governos. Esses dinheiros passaram a ser garantia de que aquelas pessoas que não passavam necessidades não iriam jamais ter essa dolorosa experiência que eles impõem a um terço da humanidade. De repente saíram das cavernas dos bancos centrais de muitos países, como em um passe de magia, um movimento de alguma varinha mágica, zilhões de dinheiro, de todas as marcas e idiomas. Inclusive em português do Brasil, com o objetivo de evitar “marolas” em nosso forte sistema bancário, dependente do petróleo e dos dólares do exterior, pois aqui rico já é quem passa de R$20.000.00 anuais.

Aliás, um pedaço do Recife foi vendido a uma construtora que cresceu muito nesses últimos 8 anos, e naquele pedaço serão construídos mais edifícios, conforme projeto mostrado em alguma página do Diário de Pernambuco deste domingo. Antigamente, essas construções eram ditas “arranha-céus”, mas tudo agora é Torre. Negócios realizados em leilão um pouco antes e anunciados alguns dias após a proclamação dos resultados da eleição (sub judice) do novo prefeito da cidade. Algum dia saberemos o que irá ocorrer com as famílias que serão postas a correr da imediações. Pode ser que, com a saida daqueles pobres, comecem a aparecer programas de saneamento básico na região e outros investimentos que, no momento, só ocorrem no entorno, bem próximo onde serão levanrtadas novas "torres" de luxo.

Nos anos da ditadura, escrevi u verso que dizia: Recife, minha ilha de água doce, está ficando amargo de te ver hoje. Daqui uns poucos anos, alguém que venha de Boa Viagem dirá, mas ou menos assim: Recife, está ficando difícil te ver!

quarta-feira, outubro 22, 2008

Não foi tanto assim!!! vamos desembarganhar.

Os jornais sempre nos ensinam sobre a nossa vida em sociedade. Duas semanas passadas uma revista semanal de circulação nacional apresentou resultados de uma pesquisa sobre a relação entre educação e o supremo tribunal federal. Apresentaram-se dados de como o presidente do STF, aquele que criou uma lei para proteger o banqueiro Dantas, tem utilizado o seu prestígio para favorecer uma pequena faculdade de sua propriedade. Mas, isso não pode ser crime, ali se ensina que as algemas não devem ser utilizadas, exceto em casos que envolvam gente com colarinho de cor diferente que a branca. Pois bem, hoje, lemos nos jornais publicados aqui em Pernambuco que o candidato eleito para prefeito da capital usou sim, diz um desembargador, os computadores da secretaria de educação do município, o que é crime eleitoral. Mas, diz o ilustre candidato a, futuramente, exercer a presidência do STF, que apesar de ferir a legislação eleitoral, não é o suficiente para que o candidato seja afastado da vida política. Basta que ele pague algo em torno de R$70.000.00 e estará perdoado, pois, diz o eminente sábio jurista, só seria crime se essa ação tivesse influenciado os eleitores e afetasse o resultado da eleição. No seu entender, o crime cometido, sim pois ele sugere que o candidato-criminoso pague uma multa para não ser cassado, não foi grande o suficiente para que desmoralizasse o processo eleitoral. Muito flexível, esse jurista. Entretanto, ele considerou grave que o atual prefeito tenha permitido que a máquina administrativa da prefeitura fosse utilizada, por essa razão, ele sugere que o prefeito pague uma multa de igual valor. Interessante que anteriormente um outro jurista afirmou que o prefeito não cometera ilícito. Noticiou-se também que o eleito está disposto a pagar, mas o prefeito está disposto a recorrer para não empobrecer em R$70.000.00.

Há uma evolução para tornar o atual prefeito um criminoso e inocentar o futuro prefeito pelo mesmo ilícito. Logo, não sei que conclusão tirar dessa situação. Exceto que ambos – prefeito e o secretário-futuro prefeito – segundo sugestão do arguto desembargador do tribunal eleitoral, devem depositar um total de R$140.000.00, na conta do tribunal regional eleitoral, para suas fichas sejam borradas, como dizem os hispânicos, para dizer que terão seus erros apagados. Quando se passa a borracha, apagam-se as letras, mas a página fica borrada, como dizemos os lusófonos.
Esses acontecimentos sociais nos ensinam, talvez, que já não nos preocupamos tanto em não cometer crimes, mas que precisamos ter bons advogados e desembargadores de tirem de nosso caminho os atos realizados que embargam a nossa trajetória. No mais, como a máquina da secretaria da educação não se empenhe tanto em que as pessoas entendam o que lêem, para que não façam perguntas indelicadas quando lêem pareceres, esses que são celebrados como fonte de sabedorias pelos praticantes de ilícitos, os demais secretários das prefeituras continuarão a administrar seus ilícitos; eles sabem que não haverá embargo que não possa ser superado por um pouco de sofisma e ausência de projeto social.

Termino essa página citando Roberto Pompeu de Toledo comparando o eleitorado brasileiro com o eleitorado estadunidense: “nosso eleitorado menos consolidado em suas crenças e preferências, tem comportamento mais imprevisível. E verdade que revela uma queda acentuada por candidatos de ficha suja. Essa sim, é uma preferência nacional, mais uma vez comprovada na eleição municipal.” Sem barganhas, pareceres desembarcam para tornar imaculado a maculador.

terça-feira, outubro 21, 2008

Manoel Lopes de Sousa: um primo de primeira

Neste final de semana estive na cidade de Aracaju, realizei uma série de palestra em torno do tema IDENTIDADES E RELIGIOSIDADES BRASILEIRAS, na Faculdade São Luiz de França. Foi um público seleto e interessado, aberto à novidades e a novas maneiras de enfocar temas melindrosos. Esses temas trazem receios, pois falam de nós mesmo, do que queremos ser, do que não desejamos ser,mas, contra alguns de nossos desejos, somos.

Nesse tempo recebi a notícias da morte de Manoel Lopes de Sousa, um primo em segundo grau, que acompanhou grande parte de minha vida. Sei que ele nasceu em um sítio do hoje município de Buenos Aires. Mamãe contou-me, sem muita certeza, que Manoel chegou para morar conosco quando eu era recém nascido. Nessa época nossa família morava em lugar chamado Lobo, hoje Caramuru. Houve um tempo que era parte de Paudalho, mas, depois ficou no município de Carpina. Mas, devo dizer que Manoel nasceu em 1934, indo morar conosco aos 16 anos. Foi ajudar meu pai que se fazia comerciante enquanto a família crescia. Manoel Lopes, como sempre o chamamos, tornou-se como um filho para meu pai. Quando papai resolveu sair da beira do Rio Capibaribe para vir morar no Recife, Manoel Lopes veio na frente, construiu a casa, montou o comércio na Rua Nova Descoberta, a mesma casa onde cresci a partir dos cinco anos e onde aprendi a gostar do Santa Cruz Futebol Clube, vendo Manoel Lopes gritar de alegria a cada gol de Faustino, de Lanzoninho, ou das defesas de Aníbal. Tempos de quando o futebol ainda não havia se tornado o espetáculo com paixões tão doentias como as atuais, nesse tempo de poucos ideais e objetivos maiores. Era o tempo em que sabíamos que os jogadores gostavam do clube e nos faziam gostar do clube. Saudosismo conservador, talvez.

Depois de um tempo auxiliando ainda papai em seu comércio, não consigo lembrar quando, Manoel Lopes estabeleceu-se na mesma rua como comerciante. Passou algum tempo e, como estudara, estava apto para fazer um concurso público, sendo enviado para trabalhar em Palmares. Lá conheceu Amara, casou e tiveram Carlos, um filho que lhe fez feliz. A cidade de Palmares ficou parte de nossa família, pois José Vicente – Doutor -, meu irmão, lá foi refugiar-se, após tomar conhecimento de que fora reprovado mais uma vez, evitando a raiva imediata de meu papai. Palmares, por outro lado, converteu Manoel Lopes em um homem religioso, freqüentador da Igreja, amigo de Dom Acácio, o primeiro bispo da diocese, criada em 1962. Um dia ficamos sabendo que Manoel Lopes havia sido ordenado Diácono casado, um homem reconhecido pela sua comunidade religiosa. O sorriso que Manoel Lopes sempre carregou, do qual sempre me lembro, ficou mais radiante. E Manoel sofreu muito com uma doença que acompanhou, ainda acompanha a sua querida Amara. Mas o sorriso nunca abandonou o seu rosto, como às vezes acontece comigo, que ainda não aprendi a jogar todas as mágoas para fora de mim.

Ao se aposentar, Manoel veio para mais perto, foi morar em Piedade, onde logo se envolveu com a comunidade e exerceu o seu apostolado junto aos seus irmãos de fé.
Vi Manoel Lopes pela última vez foi no sepultamento de meu irmão José Vicente – Doutor – e dividiu comigo a tarefa de recomendar o corpo que se ia, e acalmar as almas dos que ficamos. Conversamos, rimos, como sempre acontece quando a família se encontra. Soube que eu estava com um programa na Rádio Universitária, e passou a participar telefonando e me animando, como ele sempre fizera conosco, seus primos, quando morávamos na mesma casa, e nos ajudava a fazer os deveres de casa, que nos eram indicados por nossos professores. Zefinha, minha irmã mais velha, foi muito beneficiada pelas habilidades de Manoel em realizar tarefas para ela.

Faz pouco tempo Manoel Lopes preparou uma festa e convidou a família para um dia de alegria. Não fui, pois estava ministrando um curso na cidade de Goiana. Hoje, mamãe disse que foi como um despedida.

Homem confiante na vida, mas teimoso como velho, nesta semana andou fazendo esforço físico além do permitido para quem teve um enfarto. Pois bem, esta foi a última traquinice de Manoel Lopes de Sousa, o meu primo que, sem ser padre, esteve perto do altar da eucaristia, realizando desejos de seus pais, tios e primos. Um quase padre, mas com certeza, um homem de bem, uma pessoa que se tornou melhor a cada dia de sua vida.

sexta-feira, outubro 17, 2008

Para meus colegas professores

Nesta manhã não fui caminhar, preferi ficar pondo água nas plantas que fazem a floresta domesticada em nossa casa. Temos coqueiros que darão seus frutos quando meus netos puderem me ajudar a dividir o fruto, temos pitangas, mangas,jambeirom rosas vermelhas, rosas brancas, hortelã, colônia, arueira, arruda,jasmim, azaléias, pimenta, jibóia, palmeiras, papoulas, alecrim, espadas de São Jorge, comigo ninguém pode, bananeira e pau-brasil, este plantado no meu aniversário. Quase nunca tenho tempo de ficar algum tempo com elas. Hoje fiquei algum tempo e dei banho nelas, enquanto os cachorros olhavam apreensivos para a mangueira, temendo que eu dirigisse o jato d’água em sua direção. Esse exercício matinal auxiliou-me a pensar o tempo que demora a gente ver o resultado da ação humana. As palmeiras que agora têm três ou quatro vezes a minha altura, foram postas ali, pela minha mão já quase duas décadas. A natureza caminha com o seu ritmo, absorvendo, modificando os alimentos que ela própria produz, silenciosamente, e só exige que sejamos pacientes com ela, enquanto ele segue seu curso.

Mas para ser um jardim, as plantas, isoladas e no conjunto, carecem do cuidado, da atenção do jardineiro. E, o nosso cuidado não as faz crescer, elas cresceriam sem a nossa atenção. O nosso cuidado auxilia a cada uma delas desenvolver suas características, que elas já possuíam antes de nosso cuidado, mas, esse cuidado faz com que os aspectos específicos de cada uma delas, se tornem visíveis aos olhos dos que passam pelo jardim. Nosso cuidado não muda a planta, mas realça a sua característica, auxiliando-a a compor o jardim que nos alegra, que atrai pássaros, abelhas, borboletas, lagartixas e outros animais dos quais não tomamos conhecimentos, pois eles visitam o jardim enquanto dormimos.

Cuidar de um jardim é parecido, mas apresenta diferenças, como a prática de cuidar de cães e gatos e outros animais que foram domesticados desde que nos tornamos caçadores e agricultores. Os animais correm e nos tocam, não são apenas tocados; os animais gritam e conversam conosco semelhantemente aos nossos semelhantes; os animais correm para nos saudar e nos dizem quando estão sendo esquecidos. Os animais nos acariciam a pele, seja por gratidão, seja por seu interesse imediato. Eles nos deixam com vontade de pensar: como eles gostam de mim porque eu cuido deles, eles me dizem que eu sou bom. Esses animais cultivam nosso narcisismo e satisfazem nossa pele, dando-nos a impressão de sermos amados. Deve ser essa uma das razões porque tanta gente tem cachorros e gatos em seus apartamentos e raramente têm flores, exceto essas similitudes encontradas em lojas de objetos. Plantas artificiais não dão trabalho, não exigem que olhemos para elas, que a podemos, que a façamos sofrer alguma dor para que fiquem mais belas e acariciem, pelos olhos, a nossa alma. Elas já são compradas grandes, não precisamos esperar para que cresçam; algumas já são compradas com frutos, embora não os possamos comer. Esses objetos coloridos que são comprados em lojas nem mesmo se movem quando a brisa a toca.

Só quem sabe a alegria da planta é quem dela cuida, é quem despende carinho e tempo com ela. E às vezes, algumas plantas crescem tão vagarosamente que o jardineiro às vezes não vê as flores nem toca no fruto. Outros é que recebem o resultado do seu trabalho, ainda que ele também possa desfrutar dessa alegria. Mas quando o jardineiro se alegra com o resultado do seu trabalho, muitas outras pessoas já o fizeram, às vezes só ao passar em frente. O trabalho do jardineiro é sempre alegria para todos. As plantas não correm quando o jardineiro chega, não alardeia quem dela cuidou. A alegria do jardineiro provem dos comentários que escuta sobre o seu jardim e, muito raramente, quem se alegra com o jardim jamais fica sabendo quem foi o jardineiro. Mas sempre, em cada jardim, em planta que forma o conjunto do jardim, há as mãos, os olhos, os pés, o suor, o temor, a alegria, o sonho, a perspectiva de um jardineiro.

Esta foi a semana do professor.

sábado, outubro 11, 2008

Belém do Sao Francisco, Recife e Curitiba

Estou na cidade de Belém do São Francisco, bem na margem do rio que antigamente corria caudaloso,mas agora está amansado pelas barreiras que lhe foram imostas pelos homens. Antes, o rio modelou a natureza, abrindo caminhos e criando possibilidades de vida. Isso foi feito sem a sua intenção, penso, pois não se encontrou ainda o diário ou páginas avulsas contando os projetos das águas que saíram silenciosamente das serras mineiras psra estender-se no azul esverdeado do Atlântico nas Alagoas. E estou aqui para viver a honra de iniciar um projeto que está oferecendo a professores da rede pública estadual realizarem um curso de especialziação. Cursos semelhantes estarão sendo realizados no Recife, em Caruaru. Está previsto a participação de cerca de 2000 professores. além dos cursos de especialização também irão ser ministrados cursos de atualziação Isto é ótimo, pois está pondo para uma atualização de conhecimentos professores que, eu ouvi, estão em sala de aula um tempo equivalente a duas década. Estamos muito atrasados nessa política de atualização do conhecimento, o que faz com que professores repassem para seus alunos, no início do século XXI, conhecimentos que receberam na penúltima década do século XX. É uma defasagem enorme. É incrivel como não se oferece possibilidade de atalziação dos professores e não se lhes oferece tempo para estudar. Vamos eseprar que essa política continue.

Aqui em Belém do São Francisco o curso é de responsabilidade do Centro de Formação de Ensino do Vale do São Francisco, um autarquia que tem três décadas de atividades. e atende a cidades de Pernambuco, Bahia, Alagoas. O CESVASF é quase um oásis de esperança em uma área em que a tradiçao do mandonismo, a novidade da violência do tráfego de drogas fortalecido pela a ausência do Estado, temeroso em exercer a sua obrigação de oferecer segurança, educação e saúde à população. O mesmo medo que sinto no comportamento de meus alunos que temem ficar até o final da aula, encontro nesses professores. Eles vivem e atuam em Cabrobó, Santa Maria da Boa Vista, Floresta, Cedro, Salgueiro, Petrolina, São José do Belmonte,Tacaratu, Jatobá e, do Agreste, um professor de Alagoinhas. Todos mencionaram o medo das estardas, um temor com o qual alguns lidam diariamente, quando saem de suas casas para as escolas. Nada lhes garante que foras-da-lei deixaram de agir contra eles. Cada um tem uma história para contar nas estardas, despoliciadas e com asfalto raro e buracos permanentes. Mas muito me alegrei por participar desse re-encontro com os bancos escolares de professores em carteiras estudantis.

Enquanto isso, nesta tarde ocorreu o lançamento do segundo livro de Valéria Vicente, um livro que conta a aventura de dois pré-adolescentes na descoberta do Maracatu de Baque Virado na periferia do Recife. O livro foi publicado pela Edições Bagaço. Tâmisa Vicente, sua irmã, está em Curitiba apresentando algumas reflexões sobre o turismo cultural, em um encontro internacional.

sexta-feira, outubro 10, 2008

As bolsas e os santos

Os últimos dias foram carregados de notícias preocupantes para os que puseram seus ganhos nas bolsas de valores, mas, ao mesmo os especuladores de plantão continuaram a ganhar daqueles que perderam. Quase todos ficaram em polvorosa em decorrência do nervosismo apresentado na face de George W Bush que veio a público pedir uma ajuda para o sistema bancário americano. Nem todos ficaram nervosos, alguns, como o presidente do Brasil, resolveram fazer troça do Bush angustiado, enquanto o amigo de Luiz Inácio da Silva que governa o Equador se preparava para expulsar duas empresas brasileiras, entre elas uma com muito capital do povo brasileiro. Pode ser que a Petrobrás venha a perder, como já perdeu para a Bolívia, mais alguns canos. Coisa sem importância!

Pois é, foi mais ou menos isso que o papa Bento XVI disse ao presidir a abertura do Sínodo dos Bispos, ao nos lembrar que o dinheiro não é tão importante assim, que existem valores que estão sendo postos no lixo por aqueles que, para guardar dinheiro, especulam sobre a fome dos homens e das mulheres. Valores como a honestidade nos relacionamentos entre os seres humanos, honestidade de intenções nas relações entre os políticos e os cidadãos, honestidade entre os dirigentes das nações, etc. Valores como tratamento justo e digno às pessoas, e não apenas aos criminosos ricos, como ocorreu ao nosso STF. Talvez o presidente do nosso STF esteja pensando em sugerir à Suprema Corte dos Estados Unidos que sigam o seu exemplo, criando lá, o equivalente à Lei Banqueiro Daniel Dantas. Foi chocante assistir, pela televisão os policiais americanos algemando um ex-jogador de futebol americano e prendendo um brasileiro que sonegou imposto de renda naquele país.

Outro momento a ser comentado neste início do Sínodo Romano, é a palavra do papa encaminhando o processo de beatificação do seu antecessor Pio XII. Este papa teve um pontificado tão longo quanto o de João Paulo II. Aliás, contrariando todas as regras, Bento XV já deu início ao processo de beatificação de João Paulo II. Esses papas, os três, Pio XII, João Paulo II e Bento XVI possuem muitos atributos comuns e experiências de vida em torno dos acontecimentos conhecido como a Segunda Guerra Mundial, especialmente relacionado com o nazismo. Pio XII tem suas virtudes contestadas, por alguns, por não ter condenado energicamente o nazismo e o massacre dos judeus (essas pessoas esquecem os ciganos, os homossexuais, os comunistas, os doentes mentais, etc.). João Paulo II assistiu, em seus tempo de menino, seus colegas judeus serem levados ao campo de concentração e trabalhos forçados próximo à sua cidade. Bento XVI, como todos os seus colegas de idade, foi membro da juventude hitlerista. Neste período de crise financeira, pode ser que os amigos judeus do catolicismo retirem parte de seu apoio ao Vaticano se o papa continuar com essa idéia de fazer o Pastor Angélico, mais um participante da glória dos altares. Porém, como diz o mesmo Bento XVI, ele segue um Rei cujo reino não é desse mundo. Apesar disso, foi muito interessante uma cena, mostrada na mídia televisiva, de um grupo de trabalhadores de uma bolsa de valores em postura de oração. A religiosidade no templo de baal.

Mas se olharmos a religiosidade popular católica, encontraremos novidades interessantes nesta semana, como a presença do Núncio Apostólico celebrando missa em Juazeiro do Norte e fazendo homilia sobre os diversos graus de santidade. Quando ele mencionou o Padim Cíço, a Igreja foi tomada de júbilo. Agora o templo onde o padre Cícero Romão Batista celebrou é uma Basílica Menor, um templo especial para os muitos católicos romanos do mundo inteiro. Como se vê, abaixo da linha do Equador começam a ser vistas as santidades, não apenas as dos índios, que eram apontadas como heresia; mas uma santidade que foi apontada por quase herética no início do século XX, agora começa a ser vista como halo de santidade. Turistas - peregrinos para lugares de lazer e prazeres materiais -, já podem peregrinar em Juazeiro do Norte, detentora de uma basílica consagrada à Maria. Pode ser que a presença do Núncio Apostólico resulte em uma clara permissão ao povo para cultuar o seu santo.
Se isso vier a acontecer, ficará apenas para os historiadores as artimanhas de Dom Francisco Arcoverde contra o Patriarca do Joazeiro.

sexta-feira, outubro 03, 2008

O largo do Rosário e das Três Culturas

Estamos quase no dia de São Francisco, um dia reservado para refletir sobre os inconvenientes que praticamos sobre o meio ambiente. É só olharmos ao nosso redor e nos depararemos com resultados pouco recomendáveis e que colocam em risco a nossa existência. É certo que a vida tem um ação regenerativa surpreendente e, é essa sua capacidade que pode nos tornar menos atento à sua conservação. Como, por exemplo, os acontecimentos mexicanos de 2 de outubro de 1968, em Tlatelolco, México. Na Praça das Três Culturas, jovens acadêmicos, apontavam o distanciamento do Partido Revolucionário Institucional dos desejos do povo mexicano. Ainda hoje o governo mantém a informação de que apenas 30 pessoas morreram, mas os jornais da época falavam de mais que três centenas de jovens estudantes que foram mortos, com a utilização de tanques de guerras e outras armas pesadas. Esse acontecimento tem sido apontado como momento de inflexão da política mexicana e ele faz parte, de um momento ímpar na história dos povos de tradição ocidental, como Paris, Praga, Rio de Janeiro, Woodstock.

No século XVI, na Batalha de Lepanto ocorreu a vitória das tropas papais contra os turcos e essa vitória foi contada como uma intervenção da mãe de Jesus, auxiliando a Europa a não sucumbir ao domínio dos muçulmanos. Assim é que se presta louvores à Nossa Senhora da Vitória, a Nossa Senhora Auxiliadora, a Nossa Senhora do Rosário. Esta última invocação tornou-se muito popular no império português e, na sua Colônia americana; a tradição disseminou-se nos diversos estamentos sociais, representados em Irmandades diversas, como a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos, Irmandade do Rosário dos Homens Pardos.

Nas cidades brasileiras, as criadas quando ainda os portugueses dominavam essas terras, os negros – escravos ou livres – eram incentivados a tornarem-se membros da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos; os numerosos mestiços, especialmente aqueles que se dedicavam ao comércio, integravam-se nas Irmandades de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pardos. Tal divisão tem sua lógica: em mundo monárquico, onde o poder político está sob o controle dos homens brancos, a Rainha-Mãe sempre intercede pelos súditos junto ao seu filho rei. Ao rei, branco e dominador, a devoção a Nossa Senhora da Vitória faz mais sentido, enquanto que o lento desfiar das contas dos rosários representa melhor o árduo trabalho dos explorados trabalhadores manuais.

Pois bem, nesse início do mês do Rosário, foi inaugurada a Praça do Rosário, no bairro de Bonsucesso, em Olinda. Na ocasião foi plantado um Baobá, árvore nativa da África, de onde vieram povos que semearam gens, suor, idéias e crenças que se miscigenaram com as crenças, gens, suores e ideais de portugueses e indígenas; um Babalorixá da Nação Xambá, vindo de outro bairro, fez a sagração nos ritos religiosos de matriz africana; também foi rezada missa no interior do templo, assistida por gente da comunidade local, participante da Irmandade que vem sendo mantida desde o século XVII, hoje assumida como Patrimônio Imaterial de Olinda. Também o sacerdote católico fez a sagração do espaço. Agora a Praça está abençoada oficialmente pelos santos e sacerdotes das duas religiões que convivem, embora quando um esteja o outro já tem saído ou ainda não tenha chegado.

No local onde está a praça, foi um quartel e, segundo estudos recentes, foi alojamento do Terço dos Henriques, grupamento militar formado por negros e que tem esse nome em homenagem a Henrique Dias, um dos líderes militares da Restauração de 1654. Escavações comprovaram a existência do quartel. Pa ra que a praça exista, o quartelfoi devidamente soterrado, ficando oculto aos olhos esse pedaço da ocupação social do Largo do Rosário. Esse Largo, no século XX, tomou nova importância cultural pela inventividade popular que criou o Homem da Meia Noite, personagem que costumava abrir, à meia noite do sábado de Zé Pereira, o carnaval de Olinda, quando o carnaval era uma brincadeira de três dias. Hoje o Homem da Meia Noite é mais um espetáculo do carnaval.

O mundo social pós 1968 tornou tudo um grande espetáculo, um grande Woodstock que nos faz esquecer as Praças das Três Culturas, em Tlatelolco ou Olinda, onde se apresentam sem se tocarem, embora convivam uma a sombra da outra, as mais diversas tradições.

quarta-feira, outubro 01, 2008

Um sucesso e dois fracassos - Lula: presente certo e futuro incerto para o Brasil

Li essa entrevista no BBC Brasil e creio que vale a pena a gente conhecer e saber o que está sendo analisado.


Para biógrafo inglês, Lula avançou economia, mas fracassa na educação

Pablo Uchoa
Da BBC Brasil em Londres




O governo de Luiz Inácio Lula da Silva, "um dos presidentes mais significativos" da história do Brasil no século 20, caminha também para ser "um fracasso na educação", na opinião do pesquisador britânico Richard Bourne, autor de um livro sobre Lula.
Lula of Brazil (Zed Books, Londres e Nova York), biografia política do ex-metalúrgico eleito e reeleito presidente, compila para o leitor do inglês os avanços e dificuldades do atual governo. O lançamento da obra, nesta terça-feira em Londres, vem a tempo de jogar uma luz sobre as razões que levam a popularidade de Lula a níveis recordes de 80%.

"Lula domina completamente a cena política no país. Ricos e pobres acham que Lula é uma pessoa que cuida do país", avalia Bourne, ex-jornalista do The Guardian, hoje pesquisador sênior do Institute of Commonwealth Studies, em Londres.

Bourne não esconde a simpatia que sempre nutriu por Lula desde que o ex-metalúrgico se destacou no sindicalismo nos anos 1980 – ou, a rigor, não esconde a simpatia pelo Brasil. Diz que "deixou seu coração" no país quando desembarcou pela primeira vez no Rio, em 1965. É autor de um livro sobre Getúlio Vargas e outros sobre líderes latino-americanos.

Nesta entrevista à BBC Brasil, o pesquisador faz uma avaliação dos altos e baixos do governo. Sublinha avanços no combate à pobreza e na política externa. Mas não deixa de criticar com severidade o que chama de "fracassos" no impulso à educação e em relação à esperança de fundar no Brasil "um tipo mais ético de política".

BBC Brasil - Seu livro vem em um momento em que a popularidade do presidente bate recorde e alcança 80%. Como explicar esse fenômeno?

Richard Bourne - Lula domina completamente a cena política no Brasil. Em parte, porque está no poder há muito tempo, em parte pelo que fez, em parte pelas suas características tão humanas. As pessoas se sentem muito seguras com Lula. Ricos e pobres acham que Lula é uma pessoa que cuida do país. Mas até por isso seu legado político será complicado...

BBC Brasil - Seria minha próxima pergunta…

Bourne - Lula sempre foi mais popular do que o PT. E muitas vezes ele até se mostrou muito impiedoso com o PT. Isso significa que não podemos pressupor que um petista o suceda. De certa forma, chegar à Presidência se tornou uma grande conquista pessoal de Lula, e é difícil que haja outro Lula. Felizmente, ele não deu ouvidos às pessoas que queriam convencê-lo a mudar a Constituição para poder se candidatar para um terceiro mandato. Isso seria um desastre para o Brasil.

BBC Brasil - Ampliando a questão do legado. O senhor é um estudioso de Vargas. Podemos comparar o legado de Lula e Vargas, os dois "pais dos pobres"?

Bourne - A comparação de que Lula e Vargas são pais dos pobres é adequada. Vargas criou os arranjos de seguridade social e era apoiado por movimentos operários. Mas esses movimentos eram apoiados pelo Estado. Já Lula fez muito mais pelos pobres que não estão na economia formal, ao introduzir o Bolsa Família e prover o recurso a 12 milhões de famílias só até o fim do 1º mandato. Acho que fez tanto como pai dos pobres quanto Getúlio.

BBC Brasil - O senhor diz que o Bolsa Família é um avanço na questão da pobreza, mas o programa tem ajudado em relação à educação?

Bourne - Acho que a educação é um dos grandes fracassos de Lula. Acho que ele perdeu o primeiro mandato ao não fazer nada pela educação pública no Brasil, algo que qualquer pessoa, qualquer observador internacional, qualquer brasileiro informado no Brasil enxerga como uma das maiores fraquezas do país.


Lula durante segunda campanha contra FHC, em 1993

Talvez porque ele mesmo tenha conseguido chegar ao topo sem educação formal ou porque se cansou de pessoas sabidas dizendo a ele que ele deveria ter se formado – não sei – mas parece que ele, pessoalmente, nunca considerou a educação tão importante para o seu país como deveria.

Esse é um grande contraste com outros líderes, como Nelson Mandela, da África do Sul, que estudou na prisão e obteve seu diploma na prisão, e mesmo Robert Mugabe, do Zimbábue, que privilegiou a educação quando chegou ao poder nos anos 1980. Acho que a questão da educação é um fracasso pessoal de Lula, e é bem difícil compensar isso.

BBC Brasil - Mas se há pouco investimento em algo tão estratégico no longo prazo, como a educação, o que resta?

Bourne - No seu segundo mandato, Lula tentou incluir seu pacote de crescimento, o que eu acho que funcionou, além de conseguir se beneficiar da expansão econômica. Há alguns avanços na parta da educação cultural. Houve um aumento no número de universidades, há bons avanços feitos na parte cultural pelo ex-ministro Gilberto Gil nas favelas. É uma tentativa de elevar um pouco o nível de alfabetismo. Mas, como disse, acho que a educação pública foi um certo fracasso ao não ser considerada como devia.

BBC Brasil - O senhor dedica um capítulo aos escândalos de corrupção. Como avalia esse quesito?

Bourne - A situação ética e política é uma parte ruim do legado de Lula. Simplesmente deu errado muito cedo, por conta do pacto com o demônio que ele fez logo no início da sua quarta tentativa para chegar à Presidência. Acho que Lula simplesmente se cansou de perder. E acho que isso foi uma traição do espírito que animou a fundação do PT no início dos anos 1980. Porque em qualquer grupo no qual você se incluísse no PT, fosse radical, marxista, moderado, a única coisa do qual estava totalmente certo era de que era preciso um tipo de política mais ético no Brasil. E nisso ele fracassou.

BBC Brasil - Há algo que se possa fazer em relação a isso?

Bourne - Sim, há uma série de coisas que podem e precisam ser feitas. Muito mais esforço deve ser dirigido à eleição dos políticos. Há bons políticos, nem todos do mesmo partido, nem todos de esquerda. E uma coisa é certa: a sociedade civil, ONGs, o terceiro setor, todos aqueles setores pressionando por transparência precisam ser reforçados. Obviamente, a imprensa e a mídia em geral têm um tremendo papel nisso. Eles fizeram um bom trabalho durante o mensalão. Esta vigilância é muito importante.

BBC Brasil - Mas o senhor crê que é possível reverter a sensação de que todos os políticos...

Bourne - ...são bandidos e que a política é um negócio? Acho que isso é bem difícil, e digo por quê. O Brasil é um país muito grande e relativamente desorganizado. Um pouco como os Estados Unidos, onde política também pode se confundir com negócio. Você nunca consegue se livrar disso totalmente, mas acho que pode reduzir o mal. Mesmo assim, se olhar a história brasileira, vai ver que há diversos políticos honestos desde os primórdios, desde o século 19. Não gosto da idéia de simplesmente desistir do Brasil em relação a isso.

BBC Brasil - O senhor mencionou a relação da imprensa com o governo. Esta relação não é antagonista? Se sim, é visível?

Bourne - Acho que sim, é visível. Sempre houve uma hostilidade nesses interesses travestidos dos ricos por parte da imprensa. De certa forma, era uma questão de poder. Eles não queriam ter seus privilégios ou opiniões questionados. Mas acho que agora há algo diferente. Imagino que os jornalistas estão apenas cansados de Lula. O mesmo tipo de atitude que existe aqui em relação ao Gordon Brown. De certa forma, é natural e até bom. Eu sou um ex-jornalista, sei que é preciso algum grau de cinismo e ceticismo entre os jornalistas em relação a políticos.

BBC Brasil - O senhor diz no seu livro que a política externa do Brasil reflete os ideais iniciais do PT, e que a política econômica é a maior traição desses ideais. Pode explicar?

Bourne - Talvez a política econômica do PT tenha sido irrealista quando ele foi eleito. Voltar a uma era de controle estatal quase total das instituições é insustentável em um mundo globalizado. Já a política externa foi bem fundamentada.

Algo que não foi bem sucedido foi a tentativa de se tornar o líder dos latino-americanos – acho que foi mal pensado. O Brasil é muito grande e ameaçador aos olhos dos outros países, e apenas se o Brasil estiver trabalhando claramente nos interesses deles, eles vão concordar em ser representados pelo Brasil. Lideres nacionalistas como Hugo Chávez, Rafael Correa e Evo Morales quase inevitavelmente se viraram contra empresas brasileiras, como Odebrecht e a Petrobras.

De certa forma, o Brasil está pagando o preço de se tornar uma economia capitalista relativamente bem sucedida. E isso é um pouco duro para Lula, porque ele é um representante da esquerda, e de repente os interesses nacionais do Brasil e os interesses dos governos de esquerda entraram em colisão.

Mas há que fazer uma distinção entre a abordagem hispânica e brasileira. A do Brasil sempre foi a de acomodação, mesmo quando mudanças drásticas de rumo estavam ocorrendo. Enquanto no mundo hispano-americano, você atira e resolve o problema. Veja Pinochet no Chile, veja a Argentina. São duas culturas políticas muito diferentes. Para mim, para minha visão, o Brasil é um lugar muito mais civilizado.