domingo, agosto 31, 2008

Tributo a Mestre Salustiano


Pouco antes de iniciar a reunião mensal do Instituto Histórico de Olinda, nesta manhã, recebi a ligação de Afonso Oliveira informando da morte do Mestre Manuel Salustiano, o Mestre Salu, aquele matuto nascido em Aliança a 12 de novembro de 1945 e, crescido, veio morar em Olinda, tornando-se famoso por sua maneira de tocar a sua rabeca.


Salustiano foi menino de engenho, não o Menino de Engenho que foi José Lins do Rego, mas o menino pobre de engenho, quando os engenhos já eram pobres e os seus senhores tinham virado, desde muito, fornecedores de cana. Foi ele, mais que menino de engenho, foi um menino de sítio, como muitos.

No meado da década de quarenta, quando nasceu Manuel Salustiano, filho de João Salustiano, quem dominava economicamente aquela região era a Usina Aliança, para quem quase todos os “engenhos” botavam cana. Muitas das casas dos senhores haviam sido derrubadas, outras estavam abandonadas, pois os seus proprietários viviam no Recife, indo até à usina para acompanhar o que os gerentes e administradores faziam.


João Salustiano cortava cana e aprendera a tirar sons da rabeca. Vivia alegrando os bailes nos terreiros, quase sempre, na frente da casa dos administradores ou daqueles que trabalhavam com maior liberdade e podiam oferecer uma festa, vez por outra. Assim, João Salustiano exercia sua arte enquanto criava seus filhos, entre eles Mané, que queria tudo, menos acabar a sua vida cortando e sendo cortado pela cana.


Mané Salustiano acompanhava o pai e aprendia as coisas das brincadeiras. A rabeca era o instrumento de tudo nos bailes que ocorriam em toda a Zona da Mata: a rabeca era usada para o forró, para acompanhar as cantigas do Cavalo Marinho. Em um tempo em que não havia luz elétrica e só os ricos podiam ter acesso às vitrolas, João Salustiano era muito requisitado nos finais de semana. E o menino-rapaz Manuel Salustiano, Mane, como se pronuncia na região, foi aprendendo com o pai, e com outros, a dança do Cavalo Marinho, as poesias do Cavalo Marinho, as músicas dos pastoris, as canções dos pastoris, os pantins dos manulengos, os volteios das cirandas, as batidas do coco, os passos guerreiros dos caboclos. E foi aprendendo. Tocou no banco do maior mestre daquela época, o Mestre Batista, ali nas festas no terreiro do Sítio Chã de Camará. E tanto aprendeu que aprendeu que não podia ficar tocando e dançando de engenho em engenho, de terreiro em terreiro, como seu pai, como Biu Roque e outros.


Depois de ver o Mestre Batista fundar o Maracatu Estrela de Ouro, migrou para Olinda. Vendeu picolé, foi ajudante de pedreiro, foi guardando dinheiro e, como muitos, invadiu terreno para construir uma casinha. Tempos depois tudo foi posto no papel do cartório.

Olinda o adotou pela indicação do Lord de Olinda que compreendeu o seu talento e o apresentou a quem podia o apoiar. Tocando nas feiras, conheceu Leda Alves que levou o seu brinquedo para mostrar nos colégios, no mês do folclores, este, o mês de Agosto. Depois conheceu Ariano Suassuna.

Fundou em 1975 o Maracatu de baque Solto Piaba de Ouro. Esse brinquedo já aparecia no carnaval do Recife desde a década de 1930, mas foi subjugado, visto como debitário do maracatu de Baque Virado. Outra tradição, outra história. O povo tem muitas histórias e não apenas aquela contada pelos “meninos de engenho e das casas grandes”. Mestre Salustiano sempre amou o maracatu, aprendeu desde cedo a admirar esses gigantes que o povo da Mata Norte criou para assustar os meninos mimados e as moças e, ao mesmo tempo, animar a sua vida com a alegria de ser um guerreiro. Até os anos 80 os Maracatus de Orquestra ou Baque Solto eram temidos,mas Mestre Batista (Estrela de Ouro de Aliança) e Biu Hermenegildo (Águia Misteriosa de Carpina), Mestre Salustiano (Piaba de Ouro) decidiram fundar a Associação dos Maracatus de Baque Solto de Pernambuco, e o fizeram de tal forma que hoje esse brinquedo é uma manifestação cultural pernambucana das mais importantes.

A morte do Mestre Salustiano, o Mestre Salú da Rabeca é um momento especial na vida da cultura pernambucana. A ele saudamos. Nele Saudamos todos os criadores de danças, músicas, teatro, mamulengos, cirandas, que são a vida da gente.


Conheci o Mestre Salu, tirei prosas com ele, brinquei no Lumiara Zumbi, dancei na Casa da Rabeca, joguei vozes e ditos de "Mateus" com João Salustiano numa festa de Reis. Estou com a dor dos filhos, especialmente a de Manuelzinho, de Maciel, os dois filhos com quem mais convivo e admiro, como admiro seu pai: Mestre Manuel Salustiano, um homem que fez mais pelo povo da Mata Norte de Pernambuco do que todos os barões e baronetes criados pela orgulhosa e decadente sucralocracia pernambucana a serviço do império.

A bênção Mestre Salú! Leva nossas saudações a Batista e Biu Hermenegildo.

Teu Povo te homenageia.
SALVE A NOSSA CULTURA

quinta-feira, agosto 28, 2008

A Pressa


No altar das profusas mistificações, não é difícil vender gato por lebre. A cada nova geração de brasileiros obtém-se o que se poderia chamar de lobotomia de nascença. São safras humanas cada vez com menor desejo de informação, menor espírito crítico e mais precária composição cultural. Com essa alienação de nascença, a desfiguração da nacionalidade se dá sem choro, nem vela.

Essas palavras de Pedro Porfírio são referentes ao seu temor de que, por conta das recentes descobertas ocorridas na camada pré-sal do litoral brasileiro, conseqüência dos investimentos e pesquisas realizadas pela Petrobrás, a pressa de fazer dinheiro o mais rápido possível, venham a criar uma empresa que enfraqueça a empresa que investiu e favoreça a presença de companhias estrangeiras. Isso vem acontecendo desde que deu-se início ao desmonte do Estado brasileiro, na busca do Estado-mínimo pregado por quem mantém o Estado maior para explorar os países de estado mínimo. Esta semana é de aniversário da morte de Getúlio Vargas, aquele que criou a Petrobrás, em 1953.

Essa pressa em criar mais uma empresa para enfraquecer a Petrobrás é consonante com a pressa do Senado Federal em, na noite de ontem, criar mais de 1000 cargos para o Poder Judiciário, sendo que esses cargos não serão ocupados por concursos, mas serão cargos de confiança... dos juízes. Não necessariamente do povo.

O poder judiciário é o mesmo que criou, apressadamente a “Lei Daniel Dantas”que proíbe o uso de algemas no Brasil. Lembro que ocorreu a mesma pressa, durante a Ditadura Militar, terminada em 85, para criar a Lei Fleury. Fleury era um delegado que atuava ativamente nos porões da ditadura, sendo um dos mais ativos torturadores. Acusado por um crime comum, se temeu que, preso, ele soltasse o verbo e comprometesse muita coisa e gente. Para “protegê-lo” criou-se uma lei que diz que réu primário tem direitos especiais: não pode ser preso. Como ele era um réu primário não podia ser preso. Essa lei beneficiou muita gente, inclusive foi saudada como uma conquista de mais um direito do cidadão. O mesmo está acontecendo com a Lei Daniel Dantas. Muita gente vai ser beneficiada, especialmente os que temem que ele fale coisas que não podem ser ditas. Coisas da família de barões, do Barão de Jeremoabo.

Enquanto isso, professores de diversos departamentos das universidades federais têm que apresentar justificativa para a solicitação de realização de concurso público. Tem que se justificar que se precisa de professores para a universidade. No departamento em que trabalho, temos receio de perder duas possiveis vagas, que serão preenchidas por concurso público. Ou se faz assim ou Ministério Público pode atuar a universidade.

Enquanto isso, são criadas, na madrugada, 1000 vagas, a serem preenchidas sem concursos, para atender as necessidades do judiciário. Os salários chegam a R$ 9.000.00. Nada contra o judiciário nem contra os amigos do descendente do Barão de Jeremoabo, mas bem que essas vagas criadas poderiam ser ocupadas por concurso público.

Ah! Sim, ontem o presidente do STF esteve no congresso para lembrar que os juízes devem ter um aumento de cerca de 5% nos seus salários, de R$ 21.000.00, tão desgastados pela inflação. O aumento do salário dos juízes implicará no aumento dos salários dos senadores e deputados. É uma cascata. É o efeito cascata, isso não quer dizer que é uma "cascata".

A aprovação dessas vagas pelo Senado Federal, no meio da noite, mostra que nossos senadores estão sempre trabalhando, dia e noite. Eles são impagáveis. Não há dinheiro, nem privilégio que chegue para pagar tanta dedicação ao trabalho!

domingo, agosto 24, 2008

Uma tarde excepcional

Foi um final de semana cheio de surpresas, iniciado com a visita que fiz a Ponte dos Carvalhos, um dos distritos da cidade do Cabo de Santo Agostinho. Para mim, Ponte dos Carvalhos foi, ao longo do tempo, um lugar de passagem, quando íamos, em pic-nic à Praia de Gaibú, um recanto que sempre estava na perspectiva dos moradores da Zona Norte do Recife, entre eles, nós moradores de Nova Descoberta. Não foram poucas as vezes que a Cruzada Eucarística da Paróquia organizou excursões para as praias do litoral sul. As preferidas foram sempre Gaibú e São José da Coroa Grande. Foi durante essas viagens que conheci Ponte dos Carvalhos.

Ponte dos Carvalhos foi, também, a paróquia que teve o padre Geraldo Leite como vigário. Geraldo Leite era sinônimo de inovação, na música, na liturgia, na maneira de comunicação com o povo de sua igreja. Moderno, não chegava a ser o oposto do vigário mais famoso do Cabo de Santo Agostinho, o padre Antonio Melo, homem de intenções interessantes, mas confuso na sua teologia e sociologia – sócio-teologia. Uma de suas confusões foi permitir, talvez promover, a derrubada da Igreja da Irmandade de Nossa Senhora dos Homens Pretos do Cabo. Mas essa é outra história. Voltemos a Ponte dos Carvalhos e a Geraldo Leite, que construiu um moderno templo, com belo afresco de um Jesus que se confundia com os pescadores. Pois bem, aquela bela pintura foi criminosamente modificada por ordem de um desses novos padres, pouco dados aos gostos da leitura e da apreciação artística.

Mas fui a Ponte de Carvalhos e, pela primeira, passeei nas suas ruas. Fui a convite de Daniel Xavier para assistir uma conferência que dava início, naquela localidade, da Semana Estadual do Deficiente. Daniel está sempre à escuta do nosso programa QUE HISTÓRIA É ESSA, na Rádio Universitária 820amm no ar sempre às 9 horas da manhã na quarta feira. Pode ser acionado em www.tvu.ufpe.br/am.htm.
Atraído pelo convite, terminei em uma mesa com a obrigação de dizer algumas idéias ao lado da psicóloga e professora Roze, uma especialista em educação para pessoas com necessidades especiais; e também ao lado do velho colega Manuel Aguiar. A conferência ocorreu no CENTRO CULTURAL MESTRE DIÈ, local onde funcionam várias atividades ligadas á comunidade. Nos anos passados aquele prédio servia para o Mercado da Farinha, abandonado, foi adotado pela PLAN, uma organização de origem alemã que trabalha para promoção e proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. Realiza hoje cerca de 50 projetos no Brasil nas áreas de Direitos, Saúde, Educação, Participação Comunitária e Segurança Alimentar e Nutricional. (http://www.plan.org.br/). O espaço é composto por um belo auditório, uma biblioteca, lugares para reuniões e jogos. No auditório viera alunos de duas escolas estaduais, com seus professores e muitas pessoas com necessidades especiais.


Entre essas estava Inês, uma menina que tem dotes especiais para a pintura e possui um grande senso de humor e alegria. Os momentos artísticos ficaram a cargo de rapazes e moças, portadoras da síndrome de dowm, chegados de Boa Viagem, que dançaram xaxado, xote. Foi uma tarde movimentada e com pessoas vivendo plenamente a sua vida, ultrapassando os limites, como dona Helena, a mãe de Inês.

Quanto ao Mestre Dié, não há retratos dele no prédio, mas todos sabem que ele foi dono de um Bumba Meu Boi, grande animador do carnaval de Ponte dos Carvalhos. Maria, que foi a mestre cerimônia da tarde, me fez prometer que eu voltarei a Ponte de Carvalhos para conversar com a família desse ilustre negro, o Mestre Dié.









Devo agradecer a Daniel Xavier, que me convidou sem informar que é um cadeirante, e que pediu que eu levasse livros para ele ler.



Esse povo não quer pena ou piedade, quer seus direitos respeitados.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Dorival Caymmi

Nesse domingo passado, recebemos a notícia da morte, aos 94 anos, de Dorival Caymmi, um baiano que universalizou a sua poesia simples, baiana, brasileira. “Enquanto perguntava “o que é que a baiana tem”, Caaymmi cantou “Dora Rainha do Frevo e do Maracatu”, enquanto, à Marina, diz, "não pinte seu rosto que eu gosto...”, e, quando dizia que “é dengo, é dengo, é dengo que a nega tem”, não deixava de levar uma sandália para menina de “bolero” sambar quando acabasse “a sandália de lá”, pois queria ver a morena se requebrar. Esse Caymmi que descobriu que “o pescador tem dois amor”, também entendeu o segredo da “jangada que vai sair pró mar” enquanto o amor da terra ficava a “rezar pra ter bom tempo, pra não ter tempo ruim”; Esse mesmo Caymmi pôs muitas gerações de brasileiros a dormir enquanto nossas mães e tias cantarolavam o “boi da cara preta”, porque era "tão tardem a noite já vem... e mamaezinha precisa descansar...".

Creio que a primeira vez que vi Caymmi foi na revista Pererê, de quadrinhos que Ziraldo escrevia e mantinha para tentar desbancar o Pato Donald e seus asseclas. Na revista sempre aparecia um negro forte, deitado na rede com o violão deitando no peito a dizer que “no Abaeté tem uma lagoa escura, arroedeada de areia branca”. Nunca vi Caymmi, exceto em filmes, vídeos fotos e música. Embora todos soubéssemos que Caymmi estava na rede, a gente bem que penava que talvez o Caymmi fosse um outro Pererê, sempre calmo, trazendo solução para tudo, inclusive para o índio Tuiuí. Depois, só muito depois é que descobri quem era aquele negro bonito que se misturava com as lendas brasileiras. Descobri o fazedor de samba canção, o criador de músicas perenes.

Depois de Ziraldo, quem me apresentou Caymmi foi Zildo Rocha, quando ainda era presbítero católico, em visita que fez aos padres americanos que foram atuar em Nova Descoberta. Zildo tocava violão e, os padres americanos, que tinham sido alfabetizados em português com as músicas de Caymmi, pediam para Zildo, com eles, ficarem a “chamar o vento, o vento que dá na vela...”. Uma noite, entre muitos copos de guaraná, eu fiquei deliciado com os dedos de Zildo reproduzindo os acordes de Caymmi pra seus amigos Jorge van Antweerp, Miguel Jorissen, Helena e Maria. E eu, nos meus quinze anos, aprendendo a gostar de Caymmi. Tempos depois Caymmi ficou sendo o romântico que escrevia para Marina e dizia que “só louco amou como eu amei”. Assim eu pensei de minha (s) primeira (s) paixão (paixões).

Como Bandeira, Caymmi tinha a sua Pasárgada, com nome interessante, Maracangalha. Quantas explicações já ouvi para esse lugar mítico! A mais recente é de um professor de história da UNEB que estudou a primeira geração de negros libertos. Maracangalha seria um engenho onde sempre se comemorou o fim da escravidão, para onde convergiam os negros no Treze de Maio, até os anos vinte do século passado.

Caymmi, cantor de um povo Valentão “que não precisa dormir pra sonhar” foi para Marancangalha, esperar a sua Nalha, ao lado de Mãe Minininha e Olorum.

quinta-feira, agosto 14, 2008

Em torno do centenário de Dom Hélder Câmara

Em torno do centenário de Dom Hélder Câmara[1]
Severino Vicente da Silva

Em programa que mantenho na Rádio Universitária 820 AM, da Universidade Federal de Pernambuco[2], conversei com Luiz Carlos Luz Marques, doutor em História das Religiões na universidade de Bolonha, a mais antiga universidade nos moldes que conhecemos, tivemos como tema a sua pesquisa em torno das Cartas Conciliares de Dom Hélder Câmara. Essas foram as cartas que Dom Hélder escrevia para seus amigos no Brasil, comentando as ocorrências, como ele via, do Concílio Vaticano II Um dos ouvintes telefonou perguntando qual a importância do já falecido arcebispo de Olinda e Recife. O professor Luiz Carlos simpaticamente chamou atenção ao fato de que a publicação de parte das cartas de Dom Hélder na Itália, provocou um comentário de um dos sobrinhos do Papa João XXIII que dizia mais ou menos assim: somos abençoados e devemos agradecer por termos a visão de Dom Hélder sobre o Concílio Vaticano II, a Igreja não pode jamais deixar que se perca tão grande contribuição para a Igreja e sua história.

Ora, os mais jovens perguntam quem foi esse Dom Hélder Câmara de quem se comemora, no próximo ano o centenário de nascimento, pois a nossa memória é fraca e nesses tempos de rápidas mudanças e de dedicação maior às exterioridades desimportantes, rapidamente se esquece fatos, acontecimentos e pessoas que realmente tiveram importância. Dom Hélder foi cearense de nascimento e, ainda jovem padre foi para o Rio de Janeiro, onde representava os interesses da Igreja Católica no Conselho Nacional de Educação. Nos anos quarenta foi feito assessor da Ação Católica. Idealizou a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB (1952) e a Conferência Latino-Americana dos Bispos - CELAN (1954). Feito bispo auxiliar do Rio de Janeiro, foi dos primeiros a entender que não basta fazer assistencialismo aos pobres, não basta dar comida, é necessário criar condições para os homens e as mulheres descubram e vivam a sua dignidade. Assim, deu início às ações que visaram humanizar as condições de vida dos cariocas que viviam pendurados em “barracões de zinco sem telhados” nos morros do Rio de Janeiro. Essa sua ação positiva lhe valeu a raiva militante de certa elite brasileira que se propõe, ainda hoje, manter o povo brasileiro escravizado na ignorância. Políticos passaram a chamar-lhe de “bispo Vermelho”. Contudo, Dom Hélder, ainda que não fizesse qualquer pronunciamento no Concílio Vaticano II, é visto hoje como o mais influente dos padres conciliares.

Logo nos primeiros dias da ditadura militar que os brasileiros inventaram em 1964, o Papa Paulo VI o enviou para substituir Dom Carlos Coelho como Arcebispo de Olinda e Recife. O professor Luiz Carlos diz que nas primeiras semanas de sua permanência no Recife, Dom Hélder fez o que muitos bispos não fizeram ao longo de anos.

As duas décadas em que Dom Hélder esteve como presidente da Província Eclesiástica de Pernambuco foram períodos de dor e sofrimento. Sob a ditadura Dom Hélder se tornou “a voz dos que não têm voz”, assumiu riscos na defesa dos direitos humanos, denunciou as torturas, passou a ser odiado tanto pelos ditadores, que a imprensa foi proibida de citar seu nome. Ainda que fosse para falar mal dele. Dom Hélder passou a ser um não ser no Brasil, enquanto o mundo o indicava para o prêmio Nobel da Paz. Naquele ano, o governo ditatorial de Garraztazu Médici promoveu ações que impediram um brasileiro ser Nobel da Paz. Dom Hélder devia ser esquecido no Brasil. De certa maneira os ditadores tiveram sucesso. Enquanto nas universidades da Austrália, Japão, Dinamarca existem cátedras para estudar e desenvolver as idéias do antigo Arcebispo de Olinda e Recife, aqui em Pernambuco pouco se sabe dele.

Será de grande auxílio para todos os aspectos da sociedade brasileira nos empenharmos para que os mais jovens saibam um pouco mais sobre esse nordestino que influenciou o processo de criação da Sudene. Tomara que os católicos, nesses tempos em que há igrejas e religiões que atendem com cartões de créditos, voltem-se para discutir as idéias de um bispo que morreu pobre como os pobres a quem queria ver livres da pobreza material e espiritual.
[1] Especial para o jornal a Província, de Goiana, PE e foi publicado na edição de junho 2008, número 182. página 10.
[2] Esse programa pode ser acessado pela internet no endereço www.tvu.ufpe.br , clicando em seguida em “am ao vivo”. O programa acontece todas as quarta-feira à nove horas da manhã.

quarta-feira, agosto 13, 2008

Medalha de Bronze, fibra de aço.

Todos nós estamos assistindo, ou ao menos acompanhando os resultados, os jogos olímpicos, este ano realizado em Pequim, na China. Enquanto algumas nações, duas delas asiáticas, disputam em número de medalhas de ouro, a delegação brasileira tem que estar alegre na conquista de três medalhas de bronze. Nada há de errado nisso e, na verdade, isto está muito correto e coerente com a situação vivida aqui em nosso país. Conquista de medalhas não é uma ação isolada, de um atleta. Uma medalha é resultado de um trabalho coletivo. É assim como nas famílias. As exceções são surpresas, não podemos as aceitar como normais.

É coletivamente que as coisas acontecem.

Todos nós sabemos que as notas conseguidas por uma criança, um jovem, na escola, é resultante de vários fatores. Assim, uma nota boa é resultado da alimentação da criança, mas não só; é resultado do estímulo que recebe da família para que estude, mas não só; é resultado de ter um espaço em casa para estudar, mas não só; é resultado do silêncio que a casa oferece a ele quando for estudar, mas não só; é resultado da tranqüilidade de seu pai no emprego, mas não; é resultado de uma assistência médica decente, mas não só; é resultado do esforço do professor para ensinar, mas não só; é resultado das condições agradáveis da sala de aula, mas não só; é resultado da existência de uma biblioteca na escola, mas não só; é resultado de ele ter boas expectativas de emprego, mas não só. É esse conjunto e muito mais que pode garantir um bom aprendizado e bons resultados. Não é um esforço de última hora que garante o aprendizado. Esforço de última hora garante recuperação, mas não garante aprendizado. O aprendizado de uma ciência, de uma atividade exige tempo e disciplina, esforço, perseverança.

Se houvesse uma disputa para ver quem esvaziava primeiro uma aeronave, os viajantes brasileiros ganhariam medalha do mais reles metal. Na verdade, se gasta mais tempo saindo de um avião no Brasil do que sair dos estádios onde estão sendo realizados os jogos olímpicos. Nós não estamos aprendendo disciplina e, se não há disciplina, não há organização, e também não se cria sentimento de cooperação.

Um país que muda a metodologia das pesquisas para enganar os seus sócios, não pode pensar em ser medalha de ouro, exceto no campeonato das desculpas, das mediocridades, do bacharelismo, das chincanas jurídicas. Pode até ganhar eleições, mas será ganho um envergonhado e de duração tênue.

Que bom que ganhamos a primeira medalha por conta do esforço de uma família pobre, negra, periférica, feminina. Exatamente o oposto de quem, em passes mágicos, torna-se milionário, sócios de multinacionais de telefonia enquanto busca outras cidadanias porque seus pais querem garantir o futuro de seus filhos.

A primeira medalha ganha pelo Brasil pôs à nu a mentira sobre investimentos em educação. Se bem que são tão poucos os que acreditam nessas mentiras ditas e reditas, como lembrou o ministro das relações exteriores, lamentavelmente falando sobre outro tema.

A medalhista Ketleyn Quadro teve que vender seus pertences pessoais para poder estudar, comprar o quimono. Não é a primeira vez que assistimos isso. É verdade que muitos já esqueceram o João do Pulo; o Joaquim Cruz, aquele que corria descalço no solo das cidades satélites de Brasília. E são tantos os que lutam contra as decisões que procuram destruir o gosto do povo por si mesmo!!!

Outro dia o presidente da República recebeu um menino do Coquem bairro do Recife, que disse que jamais havia dormido em uma cama.

Educação, saúde, trabalho, respeito. Esse conjunto dará medalhas no futuro. Mas para isso é necessário que as pessoas que estão no poder se disciplinem e parem de fabricar resultados duvidosos para enganar a população.

sexta-feira, agosto 08, 2008

À Cubana

Os eleitores brasileiros, aqueles que pagamos impostos, estão surpresos pelo fato de que os nossos juízes serem capazes de, com muita sabedoria jurídica, decidirem que todos os que cometeram algum crime, mas ainda não foram condenados na última instância, ou seja, no Supremo Tribunal, ainda que estejam constantemente cometendo crimes, podem ser candidatos a cargos eletivos. Ora, esses descumpridores de leis, ao serem eleitos, passam a ter foros especiais; só poderão ser julgados por seus pares, ou por tribunais especiais com juízes que são defensores do poder que os levou ao poder, das leis que lhes permitem estar acima de todas as leis, pois são eles os supremos.

Os juízes do supremo dizem que não podem legislar, que isso é competência do legislativo, formado, em parte, por políticos “ficha suja” que podem continuar candidatos pois o fato de terem cometido o crime não os impede de serem candidatos e eleitos. Os juízes desejam que os praticantes de crime, criem as leis que os proíbam de se candidatarem, de serem eleitos.

Como os juízes do Supremo não podem criar leis, determinaram que não se usem algemas quando certos criminosos vierem a ser importunados pelas polícias por conta de seus crimes. Elesm os juízes, dizem que isso não é uma lei, é uma norma que todas as polícias devem seguir para não serem importunadas por ações na justiça e que serão julgados por eles os juízes.

Ainda bem que nós sabemos que nenhum juiz iria tomar essa decisão pensando no futuro deles. Nós sabemos que nenhum deles jamais cometeu ou cometará nenhum crime, de nenhuma natureza. Os juízes são julgadores, são seres capazes de esclarecer a nós, pobres coitados, que nos deixamos levar pelas nossas emoções.

Na próxima vez que for a um restaurante procurarei saber se ainda existe um prato que respondia pelo nome de “supremo de frango à cubana”. Vinha com banana e abacaxi à milanesa.

terça-feira, agosto 05, 2008

Dia Estadual do Maracatu


O primeiro de agosto deste ano de 2008 conheceu, em Olinda, uma nova festividade. Desde as dezessete horas daquele dia começou a se formar uma pequena multidão na Praça Frei Casimiro que fica bem em frente ao Palácio dos Governadores, um prédio que André Vidal de Negreiros preferiu para residir, quando foi governador de Pernambuco no século XVII. É certo que ele estava, por conta de seu amor a Olinda, indo contra a tendência histórica que se encaminhava para por o Recife como capital., pois já era o centro econômico da capitania. Mas a multidão estava se formando para celebrar uma data, O Dia Estadual do Maracatu.

Entretanto o Primeiro de Agosto como referência ao maracatu já fora estabelecido no ano de 1998. Por um lapso qualquer, jamais a data havia sido comemorada. Sabemos que a memória é carregada de lembranças e que lembranças provocam, também, esquecimento de outras efemérides. As cronologias estão repletas de esquecimentos, e também os atos que fazemos. Ao tempo que explicitam alguns desejos também escondem, ou negam, outros. Devemos pensar porque certas datas são criadas e esquecidas.

Como dizia o poeta “todo dia é dia de índio” e, contudo, temos uma data para nos lembrar que somos índios; mas a utilizamos para dizer que índios são os outros. Talvez as datas sejam criadas para satisfazer algum grupo, alguma pessoa; talvez criem as datas para que as pessoas esqueçam-se delas. Contudo, dez anos após a criação do Dia do Maracatu, uma pequena multidão postou-se na frente do Palácio dos Governadores para reverenciar uma tradição, ao tempo em que foi sendo lembrada do centésimo décimo ano do nascimento de Luiz de França que, na Bomba do Hemetério, manteve vivo o Maracatu Leão Coroado, o mais antigo maracatu de Baque Virado do Recife.

O Maracatu de Baque Virado, que surgiu em dois grandes centros urbanos – Igarassu e Recife - é resultado de festividades religiosas, interferência policial e manifestação leiga e política de uma comunidade. Do ponto religioso, o Maracatu remete às Irmandades Religiosas que existiam na cidade do Recife que congregavam homens e mulheres negras, fossem escravos ou livres. A maior dessas irmandades foi a de Nossa Senhora dos Homens Pretos. Na festa da Senhora do Rosário ocorria a coroação do Rei do Congo, uma tradição que já ocorria em Portugal e foi trazida para o Brasil. Um rei negro era coroado e, ao tempo em que os detentores do poder na sociedade escravocrata reconheciam alguma dignidade nos homens e mulheres negras, admitindo que, entre eles, havia uma hierarquia, um poder que os poderosos não conseguiam tangenciar, mas utilizaram essa hierarquia para a manutenção da ordem social.

Coroado, o rei saía em desfile desde a Igreja do Rosário dos Homens Pretos e tomava as principais ruas da cidade. Mas, semelhantemente às cronologias, os atos processionais carregam em seu interior experiências que não são percebidas pelos assistentes. Só os amantes sabem o significado do amor. Os demais apenas intuem como os ex-amantes o fazem ao verem os amores dos outros.






Rosário dos Pretos de Igarassu
Enquanto se manteve a união perfeita entre o Estado e a Igreja n Império Brasileiro esses cotejos reais eram vistos como salutares. Contudo, mudanças provocaram a dissolução das relações sociais e, ainda no século XIX, as Irmandades perderam espaços para novas instituições, da mesma forma que a sociedade, ao superar as relações de trabalho escravocrata também dispensou a atuação do Rei do Congo. Entretanto, comunidades negras mantiveram o cotejo, a procissão do Rei do Congo, e esse cotejo foi se tornando maracatu.

Os maracatus foram importantíssimos para a organização das populações negras após a abolição da escravatura, pois ele se tornou a referência que era possível aos negros que ficaram livres de seus donos, de suas canseiras, de suas obrigações doloridas. Como disse o sociólogo alemão, ficaram tão livres que seus corpos eram tudo que tinham para vender na nova sociedade.

Nos lugares em que se preparavam para o desfile no carnaval do Recife, um carnaval que nascia no final do século XIX; durante o ano, as tradições eram reorganizadas, e as nações foram sendo criadas. O desfile do Maracatu era leigo, mas estava vinculado ao sagrado de uma nação. Como Dona Santa, Badia e Eudes, Luiz de França representava essa tradição da nação pernambucana.





Rei menino




Sem negro não há açúcar, sem açúcar não há Pernambuco. Sem negro não há Pernambuco e, por isso, mesmo sem saber é que a Assembléia Legislativa criou o Dia do Maracatu, homenageando, na pessoa de Luiz de França, todos os Reis de Congo que mantiveram os povos negros unidos em suas nações enquanto construíam Pernambuco e inventavam o Maracatu de Baque Virado.

Pensando bem, é capaz de nós desconfiarmos porque é que depois de criar a data esqueceram, durante dez anos, de promover a festa. Mas este ano nós começamos mais uma tradição na nossa nação que junta todas as nações. Um bom início para o Mês da Cultura.