domingo, junho 08, 2008

Regras limitam vocações autoritárias

Vivemos nesse mundo sempre ligados a regras. Em um outro mundo, em uma outra vida não sabemos quais regras lá existem. É certo que as religiões que procuram organizar a vida nesta existência têm indicado regras que procuram garantir uma boa vida na outra vida. Ou seja, as sociedades sempre estabeleceram regras de convivência, regras para garantir a sua existência e a convivência dos seus membros. Houve um tempo em que os que estavam no poder faziam, eles próprios, as leis. Às vezes diziam que eram deuses, outras vezes diziam que o faziam em nome de alguma divindade. Mas era comum que esses que estavam no poder utilizassem os gumes das espadas, para garantir que a vontade das divindades fosse obedecida. Quase sempre as divindades concordavam com a vontade dos governantes. Assim é em alguns lugares ainda hoje. Tem gente que conversa diretamente com alguma divindade e ela o orienta no que fazer. Tem gente que acredita e “faz tudo que o Senhor Rei mandar”. Os escravos que cuidavam das caldeiras dos engenhos sabiam muito bem porque as crianças brincavam de “boca de forno”. Também era assim, diz o livro das Crônicas, no tempo de Nabucodonosor que mandou três jovens para a fornalha. Aqueles jovens tiveram mais sorte que Lourenço no Império Romano, bem como os hereges e bruxas nos impérios dos cristãos do medievo e da Idade Moderna. Conta-se que os anjos não permitiram as chamas tocarem em Misael e seus colegas. Mas eles foram levados à fornalha por não desejarem cumprir as ordens emanadas da vontade do rei.

Uma das características de nossa incompleta democracia é que, entre uma fogueira e outra, os grupos sociais foram quebrando as razões dos poderes absolutos dos governantes que utilizavam o nome das divindades para impor suas vontades. Desde o século XVII que as sociedades ocidentais passaram a estabelecer limites à volúpia dos poderosos. Foram sendo estabelecidas constituições, parlamentos, leis escritas que garantissem o mínimo de segurança contra a vaidade e egocentrismos dos que estão no poder, agora não mais pela vontade das divindades, mas pela vontade expressa da população daquele país. Sempre é possível melhorar essa maneira de convivência, mas também sempre é possível piorá-la.

Começa a ser discutida, no Brasil, uma maneira de se aplicar a quem pretende governar um município, estado ou o país, o mesmo que se exige de um cidadão comum para que ele assuma um cargo público: mesmo que ele tenha sido aprovado em concurso público, ele precisa não ter processos contra ele. Se assim fosse feito, alguns estados teriam outros governadores e os parlamentos estariam com outra conformação, uma vez que cerca de trinta por cento de deputados estão encrencados na justiça e não podem ser julgados por serem deputados. Serão julgados quando morrerem e não puderem ser eleitos.Até lá, alguns criminosos continuarão a criar as leis que controlam gente honesta,

Uma das prática mais nojentas da nossa política era que os que estavam em cargos executivos utilizavam aquela posição para beneficiar algumas setores em troca de votos. Para evitar isso, foi estabelecido que, em período eleitoral, as verbas não podem ser liberadas. Não resolve todo o problema, mas inibe a prática se algum desonesto estiver no poder. Pos bem, tem gente que acha que está acima da lei e das tentações que sofrem os seres comuns. Assim pensavam os reis absolutistas e os ditadores fascistas. Outros poderiam errar, ceder às tentações, não eles.Sabemos que cada um de nós tem uma tendência de nos acharmos perfeitos, impossibilitados de errar. Uma das coisas boas da democracia é que a lei é feita para ser cumprida por todos, inclusive eu, você.

Entretanto, hoje no país, tem alguém que acha que as leis estão erradas e ele está certo, completamente certo e sem possibilidade de errar. Ele acredita nisso, o que é até compreensível; preocupante é que tem gente que acha isso mesmo. Bem, esse candidato a excelso filho do Excelso, disse a seguinte frase esta semana: A eleição nesse país, ao invés de consagrar a democracia, faz quem governa ficar sem governar porque o falso moralismo parte do pressuposto de que assinar contrato com um prefeito é beneficiar o prefeito. É o lado podre da hipocrisia brasileira. (Prsidente Luiz Inácio da Silva, 4/6/2008)

Talvez a nova encarnação do divino tenha razão, mas podemos perguntar: sabendo da existência da lei por que os contratos não podem ser assinados antes do período que a lei proíbe; também devemos lembrar que não se governa apenas em período eleitoral, mas todo o período de governo. Mas, o que mais me intrigou nesta revelação da verdade é a definição de “o lado podre da hipocrisia brasileira”. Essa frase revela que há um lado podre e um lado bom da hipocrisia. Imagino quando será nos dada a revelação de qual é o lado bom da hipocrisia brasileira. Deve ser a praticada pelos santos que foram proclamados inocentes por todas as Comissões Parlamentares ( ou Para Lamentares) de Inquéritos.

Tomara que o retorno do ensino da filosofia no ensino Fundamental e Médio auxilie a nossa sociedade a voltar a pensar. Todos estamos esperando que os filósofos comentem esse ensinamento do presidente. Filósofos pensam sem permissão. Correm os riscos das labaredas, mas é o preço de ser.
Como diz Millor: livre pensar é só pensar.

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