quinta-feira, abril 03, 2008

Severino do Ribeirão - o santo do novo Alvorada

Na Zona da Mata Norte a população escolheu um santo para a sua proteção, além daqueles que os missionários sempre trouxeram para socorrer as necessidades dos pobres e desvalidos. Assim é que além da devoção a Santa Ana, uma senhora que está presente nas casas dos senhores de engenhos, tem a Senhora dos Aflitos, a da Boa Morte, a do Bom Parto, a da Misericórdia, a das Dores, sem contar com a grande devoção às Chagas do Senhor, ao Senhor Morto e tantas outras devoções que remetem para o dia a dia dos que laboram duramente pelo pão de cada dia, esperando a vitória celestial.

Após o período de dominação das famílias portuguesas, com a proclamação da República, começaram a chegar nessas terras devoções mais afrancesadas, como a Senhora do Loreto, a de Lourdes, as Notre Dame, as Marilac, e mesmo devoções de origem italiana, como a Frassinete, dom Bosco, Domingos Sávio, entre outros. Mas o povo da Zona da Mata Norte, entre tantas devoções oferecidas, escolheu um soldado que viveu no século IV, e tem o nome de Severino. Na verdade são muitos os santos com esse nome. A maioria era soldado. Não era capitão, mas soldado, esse ofício comum que é reservado aos comuns, àqueles que nada são além deles mesmo, que nada têm além de seus corpos. Parecem esses “soldados” da cana, como já existiram os “soldados da borracha” e do algodão. Pois bem, soldados e plantadores de cana são quase sinônimos. Verdade que há um Severino que ficou famoso por ter catolicizado a Áustria, mas esse não é muito conhecido por essas bandas ricas em plantação de açúcar. Esses santos com nome de Severino – são onze – não possuem dias específicos. Por conta disso, quando no início do século XX chegou no engenho dos Ra,os a imagem de um santo que fora soldado durante o império romano e que se recusara a obedecer em tudo o imperador, os cortadores de cana o acolheram como seu protetor, ele que fora colocado em um altar lateral na capela de engenho dedicada a Nossa Senhora da Luz. Assim o santo Severino passou a ser do Ramo, padroeiro dos cortadores de cana de Pernambuco, Alagoas, Paraíba. E o seu dia ficou sendo o Domingo de Ramos, quando se celebra a entrada de Jesus em Jerusalém, senado em um jumento ou burro. Esse animal também foi muito importante na vida dos cortadores de cana. Hoje, com esse processo de migração, São Severino do Ramo rompeu as fronteiras do Nordeste.

Pois, neste início do século XXI, a tradição de trazer novas devoções vem se mantendo. Novos sacerdotes de novas religiões são comuns nessa época pós-moderna, nesse período em que, “nunca como antes” as religiões se parecem com esses restaurantes de auto serviço, como se diz em Portugal, ou self-se4rvice, como se diz em terras de cultura inglesa. As novas religiões, como as mais antigas escolhem seus heróis de acordo com as virtudes que se espera serem seguidas pelos fiéis. Por isso que, em um esforço de atualizar a sua igreja aos tempos pós-modernos, Bento XVI apresentou uma nova relação de pecados, entre eles o desejo incontido de querer ficar cada vez mais ricos.

Durante a ditadura militar, houve um Severino que foi vassalo fiel dos generais de plantão: acusou o padre Vito Miracapilo e solicitou a sua expulsão do país, porque aquele padre se recusou a lançar incenso na pirra dos ditadores que se julgavam deuses; em decorrência desse fato, o mesmo Severino, contrário daquele que morreu para não servir aos deuses da riqueza, provocou a prisão do Padre Reginaldo Veloso, pois este fez uma música em homenagem a Miracapilo – VITO, VITÓRIA. Ações como essas levaram o Severino de Ribeirão, na Mata Sul à Câmara dos Deputados, onde sempre cuidou de aumentar os salários dos deputas, ou seja, o seu salário. Chegou mesmo a alcançar a situação de ficar como a terceira opção na sucessão presidencial. Assim ele chegou a ser chamado de “rei do baixo clero”, o que significa dizer que ele era o chefe dos deputados mais abaixo da mediocridade. Um dia ele foi pego recebendo propina do dono do restaurante da Câmara, o que revoltou deputados acima da mediocridade, como Fernando Gabeira e, contra a vontade de seu principal devoto, ele se viu obrigado a renunciar para não perder os seus direitos políticos cassados. Tentou voltar mas os eleitores de Pernambuco não o elegeram.

Entretanto, os devotos de um santo nunca desistem, especialmente se eles são parte do sacerdócio. O principal devoto de Severino “miracapilo” Cavalcante, em um momento especial, quando encontrou o objeto de sua admiração, aclamou Severino como exemplo a ser seguido por todos os crentes dessa religião que entende que o poder vale tudo. Luiz Inácio da Silva, não se conteve diante do seu ídolo e pediu desculpas, acusou os algozes de Severino Cavalcante, o padroeiros dos ricos da Mata Sul, Norte, Leste e Oeste.

O gesto do presidente da República do Brasil parece dizer aos brasileiros: sejam como Severino, que foi subserviente aos desmandos da ditadura militar, que perseguiu os justos, que fez acordos para garantir vantagens para si, que enlameou a Câmara dos Deputados, sejam como Severino Cavalcante, a nova devoção dessa nova Alvorada.

houve um beato que disse que disse: "o sertão vai virar mar, o mar vai virar sertão". Pode ser que a Alvorada vire escuridão

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