quinta-feira, março 20, 2008

UMA RUA INDUSTRIAL

O texto que segue foi publicado no jornal A PROVÍNCIA da cidade de Goiana,em Pernambuco.


Talvez seja o tempo apropriado para aprofundar as repercussões do carnaval que se realizou tomando como eixo a Avenida Nunes Machado. Isso está sendo realizado nas conversas que os goianenses estão mantendo entre si. As cidades são construídas no diálogo dos seus cidadãos, nas relações que eles mantêm enquanto trabalham e tornam materiais os seus sonhos. E por isso cada época constrói sua própria história, e uma cidade é formada por todas essas histórias que ela viveu.

Percorrendo a Avenida Nunes Machado nossos olhos encontram uma parte de Goiana que foi construída no final do século XIX parte do século XX. Toda essa artéria urbana é uma lembrança do momento em que Goiana viveu um surto industrial. Ali funcionava a Companhia Industrial Fiação e Tecidos de Goyana, com paredes e máquinas inauguradas em 1894. Aquela rua e suas transversais atestam a modernização das relações de trabalho e a presença objetiva da chamada Revolução Industrial às margens do rio, gerando novas moradias e novos hábitos. Vê-se que há casas de diversos tamanhos, denotando as diferenças sociais e funcionais de seus moradores. Talvez alguns moradores daquelas não tenham se apercebido que eles estão continuando uma parte da história goianense: o momento de modernização, do estabelecimento de maquinarias modernas, não apenas nas usinas que substituíam os engenhos, mas maquinário que transformava o algodão em fio e tecidos para atender necessidades novas e maiores em Pernambuco e no Brasil. A Companhia Industrial Fiação e Tecidos de Goyana colocou a cidade como partícipe de um momento especial da economia pernambucana, dividindo com outras cidades a responsabilidade de, ao lado da cana de açúcar, apontar para uma outra possibilidade de riqueza para a região.

Da mesma forma que as igrejas e conventos são testemunhas de um passado mais antigo, a Avenida Nunes Machado é um testemunho da capacidade de seus habitantes em adaptar-se aos tempos industriais. É tempo de parar de pensar que só pode ser considerado históricos os tempos coloniais.

Bem que poderia haver um projeto para estudar aquela vizinhança da fábrica, verificar que prédios guardam as características daquele período, tombar alguns deles, para que fiquem como testemunha de uma época; assim estaríamos criando condições para se entender que Goiana tem história para além séculos XVI a XVIII. Essa visão romântica e ultrapassada de achar que a história de Goiana foi feita apenas nos engenhos e usinas de açúcar é uma negação aos tempos de homens empreendedores e modenizadores como Manuel Aurélio Tavares Gouveia, Joaquim Pereira Marques, José Ignácio da Cunha Rabelo, Manuel Antonio Pereira Borba. Agora que entramos no século XXI preocupados com a manutenção dos edifícios que guardam a memória dos tempos coloniais e imperiais, devemos nos preocupar em tornar viva a história dos goianenses que apontaram para a possibilidade de nossa Goiana ser uma cidade industrial. Foi o que aconteceu no alvorecer da República. As edificações da Avenida Nunes Machado são testemunhas do espírito inovador, progressista e industrioso de parte da nossa sociedade.

A história de Goiana é mais ampla do que indicam os prédios sagrados dos tempos coloniais. São históricos, também os prédios que foram construídos no século XIX, como as ruínas da edificação que acolheu o imperador Pedro II, os espaços dos escritórios da Companhia de Fiação e Tecidos, e mesmo a Vila Operária. Aliás, a Vila Operária é um sinal de que os criadores da Companhia Industrial de Fiação e Tecidos estavam pondo em prática as orientações contidas na carta encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, como também o faziam outros industriais católicos em Pernambuco. Na passagem do século XIX para o XX ocorreu um esforço de modernização industrial no Estado, utilizando principalmente o capital próprio, mas talvez se beneficiando da política do Encilhamento. Essas são questões que os professores de História, docentes de escolas secundárias e superiores de Goiana poderiam pesquisar com os seus alunos, de sorte a re-invertar a história de cidade e do município.

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