domingo, março 09, 2008

Sem se curvar aos "mitos"

As vezes é como se os temas e as palavras se afastassem da gente.Bem que queríamos escrever, pôr algo no papel, talvez alguma reflexão sobre o cotidiano. Mas tudo se parece muito grande e espesso para nossa aproximação. Contudo, a vida continua a nos dizer: é preciso pôr algo para fora, dizer em voz alta o medo que a realidade nos faz, como forma de preservarmo-nos dos fantasmas dela, um enigma a ser vencido, uma esfinge a ser derrotada. Leio e contemplo o passar dos anos, das pessoas e da percepção de seus e dos meus ideais.

Recebo uma correspondência que diz ter ocorrido a superação de um mito, a retirada da cena política de Fidel Castro. A saída da cena política sempre ocorre e é uma demanda histórica: quando o agente não percebe, é uma imposição biológica.

Fico sem saber se Fidel Castro é um mito. Na imprensa e na pressa, todos somos interessados a definir tudo rapidamente para termos a sensação de que o mundo é organizado e nessa organização nos sentirmos seguros. Em minha pequena vida vi nascerem e ocorrerem os mais diversos "mitos", que já não o são de um ou outro povo, mas tem sido mais comum o serem de uma ou outra geração. Assim já li sobre o “mito” de Fidel, de Miguel Arraes, o de Francisco Julião, o da juventude, o dos Beatles, o de Lennon e o da liberdade ser uma calça jeans azul desbotada. Essas idéias e as pessoas que as representam estão intimamente ligadas à um período de saturação de uma época e a busca de uma outra que se queria fazer mas que se não fez, o que levou Lennon a informar a todos que desejassem ouvir e acreditar que o sonho havia acabado.

Talvez precisemos saber ainda qual o sonho que parecia ter se acabado para Lennon. Pode ter sido o sonho de se criar uma sociedade global de liberdade e sem acumulação, como todos nós fomos convidados a imaginar. Muitos continuaram a imaginar, enquanto Lennon e seus companheiros – que pareciam ser os quatro cavaleiros do apocalipse do sistema de poder – continuavam a acumular bens e viram-se na condição de continuar a fazê-lo. É quase impossível querer continuar sonhando um mundo de partilha enquanto acumula riquezas para si. Não é difícil imaginar porque o sonho de Lennon não poderia deixar de ser sonho. Como não se quis ir mais além de sonhar, é melhor dizer que o sonho acabara e não que se desistira de sonhar.

Pode ser que o Imagine de Lennon estivesse ligado ao sonho que pretendia se concretizar na descida da Sierra Maestra. Afinal, a vida dos meninos dos bairros empobrecidos de Liverpol poderia ter alguma relação com os sonhos dos meninos e meninas pobres da América Latina que pareciam estar condenados à pobreza, à miséria, à impossibilidade de sonhar. Os jovens cubanos desde o início dos anos cinqüenta chamaram atenção do mundo que parecia não entender que o excesso de prazer material em certos lugares do mundo era a causa da pobreza material e espiritual na maior parte do mundo. Até o papa Pio XII pediu que Fulgêncio Batista não matasse o jovem sonhador Fidel Castro. Havia possibilidade de sonhar ainda. Essa possibilidade parecia ter acontecido em 1957, quando os jovens cubanos liderados por Fidel tomaram o poder na Ilha do Caribe. Em 1959, o substituto de Pio XII, o papa João XXIII, resolveu enviar padres para a América Latina com o objetivo de impedir a expansão do sonho cubano. No mesmo período, o jovem presidente dos Estados Unidos da América,John Kennedy, enviou jovens americanos do Corpo de Paz com o objetivo de impedir a expansão do sonho dos jovens cubanos. Em 1962 a ilha foi impedida de se comunicar com o mundo. Asfixia econômica. Os Beatles já não sonhavam apenas em cantar em alguma festa em Liverpoll, mas já cantavam suas insatisfações aos jovens dos Estados Unidos da América.

Algum tempo antes, o filho de proprietário rural Francisco Julião, assim como Fidel, foi apoiar os despossuídos que viviam no Engenho Galiléia, em Vitória de Santo Antão, PE. Aqueles camponeses sonhavam em ser enterrados em um caixão. Mas para se realizar o sonho de um enterro decente necessita-se de uma vida decente; ser enterrado como gente só é possível se o restante da sociedade aceitasse que aqueles que sonhavam com caixões eram gente. Assim não pensavam aqueles que possuíam terras e plantavam cana de açúcar e tinham, desde seus antepassados, a tradição de tratar gente como gado. Proprietários de terra e cana, como os do Engenho Galiléia, se uniram aos poderosos que estavam, desde 1962 tentando destruir o sonho dos jovens cubanos, e produziram veio o golpe militar de 1964 e, entre outras, se promoveu o exílio de Julião, de Miguel Arraes et alli.

Tempos depois, Julião voltou dizendo ser possível uma aliança com os donos das usinas, das canas, dos bichos. Confrontou-se com Arraes que ainda sonhava, apesar do aviso de Lennon,Mas Arraes tinha dificuldade de abrir espaços suficientes para os mais jovens, para os novos sonhadores.

Tenho dificuldade em admitir que “o sonho acabou” por ter Lennon parado de sonhar, por Julião ter confundido quimera por sonho, por alguns mais velhos se recusarem a permitir novos sonhos, porque tem gente qua inda pensa liberdade como calça jeans, ou porque a ilha de Fidel não tenha podido ter o sonho completado. Entendo que este último aconteceu, em parte, porque os Kennedys e seus sucessores asfixiaram a ilha economicamente e os papas – de todos os tipos de cristianismo - tentaram asfixiá-lo espiritualmente.

Não é uma questão de mito. É uma questão de opção de civilização que se queira construir.

Atualmente, estão querendo constituir o Lula como Mito. Outra bobagem enganadora. O líder do seu governo é o aliado de Francisco Julião na luta contra Miguel Arraes. Ele é o dono das terras que, uma vez foram “dadas” a Gangazumba por ele ter abandonado o sonho.

Abandonar um sonho até que se pode, mas não dizer que O SONHO tenha morrido.

Penso que não se deva confundir o sonho da humanidade com os limites de uma pessoa.

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