terça-feira, dezembro 30, 2008

MONUMENTO AOS MIGRANTES - Parque Dona Lindu

Assim, neste final de ano, sem maiores cerimônias, pois isso já é um hábito dos nossos políticos, sempre serelepes em deixar seus nomes em obras construídas, com o dinheiro do povo, este quase nunca mencionado, o prefeito que deixa o cargo amanhã, inaugura uma pequena parte de uma obra monumental, dedicada à genitora do atual presidente da República. Esta foi uma obra polêmica. Parte da população que desejava ver o bairro da Boa Viagem com mais espaço verde, viu levantar-se um obra de concreto, pensada pelo arquiteto Oscar Niemayer. Saiu caro, pois o arquiteto fez gratuitamente projetos para algumas capitais de estados vizinhos. Mas o terreno, que era da aeronáutica, foi doado pelo governo federal com o objetivo explícito de homenagear a mãe do Presidente Lula. Tinha que ser construído e, hoje, ao menos uma parte dele, está sendo inaugurado pelos filhos da homenageada. Sabemos que isso não tem nada a ver com interesse de agradar a quem está no poder.

Uma das razões para a realização desse monumento é que ele é uma homenagem aos migrantes. Recife é uma cidade de mascates e de migrantes. Boa parte da atual população do Recife é filha de migrantes que, escorraçados pelas secas do século XX, desceram principalmente desde o Agreste Setentrional e Zona da Mata Norte, para formar a capital do Estado. A maior parte desses migrantes forma a população da periferia da Cidade. Onde não há grandes parques!!!

Os migrantes das periferias e das cidades da região metropolitana constroem, no dia a dia, transportando-se em péssimo sistema de transporte coletivo, a vida e a riqueza da cidade do Recife, recebendo salários aviltantes, como ocorreu com o pai do atual prefeito.

Ontem foi inaugurado, em ao frente do Aeroporto dos Guararapes, hoje dito Gilberto Freyre, um monumento a outro migrante, este vindo de Ceará e com grande participação na história da cidade e do estado de Pernambuco, Miguel Arraes de Alencar. Em que pese ter tomado o lugar de um outro monumento, uma alegoria ao frevo, do escultor Abelardo da Hora, esta é uma justa homenagem a um dos construtores do Recife e Pernambuco modernos. Em tempo, a alegoria ao frevo foi, ou vai, para a Rua da Aurora.

O Recife tem vários monumentos a migrantes que saíram de Pernambuco para construir o Brasil em outras plagas, como é o caso do poeta Manuel Bandeira, perto do lugar de sua infância. Esses monumentos a migrantes que saem de Pernambuco devem ser visto como uma condenação ao sistema (ou aos responsáveis pelo sistema) que expulsa seus filhos que não têm terra para seus filhos plantarem, escolas onde seus filhos possam ser matriculados e receberem os ensinamentos necessários para serem empregados em fábricas. Mas o sistema não permitiu a criação de fábricas, não promoveu a Reforma Agrária e, por isso, entre outras razões, não teve emprego para a família do atual presidente, obrigando Dona Lindu a deixar o Agreste Meridional, não em direção do Recife, pois aqui nem estava o seu marido. Também, como negar?, os políticos responsáveis por Pernambuco jamais pensaram em criarem meios e condições capazes de estancar a migração de braços e cérebros pernambucanos especialmente para São Paulo. Conheço muitos que cansaram de procurar empregos no Recife e foram para o Sudeste e o Sul. Lá estão muitos que, como meus pais vieram da Mata Norte, e levantaram casas em Nova Descoberta, pagando foros a falsos proprietários. Muito desses migrantes não conseguiram reter seus filhos, pois não havia ocupação para eles. Foi assim que no final dos anos setenta, a família de “seu Mane da frente” foi toda para a periferia de São Paulo. Eu o encontrei em 1987, numa tarde de domingo no Parque São Pedro e fomos para a sua casa próximo ao Tieté.

O monumento ao migrante ficaria melhor em lugares freqüentados pelos descendentes dos migrantes que fizeram e fazem a cidade do Recife.

Embora Dona Lindu jamais tenha posto os pés nesta cidade, como a maior parte dos seus filhos, ela e eles sabem que esta cidade nem sempre reúne condições para atender as suas crianças, forçando-as a seguir o caminho seguido por ela, quando não ficam vivendo em favelas e sobrevivendo com a miséria e o bolsa família, ela e os migrants pobres que foram expulsos de Pernambuco merecem a homenagem e o mea culpa da elite que ganhou o munumento em umdos seus bairros.

Penso que esse monumento terá mais sentido se for pensado dessa maneira. Assim, quem sabe, quando for inaugurado “pra valer”, a gente possa ter como primeira peça teatral ali montada, o auto escrito pelo migrante João Cabral de Melo. Ele migrou do Recife para o Sudeste e escreveu Morte e Vida Severina para refletir a vida de quem desceu desde o Agreste Setentrional, com muitos outros que desceram os caminhos do Rio Capibaribe, para fazer nascer o Recife dos dias atuais.

domingo, dezembro 28, 2008

Reveillon: Uma festa mestiça

Recebo uma ligação telefônica e, de súbito sou levado ao século XVI, à corte francesa. A pergunta é sobre a diferença entre os alimentos que são servidos nos sertões daquela alimentação servida nas mesas litorâneas na noite do ano novo. E foi esta questão me levou à corte francesa, ainda renascentista, em luta para não sucumbir à tristeza das Reformas e Contra-Reformas que religião cristã estava a realizar e sofrer no período. Interessante é que foi nesse período que a gastronomia francesa começa a se impor como modelo. Mas e os sertões do Brasil, o que poderiam ter em comum com essas brincadeiras dos Valois e dos Bourbons? Os sertões estão tão distantes dos que vivem à beira do mar que, não poucas vezes, achamos seus habitantes e seus hábitos mais estranhos que os franceses.

Ora, no século XVII, quando a corte francesa começou celebrar uma festa que chamaram de reveillon, nos sertões de Rodelas, que envolvia parte de territórios da Bahia e Pernambuco, o alimento mais comum era a carne de veado, hoje, é mais comum a carne de bode, carneiro ou boi, uma vez que os veados, animais que carecem de selva para a sua vida, foram sendo extintos na região, assim como o foram as tribos de índios, primeiros habitantes, cujo nome virou toponomia. Mas o que isso tem a ver com a questão que me veio pelo telefone?

A festa de reveillon não está no calendário religioso dos europeus. O ano novo dos europeus, o ano religioso tem início na festa da natividade, ou natal, como a conhecemos com mais facilidade. Mas a festa de Natal, ou do nascimento de Jesus veio sendo, desde o século XIII, animada pelo presépio que, segundo a tradição, foi iniciado por Francisco, o santo da cidade de Assis. A simulação da cena do nascimento do filho de Maria, com a montagem de um cenário em que aparecem animais, pessoas, foi uma inovação na catequese cristã em uma época em que as pessoas não tinham acesso a textos escritos, especialmente por não saberem ler. A catequese cênica era acompanhada dos sermões explicativos ou rememorativos da cena do nascimento. Também havia a dança Pastoril, com pastoras cantando o nascimento do Menino Deus. Mas, o sentimento de reforma do monge Lutero, no radicalismo próprio dos momentos iniciais de qualquer reforma, retomou a idéia de que todas as imagens são ídolos e um cristão não pode aceitar nada além da palavra como caminho, como pedagogia, como meio para se chegar á compreensão do Mistério. Em reação ao impulso dos reformadores, que também se apresentaram como iconoclastas, os católicos e não católicos passaram a suspeitar das manifestações tradicionais e, as festas religiosas da transição de um ano litúrgico para outro foi perdendo a alegria. O estabelecimento, indicado pelo Concílio de Trento, mas tornado oficial pelo Papa Gregório XIII, em 1582, não foi imediatamente aceito nas regiões que assumiram o protestantismo. A festa de um início de ano não religioso, primeiro de janeiro, embora estabelecida no Império Romano, o nome francês denuncia a sua moderna origem. As festas realizadas pela corte do Valois e Bourbons, com fogos de artifícios e outras especiarias, além das frutas locais, terminaram por serem aceitas em outras cortes. O enriquecimento burguês da Revolução Industrial veio a tornar essa festa um momento cada vez mais popular, saindo de Paris e tomando Nova Iorque, a cidade símbolo dos novos tempos. Embora Paris continuasse sendo uma festa, a cultura americana impôs um novo formato ao reveillon através do cinema. Após a segunda grande guerra do século XX, as destas do Primeiro de Janeiro, o “acordar” do ano veio sendo cada vez mais celebrado e, como não podia deixar de ser, foi agregando as mais diversas tradições.

Embora seja um festa civil, o reveillon agregou crendices das religiões populares, dos cultos da fertilidade que foram massacrados pelos reformadores dos séculos XVI a XVIII. Assim vieram as crenças de usar tal cor atrairá sorte, que roupa de tal cor trará riqueza, que comer uvas (eram especiarias para muita gente no Brasil), castanhas do Pará (eram exportadas para as cortes européias e consumidas nesta festa), avelãs (especiaria no Brasil) e, evidentemente o vinho branco e borbulhante da região de champagne. No Brasil, além da influência européia, o reveillon acolheu as homenagens aos Orixás, especialmente a Iemanjá. As feéricas luzes que iluminam as noites das cidades, litorâneas ou não, unem as fadas européias aos orixás brasileiros.

Nessa época de espetáculo permanente, as televisões mostram os mais diferentes, e iguais, modos de celebrar o início de um novo ano. Esta é uma festa cívica em que se encontram as mais diversas religiões e alimentos do mundo. É uma festa mestiça, como o mundo está sendo chamado a se assumir.

terça-feira, dezembro 23, 2008

Um natal de uma quase potência

Dezembro chegando ao seu término, completando-se o tempo da espera do Natal de Jesus, hoje, como a muito tempo, simbolizando milhares de crianças que nascem sem casa, apenas com o carinho de uma mulher, o silêncio de um homem e a imensa incógnita do seu futuro. As lojas continuam cheias e os reportes de economia saltitam de alegria, pois a crise não nos chega. Sim, nos assegura o presidente, essa crise não nos incomodará, especialmente se todos continuarem a passear nos campos e templos do consumo.

Pequenos problemas surgem, mas eles são decorrentes da ação da natureza, há quem diga. A natureza física, com precipitações pluviais que, em contato com o resultado das ações daqueles que possuem a natureza humana nas encostas de morros, produzem alagamentos, derrubadas de casas. Nas semanas de dezembro, no final da primavera, os estados de Santa Catarina, Rio de Janeiro, Minas Gerais, receberam muitas chuvas, e as águas puderam desnudar os efeitos da busca ensandecida por lucros, pela riqueza a qualer custo. As encostas dos morros desmatados para construção de casas em Santa Catarina, para a retirada de minérios em Minas Gerais, mostraram como está sendo construído o status de potência a que chegamos. Ser uma potência, não estar na rota da crise, não quebrar financeiramente, pois os nossos bancos estão bem, diferentemente dos bancos dos Estados Unidos da América do Norte, é o que importa. Por isso, na mensagem de Natal do presidente da nossa nação na houve uma palavra de consolo para os brasileiros que, nesta primavera, viram seus pertences serem destruídos pelas águas, como o sistema de busca de lucro incessante já destruiu as encostas dos morros, já assoreou os leitos dos rios.

Quando eu era menino, uma brincadeira dos mais velhos nos mostrava os limites da beleza, ironizava com quem se gaba. “Tirando a cara e o bucho, fica um rapazinho de luxo”. Assim estamos nós nesse natal. Se não notarmos os defeitos e malfeitos do sistema, se não nos preocuparmos com jovens sem esperança de empregos e de futuro, se não nos preocuparmos com o fato de haver mais mortes violentas no Brasil que em países em guerra, se não percebermos que o aumento de bolsas de ajuda às famílias carentes é decorrente de políticas que as inserem na sociedade apenas como recebedoras e não produtoras, se continuarmos a achar normal que bandidos pobres sejam presos e bandidos ricos sejam protegidos por leis criadas para beneficiar quem pode pagar um advogado, se não levarmos em conta que escritórios de juízes nos palácios das diversas justiças poderiam receber três ou quatro salas de aulas, se não considerarmos nada disso, estamos todos muito bem. Estamos bem porque melhoraram os nossos indicadores financeiros, nosso mercado interno está mais forte, nossa economia está indo cada vez melhor.

Como dizia Garraztazu Médici, “a economia vai bem, mas o povo vai mal”. E quando ele dizia essas coisas ele não se escondia de assistir jogos no Maracanã; sua popularidade era muito boa, pois a sua face de avô acalmava os que não pensavam muito e os pensavam como ele.

terça-feira, dezembro 09, 2008

Arte sem ética en-cena corruta

Na semana que o mundo comemora a Declaração Universal dos Direitos Humanos, tem gente que prefere lembrar a sua destruição celebrando o arbítrio e destruindo a credibilidade da UFPE.

A ciência é uma das muitas realizações humanas e, as relações humanas devem ser construídas honestamente. Infelizmente nem sempre as pessoas são honestas em seus relacionamentos pessoais e sociais. Entretanto, o que permite a vida cotidiana social é a expectativa da honestidade e das ações, o que gera confiança nas instituições. Mas como sabemos essa é uma construção diária. Das pessoas e das instituições.

Nos tempos passados, tempos da aristocracia absolutista, a verdade estava na vontade do rei (nas colônias era a vontade dos senhores “homens bons” [homens de bens]) que determinava o que era a verdade. O processo de mudanças que vem ocorrendo desde o século XVI vem criando e fortalecendo, na prática, a idéia de que a verdade é filha do tempo. Mas como nem sempre temos o tempo necessário para esperar a proclamação da verdade pelo tempo; nesse nosso tempo, que é um período de construção de relações democrática, exigimos transparência nas relações ocorridas no poder público. Houve um tempo em que essas exigências não eram feitas e os cargos públicos eram ocupados por indicações. Mas nesses nossos dias o poder público não pertence mais a um rei ou a um chefe de departamento de uma universidade. Sabemos que não foram poucos os que ocuparam cadeiras de professores mais por suas relações sociais que por suas habilidades em aprender e ensinar. Talvez essa seja uma das razões que levam a nossa produção científica vem a ser mais adjetiva que substantiva.

Por isso a exigência para que a ocupação de cargos seja feita através de concursos públicos. Nos concursos públicos há a possibilidade evitar a corrupção, ou ao menos diminuir a sua possibilidade; precisamos evitar que haja o aproveitamento do poder pelos que ainda não perceberam que o tempo da aristocracia passou.

Quando o Conselho Nacional de Pesquisa pede a todos os pesquisadores que tenham o seu currículo a plataforma Lattes, é com o objetivo de ampliar os espaços de informação e impedir que aproveitadores digam o que não podem provar. Todos os pesquisadores, desde o início de suas atividades, devem ter o currículo lattes atualizado. Assim todos os pesquisadores e cidadãos podem acompanhar o que eles, os pesquisadores, os cientistas estão fazendo em suas áreas de pesquisas e estudos. Isso diminui muito o espaço para que, descendentes espúrios da aristocracia continuem leiloando vagas no serviço público. Especialmente nas universidades federais que são bens e entes públicos.

Isto está sendo escrito porque, neste mês de dezembro, no concurso para provimento do primeiro cargo para professor no recém criado curso de Dança, uma comissão responsável por de concurso público aceitou a inscrição de um candidato que não tinha o seu currículo lattes atualizado, pois ainda não pode dizer que tem o título de mestre, um título necessário para que pudesse realizar a inscrição naquele concurso. E mais, essa comissão, talvez atendendo a solicitação do Chefe do Departamento, aprovou quem não poderia fazer o concurso. Aliás, a princípio, do chefe do Departamento nem estava pensando em não fazer a leitura pública da prova. Alertado da obrigatoriedade, as leituras foram feitas. Mas é impressionante e lamentável que, no primeiro concurso para provimento de cargo de professor no curso de dança da UFPE, a ética, a moralidade está dançando.

Já sabemos que a lisura do concurso foi argüida junto à pró-reitoria. Lamenta-se que professores que deveriam cuidar para que a universidade seja respeitada, esteja colaborando para que se diminua a sua respeitabilidade. Lamenta-se também que essa tentativa de negar o princípio da competência, favorecendo protegido, tenha sido corroborada pelos demais professores daquele Departamento.

Fizeram Mal às Artes, uma péssima coreografia, uma lamentável Arte Cênica.

segunda-feira, dezembro 08, 2008

como tratar sábios e não sábios

Os jornais, com freqüência cada vez maior, trazem notícias de que professores sentem-se violentados em salas de aulas; informam que jovens estudantes vão à salas de aulas portando consigo, além dos cadernos e canetas – algumas vezes em lugar delas -, canivetes, facas, revolveres. Vez por outra aparecem notícias que professores foram agredidos fisicamente em sala de aula, algumas vezes no trajeto casa – escola – casa.

Mas, parece, a maior parte das agressões sofridas pelos professores é de ordem moral e psicológica: atos de insubordinação, recusa histérica em seguir as orientações recebidas, desrespeito explícito como sentar-se de costas ao professor, gritos lembrando que ele é professor apenas em sala de aula, etc. Situações como essas têm levado um razoável número de professores a serem afastados das salas de aulas por conselhos médicos, como maneira de curarem depressões geradas pelos constantes e repetidos atos de desrespeito. Professores, não poucos, sofrem de baixa estima. Professores vivem o drama de serem agentes de um processo civilizador, mal pagos pelo Estado e por ele abandonados, como ele faz com a parte pobre da população, que não se sente parte real da sociedade, recebendo como migalhas aquilo que lhe é de direito.

Essas reflexos me vieram neste final de semana, em um curso de especialização lato sensu, promovido pela Secretaria de Educação do Estado de Pernambuco, a professores da rede de ensino estadual. Conversávamos sobre os efeitos do processo de mundialização, que atualmente estamos vivendo, tem sobre nossos costumes, nossas raízes, nossas tradições, nossa identidade. Nessa conversa, um dos professores participantes lembrou que em sua comunidade de origem, Conceição das Creoulas, no município de Salgueiro, há o costume de as crianças saudarem os mais velhos pedindo que eles as abençoem. O professor nos ensinava que esse costume, um costume de raiz, fortalece o sentimento de respeito aos mais velhos, àqueles que guardam a tradição, protegem e transmitem as tradições da comunidade. E fazem essa atividade, que é uma atividade de ensino, pela palavra, pelo exemplo, pela participação nas danças, nas conversas, etc. Os mais velhos são os professores e são respeitados.

Em nossa sociedade em que o tempo de velhice é mais comum para muitos, uma sociedade que fez multiplicar o acervo de conhecimentos produzidos e somados dos muitos grupos, uma sociedade que, por conta da enormidade de conhecimentos produzidos, vê-se obrigada a cultivar a especialização, e nem sempre os detentores do conhecimento são os mais velhos; ou melhor, os mais velhos, etáriamente, não conseguem acompanhar todas as produções culturais. Assim, o papel de cuidador da tradição, de transmissor dos saberes, agora é o professor. E então, o respeito aos mais velhos, um respeito que se lhe deve duplamente, pela idade e pela sabedoria, também devia vir para os professores. E não se quer que se peça a bênção aos professores, mas que se lhe respeite o trabalho, a dignidade, etc. que se deve a ele não apenas por ser professor, mas por ser um ser humano. As palavras do professor a esse respeito me tocaram profundamente pois sei que ele sempre fez assim com os seus professores e, ao menos por essa razão, é merecedor do mesmo tratamento.
E dos professores deve-se pedir que tenha conhecimento e cultivem a sabedoria. A sabedoria dos mais velhos, ou ao menos a sabedoria dos mais jovens, em ouvir os que os mais velhos e os mais jovens têm a dizer. É que assim agem os mais velhos,os velhos que são sábios, não aqueles que são apenas idosos. Assim como há professores que são sábios, e aqueles que são apenas professores. Entretanto, sábios ou não, velhos e professores merecem respeito.

Gostei muito de aquele professor me lembrar que eu devo respeitar os mais velhos que eu, ainda que eles não sejam sábios.

terça-feira, dezembro 02, 2008

Uma cidade histórica põe fim a um curso de História?

Os acontecimentos surpreendem a cada dia. Algum tempo passado, algumas pessoas que foram criadas e vivem na Zona da Mata Sul de Pernambuco andaram a perguntar-me sobre a cultura da região. É que estava pesquisando o mundo cultural da Mata Norte, esse mundo cultural que vem invadindo as ruas do Recife desde os anos quarenta, e que foi responsável pelo crescimento populacional da zona norte da capital, por conta disso veio a pergunta.

Comecei a visitar algumas cidades da região, uma região que cresce com construções de hotéis para turistas e, mais recentemente, com o porto de Suape, e sua promessa de riqueza para os muitos de sempre. Assim, aos poucos vou descobrindo pequenas maravilhas escondidas na poeira do tempo e das memórias. Aqui e acolá sempre aparece algo surpreendente, como saber que havia um grupo de caboclinho no Cabo de Santo Agostinho, até recentemente. Penso que o peso dos pães de açúcar e dos bolos de dúzias de ovos tem sido muito pesado para a memória dos mais pobres.

Esse hábito de ser homem livre em sociedade escravocrata não é fácil.

Ora, a cada dia estou mais convencido que um dos caminhos para a liberdade do homem é o conhecimento de sua história. Creio mesmo que o estudo, a reflexão da história sobre a história é uma quase uma psicanálise de um povo. Por isso é muito importante que conheçamos as mais diferentes versões dos acontecimentos, pois elas podem nos aproximar da verdade possível.

No Brasil temos estudado unicamente a história dos senhores dos escravos e, quando estudamos a história dos escravos temos a tendência de vê-los como heróis ou como coitadinhos. Ora nossos avós africanos, que ficaram algum tempo aqui como escravos, não eram semi-deuses nem eram o opróbrio da humanidade. Também não o eram os que os tinham como coisas. Todos eram e são humanos, com chicote nas mãos, com lombo lanhado, com os assassinatos, com os envenenamentos, com a morte nas fornalhas, com as tocaias no caminho dos quilombos, com a luta com os bois para vencer o massapê molhado, seja no transporte das canas seja no transporte das sinhazinhas que saíam para visitar os parentes dos outros engenhos. Todos: escravos e senhores, escravas e senhoras, homens livres e homens alforriados, mulheres livres e mulheres alforriadas. todos eram e são humanos e criadores de suas histórias. Ocorre que nos contam as histórias dos nossos antepassados de um jeito só.

Ainda bem que agora, desde a segunda metade do século XX, está havendo escolas públicas para os mestiços descendentes dos escravos e das escravas, dos homens e mulheres pobres, livres e libertas; ainda bem que a atual sociedade carece, cada vez mais, de gente que saiba ler escrever e contar e fazer de novo a sua história.

E é tão bom saber que a Zona da Mata Sul tem ensino superior formando historiadores e professores de História nas cidades de Palmares e Cabo de Santo Agostinho. Essas escolas, ainda que alguns pernosticos digam que são fracas, são fundamentais na construção da identidade do povo da Mata Sul. Pois é o povo da Mata Sul que está aprendendo a organizar os documentos de sua história, aprendendo a questionar esses documentos e, lenta, mas permanentemente, reconstruindo os seus passados e construindo novos futuros. Sim, pois há futuros que as varandas das casas grande não conseguem perceber.

Pois, nesse espírito, tenho dificuldade em acreditar que tenha passado pela cabeça dos educadores responsáveis pela Faculdade de Ciências Humanas do Cabo de Santo Agostinho em por termo à formação de professores de história, acabando o curso de história. Eu tenho dificuldade em aceitar a idéia de que as autoridades municipais da cidade histórica do Cabo de Santo Agostinho permitam a continuidade dessa idéia histérica. Afinal, parece-me que a FACHUCA é uma autarquia e, como tal, está ligada à Prefeitura ou à Câmara Municipal. Em um tempo em que cada região do mundo está assumindo a sua história, fator crucial para a assumpção de sua identidade e, dessa maneira não se perder neste mundo globalizado, os cidadãos cabenses não devem admitir o encerramento do curso de história na sua cidade histórica. Não apenas os cabenses, mas todos os pernambucanos, todos os brasileiros, estão interessados em manter todos os caminhos de acesso ao conhecimento abertos para o povo brasileiro.

Então cabe perguntar:
1. A quem interessa manter o povo distante do conhecimento de sua História?
2. Quem pretende negar o futuro ao Cabo de Santo Agostinho?

segunda-feira, dezembro 01, 2008

A água não erra na queda

Esta foi uma semana de chuvas e sol ardente em lugares diversos do globo. Lembro que Aldir Blanco fez uma canção que dizia: “reclamam no sul chuva tanta, errou de lugar na caída.” Penso que isso esta relacionado com a seca no Nordeste, nos anos setenta, ao mesmo tempo em que ocorriam chuvas excessivas no Sul, penso que no mesmo Vale do Itajaí. Agora as cenas se repetem e, o novo é que as redes de televisão mostram para o mundo os morros e os habitantes pobres pendurados nos morros de Santa Catarina, nos dizendo que a miséria também existe em um dos estados mais ricos da federação brasileira. As imagens também os mostram que, de maneira semelhante aos pobres do Nordeste que não podem comprar terrenos, os pobres do Sul vivem em barracos pendurados nos morros, como cantavam os poetas da Mangueira em canções na voz de Cartola ou de Elizete Cardoso. As canções diziam que não havia água nos morros, e, como seqüência, podemos entender que não havia serviço de saneamento, saúde e tantas outras necessidades para quais são retirados mais de seis meses de impostos dos brasileiros. Vez por outra esses desastres anunciados ocorrem e nos fazem lembrar versos de Bob Dylon sobre as lágrimas que teremos que verter até que a humanidade se torne humana. São versos da época das outras chuvas, das outras enchentes. Quem se se importa com isso?


As imagens mostram que há um descaso pela vida, que as administrações públicas preocupam-se pouco com a ocupação dos morros, com a derrubada das árvores, com a destruição da natureza. Depois o cinismo dirá, sem vergonha: “também, esse povo vai morar ali, e sabendo que pode cair?”

Quantas mortes teremos que ver, quantas lágrimas serão necessárias antes que as administrações compreendam que cuidar da natureza e preservá-la é mais importante do que promover campanhas contando as “realizações” que a gente não consegue perceber. Os rios são oprimidos por pessoas que se acomodam, forçadamente às suas margens e, quando uma chuva mais forte chega, as casas são levadas pelo rio que voltou ao seu lugar. Matamos, com a miséria da exploração imobiliária, os nossos rios. As cidades nasceram perto dos rios, dos riachos; ao mesmo tempo derrubaram-se as árvores que cuidavam dos rios e dos seus ritmos; alguns rios estão morrendo nas nascentes e outros estão morrendo ao longo do curso. Não há preocupação de salvar a vegetação dos morros, não há a preocupação de salvar a vegetação ao longo dos rios; não há a preocupação de salvar os mangues nos encontros dos rios com os mares. Há apenas a grande ocupação de saber o quanto eu posso ganhar com mais alguns hectares de árvores tombadas. Afinal algumas delas servirão nas salas de refeição dos mais ricos. E, para que o ciclo seja fechado, algumas das tábuas podem vir a servir de parede para algum casebre construído na proximidade do leito de um rio, ou na encosta de algum morro, pouco importa o nome, se do Baú, Mangueira, Refúgio, Conceição, ou qualquer outro.

Não, as águas não erram de lugar na caída, nossas sociedades, nossas culturas ainda não acertaram com o caminho para conviver com toda a natureza, inclusive com os outros homens e mulheres de culturas e sociedades diferentes da nossa. Não é uma questão de tolerância, como dizem os conservadores e reacionários, é uma questão de aceitação, de conviver e entender que conviver significa mais que tolerar quem fuma, quem bebe, quem fala, quem pensa diferente da gente, quem tem cor da pele diferente da cor da pele da gente, etc.

Esses eventos climáticos não são tragédias, são eventos que nossa ciência já é capaz de prever. Tragédia é confundir fortalecer a miséria enquanto imprudentemente continua a se louvar o egoísmo econômico e social como virtude.

sexta-feira, novembro 28, 2008

Casa da Memória do Cabo de Santo Agsotinho

Viagens são sempre instrutivas, elas oferecem aos olhos e ouvidos novas paisagens, novos sons, oportunidades de enriquecimento da sensibilidade. Ontem, dia 28 deste novembro ensolarado fui ao Cabo de Santo Agostinho para conhecer dois apaixonados pela cultura local e, por isso, universal. Antonino Junior e Ivan Marinho, um nascido na cidade, outro lá chegado treze anos passados. Cativantes as conversas em torno da preocupação em “salvar a memória do que já foi feito no Cabo” e que corre o risco de ser esquecido. Esses dois estão angustiados, mais Antonino que Ivan, com a possibilidade de que o passado venha a ser tornado totalmente passado, uma vez que os senhores que detêm o poder político têm dificuldade de entender que é necessário conservar vivo o passado para que o presente e o futuro tenham algum sentido. Em nossa conversa algumas vezes apareceram expressões como “o povo não se interessa pela história”, ninguém mais se lembra quem foi fulono ou quem foi beltrano, e eles não “sabem o quanto o Cabo de Santo Agostinho é importante na história de Pernambuco”. Mas, porque o povo estaria interessado em conhecer e amar a história dos senhores dos engenhos do morgado do Cabo, as história que o põe como simples moldura dos acontecimentos passadfos? A população do Cabo de Santo Agostinho, como a de qualquer outra cidade, só tem interesse por aquilo que é seu, pela sua história.


Antonino imaginou a Casa da Memória. Para isso ele vem guardando documentos, fotos, objetos que fazem parte do cotidiano e dos momentos em que o cotidiano tornou-se excepcional. Assim vi fotografias de muitos aspectos da vida dos cabenses do século XX, uma visão larga das modificações sofridas pela cidade, e pedaços de uma produção cultural/teatral rica. É interessante verificar como havia, e ainda há uma boa atividade no município, embora, me parece não com as pessoas e os mesmos objetivos. A Casa da Memória será de grande ajuda para entender a dinâmica das mudanças sociais ocorridas naquela região nos últimos sessenta anos, desde que foi atingida pela dinâmica das industrializações, desde as usinas até o presente.

Penso que a Casa da Memória pode vir a auxiliar o município e os atores sociais entenderem o processo que se instalou na região desde os anos cinqüenta, quando a modernidade da metade do século XX chegou ali, com estradas novas, substituindo o trem, com usinas modernas torturando as canas e canavieiros, e os sindicatos querendo novas maneiras de relações humanas e de trabalho. Nesse período começam a crescer novos espaços sociais e, a Casa da Memória auxiliará a entender que não devem ser guardadas apenas as memórias dos barões e dos moradores da cidades, mas que também há uma memória a ser conhecida, ou reconhecida, a memória dos novos bairros, dos novos espaços sociais e as novas possibilidades de criação cultural.

A conversa nos levou a conhecer o Teatro Barreto Junior, e lá conversamos sobre possíveis atividades que deverão ser implementadas pela Casa da Memória. Tudo dependerá do afinco dos seus idealizadores em criar condições para que os cabenses, os cidadãos comuns e aqueles cidadãos que foram eleitos pra cargos de comando na urbe, venham a compreender a importância de não esquecer de se lembrar. Claro que tudo isso tem que envolver os sistemas escolares que atuam no município e a re-invenção da história do Cabo de Santo Agostinho, uma história que entenda ser mais importante um canavieiro, um funileiro que vive e cria diariamente a Cidade que possíveis heróis nascidos na Espanha que casualmente estavam em uma nau quase cinco séculos passados.

Vamos acompanhar a construção da Casa da Memória na rememoração do Cabo de Santo Agsotinho

domingo, novembro 23, 2008

Antonio Melo, cidadão de Nova Descoberta, do Recife e do mundo

O Ano de1938 foi o ano do nascimento de Antonio Melo lá, na cidade de Bom Jardim. Era o tempo do Estado Novo, uma ditadura que seus pais seus pais, possivelmente, não sabiam que estava acontecendo. Eles estavam preocupados em criar Antonio e seus muitos irmãos. Os períodos de seca eram, quase sempre no Sertão ou no Agreste, mas Bom Jardim fica próximo do Agreste e foi atingindo pelas estiagens, além de ser sempre atingido pelo latifúndio, pela gulodice de terras que certos grupos sociais sempre cultivaram em nossa região. Assim, em 1957 Antonio Melo chegou em Nova Descoberta, na época um pedaço de Casa Amarela, que crescia populacionalmente com gente descida da Mata Norte. Lá já estávamos a minha família, chegada alguns anos antes e também a família de “seu Teté”. Seu Teté é o pai de Cristina, com quem Antonio Melo veio a se casar, além do fato de Seu Teté, a esposa Dona Maria e sua filha Cristina eram padrinho e madrinhas de meu irmão José Vicente, a quem chamamos de “Doutor”. Seu Teté, de certa maneira foi “meu primeiro morto”, das pessoas que conheci e com quem tratei foi ele, com sua morte, que me pôs em contato com o mistério. Eu era muito menino, não fui ao enterro, mas dei por sua falta, jamais explicada oficialmente. Como nunca o vi morto, ainda carrego a lembrança dele vivo, em sofrimento, sentado na sala.

A gente morava na mesma rua, a Nova Descoberta, hoje pomposamente chamada de Avenida e, agora é um bairro. Pois bem, se não for engano meu, “seu Teté” morava a casa 1340 – (mais tarde veio a ser a venda de Manoel Lopes, meu primo, sobre quem falei já neste espaço) e a nossa casa ainda é a de 1420. Bem, Antonio Melo ficou gostando de Cristina e casou com ela. Fez uma família, que é bonita, no meio de muito sofrimento. Passaram um tempo morando no morro em frente a nossa casa. Outro período foram morar próximo à entrada do Córrego da Areia.

Antonio Melo, embora eu vá repetir várias vezes esse nome “Antonio Melo”, a gente, lá em casa só chamava “Tonho de Cristina” ou “Toninho de Cristina”, conseguiu emprego de tecelão na Fábrica Othon Bezerra de Melo, na Macaxeira, como grande parte dos homens e mulheres que iniciaram o populacionamento de Nova Descoberta. Aquela era uma fábrica de tecidos e tuberculosos. Ela, como as fábricas da torre e Yolanda forneceram os clientes do Hospital do Sancho por muitos anos. Quem sabe algum estudante de História queira estudar e verificar essa relação que minha memória faz. Bem, na Fábrica da Macaxeira havia um forte movimento sindical e ali trabalhavam bravos cristão-católicos jocistas. (Caso não seja meu engano, já está escrita uma dissertação de mestrado em História, na UFPE, sobre a Macaxeira). Antonio, que havia aprendido as primeiras letras da dignidade com seus pais, logo se envolveu na luta sindical. Em março de 1964 foi preso. Isso aconteceu outra vez.

Enquanto os golpistas de 1964 procuraram por fim à luta sindical, o Vaticano enviou Dom Hélder para ser arcebispo de Olinda e Recife. Também ocorreu uma das periódicas cheias, e o Rio Capibaribe invadiu seus antigos espaços, e a chuva derrubava as casas empinadas nos morros de Nova Descoberta. Dessa conjunção e da fé ativa e transformadora de Dom Hélder, nasceu a Operação Esperança e lá estávamos, eu menino de quinze anos aprendendo e Antonio Melo, com muitos outros, organizando a reconstrução de casas e as vidas. Também foi importante a presença dos padres Jorge, Miguel e Heriberto, americanos que vieram atender as solicitações do papa João XXIII.

Depois veio o Conselho de Moradores de Nova Descoberta. E a gente lá. Antonio veio a ser eleito Presidente do Conselho de Moradores de Nova Descoberta. Aquele foi o primeiro Conselho de Moradores que se estabeleceu na cidade do Recife. E a gente fazia eleição. E a população ia participar, para o desespero dos políticos. Para um cargo que não tinha salário e também não tinha poder nenhum, houve um ano que dessas eleições participaram mais de 5000 eleitores. Era fazer democracia em tempo de ditadura. Eu fui crescendo naquele meio, enquanto também estudava e ia ficando professor de profissão. E teve o Encontro de Irmãos e, faz quarenta anos que, estávamos juntos, no mesmo palanque, Dom Hélder, Antonio Melo, Zildo Rocha, Reginaldo Veloso, (e eu ali também, com meus professores de democracia e sonhos sociais) no ato do Movimento por Justiça e Paz, no pátio interno da Matriz de Casa Amarela.

Veio a perseguição sobre os movimentos eclesiais católicos e sobre os movimentos sociais ligados a Dom Hélder; veio a perseguição à Ação Católica Operária; veio a prisão do padre Romano por causa do documento: "Nordeste, o Homem Proibido"; vieram os primeiros movimentos para restauração do sindicalismo, veio a fundação do Partido dos Trabalhadores, veio a eleição de Luiz Inácio da Silva e, nesses lugares, lá estava Antonio Melo, fiel à sua fé católica e à sua esperança socialista. Assim, sem sair muito de seu lugar – Nova Descoberta – Antonio Melo, Antonio de Cristina, como o chamamos lá em casa, pois Antonio sempre foi de Cristina, como Cristina sempre foi de Antonio, foi um construtor do Recife e das liberdades que temos nos dias de hoje.

Hoje foi muito bom para todos que vivemos com Antonio Melo, esses recentes 50 anos de nossa História. Com ele fizemos essa história. Na manhã do dia 14 de novembro, o retirante Antonio Melo, recebeu o título de Cidadão Recifense, recebeu a medalha José Mariano. Ele disse que estava orgulhoso e feliz porque essa homenagem estava sendo prestada a todos os trabalhadores que, como ele, continuamos a sonhar com o mundo todo socialista.

sábado, novembro 22, 2008

A PARTICIPAÇÃO DOS POVOS AFRICANOS NA FORMAÇÃO DO BRASIL

No dia 20 de novembro deste ano em que se comemeora 120 da publicação da lei João Alfredo, mas conhecida como Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil; 119 anos da Proclamação da República; neste ano que comemora 60 anos da proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, particpei da Semana da Consciência Negra no Engenho Poço Comprido, na área rural de Vicência. Organnizamos um seminário para refletor com professoras da rede Municipal de Vicência e de pessoas que vieram das cidades vizianhas. Foi erguido um momumento a Zumbi dos Palmares, Herói do povo brasileiro. Às noites ocorreram manifestações de canto e danças do povo.
No Seminário, proferi a conferência que se segue:


A PARTICIPAÇÃO DOS POVOS AFRICANOS NA FORMAÇÃO DO BRASIL

Severino Vicente da Silva, Phd




Quando fui desafiado para organizar esse dia de estudos aqui, neste lugar de produção de riquezas, pois produzia açúcar com o trabalho de muitos homens e mulheres, rapidamente pensei n que ocorrera a exatos vinte anos. Naquele tempo, era o ano de 1988 e, como diretor da Divisão de Projetos Especiais da Secretaria de Educação da Cidade do Recife, fui chamado para organizar eventos que levasse a rede de ensino a pensar sobre o significado da Abolição da Escravatura no Brasil. Era um período no qual o Brasil procurava se re-inventar, saindo que estávamos de uma ditadura e acabávamos de construir uma nova Constituição para todos os brasileiros. Era aquele um momento oportuno para discutirmos sobre as nossas origens, saber que nós somos. Organizamos um seminário como esse, realizado na cidade de Camaragibe, do qual participaram professores de 25 municípios, com o objetivo de por nas escolas a temática que hoje nos une aqui. Assim, aos poucos, mas sempre, se faz a história. Naquele ano de 88 nos lembrávamos que vinte anos antes havia sido assassinado o pastor Martin Luther King e, se comemorava, então, os quarenta anos da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela ONU. Esses fatos todos estão relacionados e, no seu conjunto mostram o quanto nós mudamos e o quanto haveremos de mudar. Ainda há muito que fazer para alcançarmos a aurora da humanidade.
Faz vinte anos que escrevi o texto que se segue:

"Não havia trabalho em que ele (o negro escravizado) nõo seja aproveitado. Ele derruba a mata, limpa os campos, prepara o sôo, limpa o roçado, faz o corte, carrega os frutos, movimenta as máquinas, vê a qualidade do produto, cuida dos animais, acompanha o movimento das galinhas, limpa os animais, pesca, caça, prepara a comida, carrega a água, cozinha os alimentos, lava os pratos, corta a lenha, costura, engoma, prepara o coxim, dá banho nas crianças, cuida dos velhos, prepara os remédios, carrega os recados, rema os barcos, conta história para as crianças dormirem, canta pra embalar, leva os dejetos para fora de casa, vende os produtos do engenho, produz doces, prepara bolos, vende o corpo, etc. A lista é cansativa."

Creio que hoje eu poria algumas atividades a mais. Joaquim Nabuco escreveu que não há nada nesse país que não tenha sido tocado pela mão do negro, embora a sociedade tenha se recusado a reconhecer essa enorme contribuição dos povos que foram trazidos do continente africano e, ainda que contra os seus desejos, construíram, juntamente com os índios e com os seus senhores, o que hoje se conhece como Brasil. Nessa soma social, o reconhecimento maior tem sido para os descendentes do grupo de tradição européia, em detrimento dos descendentes dos muitos povos indígenas e dos muitos descendentes dos povos africanos. Esse não reconhecimento exige dos não reconhecidos um comportamento atento e ativo, um constante lembrar de sua existência e de sua dignidade, maneira que se desincumbam de mais essa tarefa: cuidar da unidade da nação, forçando o grupo dominante a diminuir o fosso que quer aumentar a separação entre os brasileiros.

A escravidão, ensinava Joaquim Nabuco, trouxe malefícios para todos no Brasil. Ainda temos que conviver com o desrespeito que herdamos daqueles tempos no qual, homens e mulheres eram tratados como coisas; ainda teremos que muito realizar para que nos alimentemos orgulhosamente do nosso passado. As marcas que trazemos desde a nossa formação, antes de nos libertarmos do Império português, as marcas que nós mesmos criamos, durante o Império brasileiro, por termos mantido o regime escravocrata, deve ser superadas com a mesma ginga, com a mesma sagacidade de nossos antepassados recentes, que se impuseram gradativamente “ao mundo que o português criou”.

Nas escolas, quase sempre aprendemos que a contribuição dos negros para a formação do Brasil está ligada à culinária, aos lazeres, seja nas danças, seja nas músicas. Claro que nos orgulhamos de termos construído a química das feijoadas, dos acarajés, do vatapá, do xinxim de galinha, do bobó, das buchadas, e de tantas outras delícias, criadas pela inteligência de nossas antepassadas e dos nossos antepassados. Mas essas são contribuições sem autores, pois elas são resultados de trabalhos coletivos, realizados no anonimato das cozinhas das casas grandes, ou dos terreiros das senzalas. Sim, nos orgulhamos da dança guerreira da capoeira, gestada nos engenhos e nas cidades, a partir do balanço do corpo, utilizando-o como arma contra aqueles que desejam o corpo apenas como máquina de produção de riqueza; também temos orgulho da cores que pusemos nos cortejos das procissões de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos e os transformamos nos Maracatus de Baque Virado que enchem as ruas e o ar de cores, movimentos e sons; ficamos orgulhosos quando acompanhamos os Afoxés, levando os orixás para passear, agora sem a necessidade de estarem sincretizados com as tradições religiosas católicas, embora não se renegue de todo a dupla pertença religiosa, pois sabemos que cada um tem o direito de escolher a sua própria religião, pois a religião não é coisa de cor; mesmo porque, orixás de povos inimigos nas terras africanas aqui tiveram que conviver entre si e com os espíritos que já habitavam aqui bem antes dos santos trazidos pelos europeus dos orixás vindos da África. E se nos desfiles do Maracatu de Baque Virado encontramos um Taxua ou Arreamá, são muitos os negros e mestiços que lá encontramos. E até decisões esdrúxulas dos que se arvoraram no direito de definir o que é maracatu, puseram no cortejo dos caboclos as calungas do Baque Virado .

É nosso orgulho saber que muitas palavras que usamos no dia a dia de nossas vidas foram trazidas por nossos antepassados e antepassadas que vieram forçados, da África. São muitas as palavras e, principalmente, o esse jeito meloso de falar, esse português que não é mais o de Portugal, uma vez que a convivência conosco tirou o travor dos senhores que foram seduzidos pelo jeito de falar de quem não freqüentou a escola. Sabemos de onde vem esse adocicamento dos diminutivos que tornaram a língua portuguesa falada no Brasil uma montanha de carinho gerada em um universo de dores e sofrimentos. Talvez isso veio a ocorrer pelo fato de os portugueses não terem criado escolas nessas terras porque eles não queriam que nós nos tornássemos o que hoje somos: um povo que inventou a sua própria maneira de falar, de cantar, de dançar, de relacionar-se, etc. Gilberto Freyre chegou a dizer que nós já temos uma civilização que nos diferencia das demais, indo mais além que Darcy Ribeiro que nos chama de Povo Novo.

Mas talvez já seja o tempo de nos apoderarmos de nossa história, a História do Povo Brasileiro, esse povo mestiço; somos um povo e uma civilização com nossas crenças mestiças, com nossas expressões lingüísticas mestiças, com nossas epidermes mestiças, com nossos andares mestiços, com nossos brinquedos mestiços, com nossas tradições mestiças. Será que há algo nessa nossa vida que não seja mestiço? Sim, ainda há muita coisa entre nós que se recusa mestiçar-se. Uma delas, importantíssima, é a escola e o que ela ensina. Enquanto tudo ao nosso redor é mestiço, a escola, e o que ela produz e reproduz (mais reproduz que produz), se recusam a serem mestiças, pois ela só deseja ensinar a tradição européia. As outras tradições ela rejeita, põe em segundo plano. E isso acontece no idioma e na história.

Essa primeira opção, a do idioma, foi uma decisão tomada na época em que Portugal ainda dominava essas terras; foi uma decisão do primeiro ministro português, o Marquês do Pombal, que proibiu o ensinou de outro idioma além do português. Temia, o ministro de dom José I, que a Língua Geral, falada em todo o Brasil, viesse a ser um ato de separação da principal colônia do Império Português. Assim. Desde o século XVIII foi definido que não se podia ter outra forma oficial de expressão lingüística que não aquela utilizada pelos portugueses. Agora, essa disposição pombalina acabou por ser um caminho comum para nos comunicarmos e promover mudanças, ao mesmo tempo em que nos deu um idioma comum para tratar com as regiões de onde vieram alguns de nossos antepassados. Ainda hoje, com uma explicação de que devemos manter nossos povos unidos, vivemos a realizar acordos ortográficos nos quais os portugueses ainda pretendem nos impor o seu jeito de falar, como se ainda fôssemos sua colônia. Lamentavelmente ainda há quem pense assim nos escalões decisórios.
Mas a segunda opção, a que definiu qual é a nossa história, deve ser creditada aos que dirigem o Brasil desde 1822, pois desde aquele ano os portugueses não têm mais poder sobre as leis e os costumes dos brasileiros. Mas aqueles brasileiros que proclamaram a independência ao puseram fim à escravidão, libertaram-se de Portugal, mas não libertaram os trabalhadores brasileiros. E é por isso que os trabalhadores brasileiros não entram nos livros nem nas aulas de história. Muitos de nós sofemos muitos para entrar na escola e sofremos ainda dentro delas, especialmente se não nos curvamos aos sistemas de favores que ela ensina.

Durante anos os heróis brasileiros eram portugueses: Dom Manuel, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral, Frei Henrique, Dom João III, Mem de Sá, Manuel da Nóbrega, José de Anchieta, Marques do Pombal, Domingos Jorge Velho, e outros. Foram muitas as gerações de brasileiros que aprenderam a gostar dessas pessoas, mas analisando bem, veremos que todas elas sempre estiveram pensando em como arrancar o maior lucro possível do Brasil para o bem de Portugal. E como nos contaram pela metade essa história!!! Pode-se observar esse encaminhamento na obra Pequena História do Brasil, escrita pelo Dr. Joaquim Maria de Lacerda, que teve a sua segunda edição publicada em 1880 , mas que foi utilizada nas nossas escolas até os anos cinqüenta do século passado.

E aí, de vez em quando aparecia na lista dos heróis das escolas algumas pessoas que não estavam cem por cento interessadas no bem do Império português, mas essas pessoas eram apresentadas de maneira oblíqua, e seus nomes vinham sempre acompanhados de pequenas histórias que diminuíam as suas estaturas, os seus feitos. Os homens portugueses que escreveram a história do Brasil, assim como os seus representantes atuais, sempre contaram a nossa história de maneira a nos humilhar, a nos fazer ter vergonha de sermos brasileiros. Por isso quase não se mencionava Ganga Zumba e seu sobrinho Zumbi (nesse caso, quem fala de Zumbi, agora definido como Herói nacional, esquece de dizer que ele nasceu no Brasil e não na África), poucos sabem da existência e ensina da bravura e valentia do negro Henrique Dias (morto em 1662), na guerra da Restauração de Pernambuco, enquanto se berra ao mundo o senhor de engenho João Fernandes Vieira; do mestiço André Vidal de Negreiros(1606-1680), naquela mesma guerra; da Vida de Chico Rei (século XVIII, Congo – Minas Gerais), organizador da grupos de negros nas Minhas Gerais; pouco conhecidos são os negros Manuel Faustino dos Santos, João de Deus, Luiz Gonzaga das Virgens, mentores e mártires da Conjuração Baiana de 17998; superficialmente se fala da liderança do Manoel Francisco dos Anjos – o Negro Manoel Balaio, na luta contra os coronéis da Guarda Nacional do Maranhão; do Pedro Pedroso de Paudalho, resistente na defesa dos interesses de Pernambuco, quando os grandes proprietários já haviam desistido de uma independência ligada com os interesses dos não proprietários; do mestiço Antonio Borges da Fonseca, intelectual da Revolução Praieira; da criatividade e competência do engenheiro Cruz de Rebouças, construtor de pontes no Brasil e na África; do heroísmo de do negro Marcilio Dias na batalha do Riachuelo, defendendo solitariamente o seu navio e a sua pátria; das lutas pelo fim da escravidão do negro José do patrocínio e de Luiz Gama; poucos sabem que Castro Alves (1847- 1871), o poeta do Navio Negreiro, é um mestiço como sangue negro; são tão poucos os que se lembrar de que o maior escritor brasileiro, Machado de Assis (1839-1908), é um mestiço; e quem já ouviu falar no poeta Cruz e Souza (1861-1898. E que dizer do “Almirante Negro” o marinheiro João Cândido que enfrentou, com seus companheiros, à marinha brasileira, vinte anos após 1888, para dizer que homens livres não recebem castigos físicos. São tantos os negros e mestiços, negras e mestiças que tiveram papel importante na formação de nossa nacionalidade.

Há outros construtores do Brasil, gente como ainda pouco conhecida, de um panteão de artistas que traduzem as nossas angústias em poesia, canções e danças. Criadores de nossa cultura, uma cultura mestiça, criadores de maneiras novas de tocar instrumentos, arranjar músicas, pessoas como Pixinguinha, Cartola, Paulinho da Viola, Lupercínio Rodrigues, mais conhecidos porque foram tocados nas emissoras de rádio e televisão, esses outros criaram um mundo que, no dizer de Vinícius de Morais, “se é branco na poesia, é negro demais no coração”.

E o que poderíamos dizer e quantos nomes escreveram e escrevem a história dos muitos esportes brasileiros, desde o mais popular futebol até à ginástica ritmica e artística. São muitos os nomes, são muitos os espaços que estão sendo ocupados ppor muitos negros e mestiços brasileiros. É tempo de dizermos essas realizações em tom mais malto, em "tom maior" como já nos chamou a fazer, o sambista Martinho da Vila.

E se nos voltássemos para o que se decidiu não ensinar sobre as nossas tradições mais antigas, a dos nossos avós índios, é que veremos aumentar a nossa consciência de que a nossa escola nos ensina ser apenas brasileiros de um terço, o terço europeu. Quase ninguém sabe quem foi Aimberê, Piragibe, Junduí, que lutaram até a sua morte na defesa de sua terra, na defesa da liberdade de suas tribos e de seus povos. Temos que parar de repetir o que os europeus disseram nos séculos passados como o objetivo de que nós tivéssemos vergonha de nós mesmos. É tempo de mudar essa história, essa maneira de contar a nossa história.

Para se ter uma idéia do que a escola é capaz de fazer, tomemos o exemplo do Marechal Rondon (1865-1958). Ele nasceu em uma tribo, filho de pai Bororo e mãe índia Terena, mas foi criado por um militar no Rio de Janeiro. Embora Rondon seja o grande defensor dos índios da Amazônia, desde o Mato Grosso, onde nasceu, ele não se dizia índio.

O que eu estou pretendendo dizer é que devemos exigir que nossas escolas ensinem todas as nossas tradições de maneira igualmente respeitosa. Os professores e as professoras de história, as professoras e professores das séries iniciais, os autores de livros didáticos, devem parar de ensinar-nos que tal grupo é preguiçoso, que aquele é dado a festas, etc. Todos os povos só trabalham com alegria quando podem usufruir das riquezas que produzem. Não trabalhar quando não se recebe o pagamento; recusar-se a ser explorado indefinidamente não é preguiça, é coragem! Essa é uma ação que afronta a vontade do opressor que se vê diante da ação voluntariosa daquele oprimido que se levanta contra a ordem opressora.
Somos mestiços devemos saber quais as nossas origens para poder nos orgulharmos dela. Temos direito aos nossos heróis.

O título dessa nossa conversa é a “participação dos africanos na história do Brasil”, e esses termos nos levam a meditar de maneiras múltiplas. Vamos considerar o que nos disse José Bonifácio de Andrade e Silva a respeito da vida e da permanência dos africanos no Brasil. Dizia ele, em 1823, um ano após a independência do Brasil, que entre 1817 e 1823, haviam entrado no país, quarenta mil escravos, sem que esse fato causasse aumento significativo na população de escravos. Podemos entender que havia tão grande número de mortes de escravos que não poderia haver crescimento de sua população. Autores como Celso Furtado e Caio Prado Junior, Roberto Simonsen, calculam que um africano que aqui chegava como escravo, levado ao eito constante do trabalho, vivia em média entre 7 e 8 anos. Nesse período, o período do Império português, a principal contribuição do africano foi principalmente a produção de riqueza, seja na lavoura da cana, seja na coleta de metais e pedras preciosas. Embora não muito, é provável que após a chegada dos reis portugueses ao Brasil e, principalmente depois de 1831 e 1845, as condições de trabalho tenham tido algumas modificações e criado condições para uma reorganização das condições de vida dos negros. As exigências da Revolução Industrial inglesa, as pressões humanitárias, o crescimento da concessão e compra de alforrias, geraram novas maneiras de sociabilidades nas relações entre nossos avoengos.

Essas novas maneiras fizeram crescer o número de alforrias concedidas, de maneira que, estudos recentes mostram, o aumento de homens livres nos engenhos, especialmente esses da Mata Norte de Pernambuco. Embora a principal mão de obra dos engenhos fosse escrava, havia em seu entorno um mundo de homens livres e libertos, produtores da alimentação imediata dos engenhos. Manuel Correia de Andrade, em seu famoso livro, A terra e o homem no Nordeste já aponta nesta direção, fazendo coincidir esse fenômeno com a expansão da cultura do algodão na região. Estabelecimento das usinas não foi tão eficaz quanto se desejou, mas, ao contrário, fez crescer o fenômeno de uma modernização conservadora que, mais tarde, favoreceu o crescimento do latifúndio em uma região que tendia às pequenas e médias propriedades, ainda no início do século XX. A existência de uma cidade como Vicência, é resultado de uma economia de comerciantes e não de latifúndio. Dona Vicência, que em sua casa albergava comerciantes vindos desde a Paraíba e o Ceará em direção das grandes feiras que ocorriam em Goiana, são símbolos de uma época anterior ao Pró-álcool e ao Bio-combustível. Mas, desde o tempo dos engenhos de bangüê, que se tornaram de fogo-morto na época dos engenhos centrais e das primeiras usinas, sabemos que a mão de obra que trabalhavam nessas fábricas de açúcar eram de negros e mestiços. Necessário que sejam feitos estudos para realçar a presença desses homens e mulheres que, saídos do eito da cana, para onde voltam a cada dia, vêm construindo novas maneiras de viver, dançar e cantar as ações humanas. Mestiços como Baracho, popularizador na Ciranda; mestiços e negros como Manoel Ribeiro, Aprígio Pinobá. João Paulino, Zé Liberato, Boquinha, Antonio Dias, Euclides Bolo, Zé Berto, Aprígio Gabriel, Biu Pequeno, Cobrinha, Caúca, Manoel Trapiné, Zé Duda, Mane Salustiano, Luiz Paixão, Zé Batista, Biu Roque, Biu Alexandre e muitos outros que são conhecedores do seu povo, intelectuais, cantadores e artistas de seu povo. Eles que mantêm as tradições das Cirandas, dos Cavalo Marinho, do Maracatu de Baque Solto e tantas outras brincadeiras e aspectos de nossa cultura.

Tudo isso é o que somos. A participação do negro na história do Brasil não se dá, nem ocorreu apenas nos trabalhos físicos, no mundo trabalho. E, verdade, o mundo do trabalho é que produz a cultura. Quem não se envolve ou é envolvido no mundo produtivo produz poucas idéias. Em todos os aspectos da vida brasileira há a participação dos negros, índios e mestiços. A rigor somos os construtores do Brasil e sua cultura, embora o sistema estabelecido seja o de expropriação do trabalhador e do resultado do seu trabalho, até mesmo no mundo do simbólico. A semana da Consciência Negra deve ser, e será cada vez mais. a Semana da Consciência Brasileira. Um dia teremos uma primeira dama que não buscará outra nacionalidade para seus filhos. Um dia bastará ser brasileiro, como já basta para os brasileiros que conhecem e se orgulham do presente dos seus avós e lutam para que seus filhos venham a se orgulhar de seu presente.

Como escreveu o mestiço João Ubaldo: VIVA O POVO BRASILEIRO!!!!!




BIBLIOGARFIA


LACERDA, Dr. Joaquim Maria de. Pequena História do Brasil. Edição atualizada. 2º edição. Rio de Janeiro; São Paulo; Belo Horizonte.
ROMANELLI, Otaiza de Oliveira. História da educação no Brasil. 11 º edição. Petrópolis: Vozes, 1989.
SILVA, Severino Vicente da. O negro ao longo da história do Brasil, In Caderno de Educação Municipal, volume 1. Recife: Secretaria Municipal de Educação da Prefeitura Municipal do Recife, 1988.

terça-feira, novembro 18, 2008

E se Oboma fosse africano..

Recebi esta matéria e a ponho aqui por muitas razões, sendo uma delas um texto posto aqui celebrando a vitória da mestiçagem.



Por Mia Couto (escritor Moçambicano)

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles.
Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor.
Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África.
Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão:
habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos.
Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo.
Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto.
E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África.
Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor.
4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato.
Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas - tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos.
Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.

Inconclusivas conclusões
Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos – as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa. Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política.
Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo.
Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia.

Semanário Moçambicano "SAVANA" - 14 de Novembro de 2008

segunda-feira, novembro 17, 2008

A terceirizaçaõ da memória

Como está guardada a nossa memória, a memória da cidade do Recife, dos demais municípios de Pernambuco, verdadeiramente, de que maneira estão sendo guardados os papéis oficiais dos governos do Leão do Norte? Essas perguntas, aparentemente bobas nos chegam quando sabemos que, vem ocorrendo uma gradativa perda de valor, no organograma dos governos de Pernambuco, do Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano. Uma política séria de arquivo, colocaria o arquivo público como um órgão diretamente ligado à Casa Civil do Estado, dada a importância daquele que tem a função de classificar, guardar e proteger os atos governamentais que interessam a todos os cidadãos. Mas o que temos acompanhado de uma desvalorização desse importante segmento da administração dos bens, dos valores, da memória do povo pernambucano.

A sociedade fica silenciosa diante da política que transformou o Arquivo Público de uma Diretoria, em 1997, para uma coordenação, submetida à Fundação de Cultura. Estão silenciosos os historiadores diante da diminuição do quadro de funcionários que trabalham ali: eram 84 em 1997, hoje não chegam a 20. Pouco interessa os discursos e campanhas publicitárias para nos informar que estão fazendo (quase sempre dizem que está feito o que ainda está se pensando em fazer) enquanto os documentos do Estado de Pernambuco estão, em grande parte, em prédio alugado na Rua Imperial, em condições precárias. Os funcionários nada podem dizer pois vivemos em uma sociedade na qual se segue, desde os menores aos maiores espaços físicos e sociais, a Lei do Silêncio, Silenciam os intelectuais (?) que escutam um Secretário de Cultura afirmar que arquivo é “coisa de elite”, por temor de não mais receber favores e benesses do poder. Talvez Cancline esteja certo ao dizer que no Brasil trocou-se o poder da escravidão pelo poder do favor. É evidente que o Diretor do Arquivo, seja ele quem for neste sistema patrimonialista, não vai contestar que lhe concedeu a sinecura.

O estabelecimento de uma política séria para os arquivos públicos deve ser um dos motes da chamada Ciência da Informação, das associações de História e historiadores, das associações dos arquivistas, das associações dos bibliotecários, de todos os cidadãos, pois todos nós somos beneficiários da existência de arquivos organizados e prontos para atender os cidadãos que os buscam. Mas, como buscar informações sobre o passado do Recife se a capital do Estado não tem um arquivo para guardar os projetos, realizações dos muitos prefeitos que tivemos e teremos? E se a situação é esta para a capital do Estado, imagine-se o que ocorre nos municípios? Às vezes temos a impressão que os atuais governantes não estão interessados em que nós, os cidadãos, saibamos o que fazem ou fizeram. Vai ser muito difícil aos historiadores do futuro quando forem pesquisar o que ocorreu em nosso Leão do Norte na segunda metade do século XX. Não encontrarão material. Terão que buscar essa informação, e pagar por ela, para alguma empresa que foi contrata, por milhares de reais, para cuidar de nossa memória. Enquanto isso, o Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano está sem espaço adequado para a guarda dos documentos e atendimento público não possui suprimento para atender as suas necessidades básicas (cordão, papel, caixa, etc.), não possui verba para a manutenção dos documentos e, pasmem, o administrador que quiser contratar um arquivista não vai poder fazê-lo, pois um “gênio” extinguiu esta função no serviço público. Enquanto isso o que se tem de lugares para ASPONE!!!!!!

Porque terceirizar, entregar a empresas particulares a memória da administração do Leão do Norte?

sexta-feira, novembro 14, 2008

Datas comemorativas, o feriado e um seminário

A semana foi tão longa quanto os dias que carrega desde que criamos esse calendário em torno das caminhadas lunares.

Em Olinda, cidade definida como Patrimônio Cultural, Nacional e mundial, a semana teve início com a celebração por uma ação de Bernardo Vieira de Melo, aquela em que procurou levar o Senado da Câmara de Olinda a proclamar uma república, ao moldes venezianos, de maneira a evitar uma possível submissão à sua crescente filha e vizinha, a vila do Recife. Essa data foi definida como feriado municipal na segunda metade do século XX. Desde então tem sido mais um dia de repouso para os que trabalham na cidade. Um repouso tão merecido que a municipalidade não faz qualquer ação (festiva ou fúnebre) para lembrar um evento que é cantado no hino de Pernambuco.

Entretanto, o Instituto Histórico de Olinda (www.iholinda.org), desde que abriu suas portas para a entrada de jovens historiadores, vem realizando um seminário com o objetivo de discutir a Memória e História de Olinda. Já podem ser contados cinco desses seminários. Uma das ações do seminário é uma pequena caminhada até as ruínas do Senado, ali na Ribeira. Dado a importância da data, para os olindenses, este ano nem mesmo os sócios mais antigos e defensores do passado de Olinda vieram participar nem da caminhada nem das discussões históricas e historiográficas. Estas contaram com os diversos conferencistas e um público jovem, presentes em todas as conferências. Talvez, fosse mais interessante que algum vereador da Primeira Capital Cultural propusesse o fim desse feriado, pois a data não parece ter a importância que dizem ter, se a câmara municipal da cidade, a prefeitura da cidade, e os mais antigods sócios do Instituto Histórico de olinda, não lhe dão.

Sugestão de tarefas para os vereadores olindenses, amantes de sua cidade e de suas tradições. Pode ser uma tarefa ingrata, como é ingrato, aos olindenses que caminham nas ruas olindenses aos domingos: eles devem, o tempo todo, responder aos turistas a seguinte pergunta: Como explicar que museus e igrejas, locais de exposição das artes e memórias olindenses, estejam fechados quando há um grande fluxo de turistas naquele dia? Bem que se poderia chegar a um acordo com os funcionários, oferecendo a segunda feira como expediente fechado, em troca do domingo. Pode-se se fazer rodízios. Use-se a imaginação. O mesmo pode se aplicado ao Recife, no que se refere aos museus e locais de exposição dos bens culturais. Afinal, cidades imaginativas, vencedoras dos tempos e criadoras da cultura, bem que poderiam usar a sua imaginação para motivar um pouco mais os seus habitantes e visitantes a conhecer as obras das quais dizem se orgulhar.

Esse foi um dos temas abordados no V Seminário História e Memória de Olinda. Talvez esse descaso sobre tão importante data, o 10 de novembro (por isso é feriado), seja resultante do tipo de história que vem sendo praticado nas escolas, um ensino que torna mais interessante a história externa que a interna. Vai ver que o sentimento que é transmitido aos futuros brasileiros ( ninguém nasce brasileiro, vai se tornando brasileiro por conta da educação informal e formal que recebe ) é um sentimento de achar ridícula a sua história e, que a história tem sido feita e continua sendo feita na Europa, nos Estados Unidos da América e na África.

Com ensino mediócre, insosso, voltado para a Europa, ridicularizando constantemente as realizações do povo brasileiro, a maioria só guarda o que dizia Chico Anísio, um dos maiores formadores e transmissores de preconceitos contra o Brasil, até o vampiro brasileiro é.... Vocês sabem. Se não há o antídoto do conehcimento, fica apenas o conhecimento da galhorfa e a ignorância teletransmitida

sábado, novembro 08, 2008

O Rio São Francisco e os desatinos dos desertificadores

Estou pondo aqui uma coluna de Sebastião Nery, tirado da Tribuna da Imprensa. Creio que ele não ficará chateado com essa publicação. Mas todos precisamos pensar no que ele pôs e eu,apenas, transcrevo.



O ABC do São Francisco

Major Irineu de Princesa Isabel, na Paraíba, rico, pão-duro e ateu, não dava um tostão para a Igreja. A mulher pedia, o padre pedia, nada. Numa semana de muita chuva, chegaram aflitos dois empregados:

- Coronel, o açude está subindo. A água já está no respaldo.

Major Irineu começou a andar de um lado para o outro. Água no respaldo era açude em perigo. Se o açude rompesse, a fazenda estava inundada e tudo arrasado. A mulher, angustiada, pedia:

- Velho, vá ao santuário, leve um óbulo e faça uma promessa.

E ele andando e outros empregados chegando e contando que a água estava chegando ao alto da barragem. Major Irineu entrou no quarto, abriu o nicho, pegou os santos, enrolou em um cobertor, montou no seu cavalo, foi para o açude. Na barragem, de metro em metro, pôs um santo:

- Rapaziada, vocês mesmos é que sabem para onde querem ir.

A água baixou.

Major Irineu
Para salvar o rio São Francisco, não do excesso mas da falta de água, só indo buscar os santos do major Irineu. Antonio Conselheiro disse que o sertão ia virar mar e o mar virar sertão. Já começou. Da hidrelétrica de Xingó até a foz do rio são 208 quilômetros, separando Alagoas e Sergipe. O leito do rio já é quase todo um imenso mar de areia, bancos de areia. A 145 quilômetros da foz se pescam peixes de alto mar, como robalo.

É o avanço das águas do oceano. A ponte que liga Sergipe a Alagoas, a 45 quilômetros da foz, até há poucos anos tinha uma lamina de água de 45 a 55 metros. Hoje, qualquer um pode atravessar o rio a pé, de moto ou a cavalo. As águas do rio chegam ao mar apenas por dois pequenos canais nos lados extremos da ponte. Quem duvidar, é só ir lá ver o desastre.

Ayres Brito
Já na constituinte de 46, o deputado Manoel Novaes, baiano de Pernambuco, voz de trovoada, cara grande e generosa de sertanejo, destinou 1% da receita da União para aplicação no Vale do São Francisco:

"Cometeremos um erro insanável se adiarmos por mais tempo seus problemas. As chuvas da região se tornam irregulares de ano a ano, as condições de navegabilidade pioram, as erosões das margens se alargam e obstruem o leito, a evaporação das águas aumenta".

Sessenta anos depois, o São Francisco volta a ser o centro de um aflito debate nacional. O governo apresentou um projeto multibilionário dizendo que é para transportar uma parte de suas águas e distribuí-las por estados do Nordeste. Tudo certo, se o rio tivesse saúde. Mas o rio está cada vez mais doente. Doente não doa sangue. O bravo ministro Carlos Ayres Brito, do Supremo Tribunal, sergipano, nascido às margens do rio, protesta:

"Promover a transposição de águas do São Francisco equivale a fazer transfusão de sangue de um doente terminal na UTI".

O crime
E o governo quer matá-lo, a serviço dos empresários da irrigação e das grandes empreiteiras, com a desculpa de que é para levar água de beber. Tinha razão Guimarães Rosa: "A história do São Francisco tem sido a história do sofrimento de um rio que há mais de 500 anos é fonte de vida".

Quando Américo Vespucio o descobriu, em 4 de outubro de 1501, dia de São Francisco, os índios o chamavam de "Opará, rio-mar". E era: 3.161 quilômetros. Nos tempos das caravelas, elas paravam em pleno oceano para se abastecerem com água doce. Hoje, é o mar que avança até 150 quilômetros.

Às margens, surgiram mais de 500 municípios, com brutal desmatamento. As civilizações nasceram dos rios. O primeiro conflito registrado na história é bíblico, há 4 mil anos, está no Gênesis: entre pastores, pelo acesso à água de um poço em Berseba, na Judéia. Abrahão teve que resolver.

A solução
O Banco Mundial se negou a financiar o projeto do governo, porque seus técnicos o consideraram "oneroso e desnecessario: com uma fração dos recursos que serão gastos no projeto (entre 10 e 15 bilhões de reais) se poderia levar água potável a todos os habitantes do semi-árido brasileiro".

Qual então a solução? De onde viria a água? "O Nordeste já tem a maior reserva de água acumulada do mundo, em mais de 70 mil açudes e 300 mil poços (o mundo tem 300 milhões de poços, os Estados Unidos, 100 milhões). Só o Castanhão, no Ceará, acumula 37 bilhões de metros cúbicos, 15 vezes mais do que toda a Baía de Guanabara. Orós, o terceiro maior açude, até hoje não teve aproveitado nem 10% de seu potencial".

É só interligar os açudes através de uma grande malha de adutoras, aproximadamente 20 quilômetros, obra em grande parte barata, que pode ser de plástico. O Nordeste tem, embaixo da terra, "verdadeiro mar de água doce, a maior reserva de água de subsolo do País, como informa o Projeto Radam: 135 bilhões de metros cúbicos de água lá armazenados".

O livro
E o governo quer gastar R$ 15 bilhões em 700 quilômetros de canais de concreto de 25 metros de largura e 5 de profundidade, e 6 barragens de captação bombeando água até 304 metros acima do nível do rio, para grandes projetos de irrigação em Pernambuco, Paraíba, Ceará e RN.

Todo esse escândalo está em um livro definitivo: "Toda a verdade sobre a transposição do Rio São Francisco" (Ed. Mauad-RJ), de 10 mestres universitários coordenados pelo ex-governador João Alves Filho, a ser lançado segunda, dia 10, às 19h (Livraria Cultura, Av. Paulista, 2073, São Paulo).

Sebastião Nery

Marolas, juízes e banqueiros

O processo civilizacional brasileiro deu mais um passo adiante, nesta semana, mais uma vez orientada pela imensa sabedoria dos juristas que têm assento no Supremo Tribunal Federal. Sem eles, jamais poderíamos viver tranqüilos, pois eles, mais que ninguém, eles estão ali para nos indicar que, mais erra um juiz de primeira instância que um banqueiro de origem jeremoabiana no poder, sabe Deus e Antonio Carlos Magalhães, o vice-rei da Bahia, morto recentemente, como. Aliás, conta-se que perguntado por que não convidava Daniel Dantas para assumir cargos públicos em seus domínios, ACM teria dito que o referido banqueiro, afortunado nas privatizações promovidas no governo de Fernando Henrique Cardoso, não era uma pessoa de espírito público.

Conhecedor do que o poder, ou o seu simulacro, é capaz de fazer ao espírito dos homens, ACM soube evitar esse tipo de problema aos brasileiros, que, parece, ele tanto prezava. O mesmo, contudo, não ocorreu ao “príncipe dos sociólogos” quando esteve sentado na cadeira do poder maior do Estado brasileiro. Por conhecer muito de sociedade e dos homens, o professor fundador do PSDB ofereceu uma cadeira de juiz na suprema corte brasileira a pessoas de “imenso saber jurídico”, e agora que um desses sábios está bem sentado na cadeira presidencial daquela corte, assistimos, para a nossa segurança, exposições claras em defesa de banqueiro sob suspeita de ilícito, ao mesmo tempo em que ocorrem ataques ao juiz que, coitado, julgava que devia encontrar meios de defender a sociedade da ação daquele que ACM desconfiava de seu “espírito público”. Os juízes do Supremo Tribunal Federal decidiram que o banqueiro, suspeito de ato ilícito (palavra bonita que evita dizer crime, que leva à idéia de criminoso; essas palavras - crime, crimonoso - devem ser aplicadas apenas àqueles que entram nos bancos para cometerem o crime de depositar suas poupanças no templo do Mamon),o banqueiro Dantas, não deve ser citado no processo que o indica como um dos meliantes. Esse banqueiro, afirmam os juízes, não pode ser julgado, ele está acima das normas.

Quanto ao juiz que agiu contra o banqueiro, poderá vir a ser acusado de não respeitar alguns dispositivos das normas legais, ser acusado de relapso; especialmente por ter errado o nome de um dos juízes, o magistrado Eros Graos. O grave erro que demosntra a sua incompetência foi ter adicionado um Mello ao Eros. Mello é nome de um outro juiz daquela casa. Esse juiz é mesmo incompetente, além de por sob suspeita um banqueiro, um especulador, em uma república que tem o orgulho de promover os maiores lucros aos bancos em todo o mundo, ainda vem misturar os nomes dos juízes, como os amantes misturam seus sangues!!! Esse juiz tem que ser castigado, julgam os "senhroes do saber jurídico" para aprender que os juízes existem, não para defender a sociedade, mas para defender a “letra da lei”. A lei tem que ser aplicada sem qualquer rasura. Assim é que agem os fariseus, já ensinava o Mestre da Galiléia, que tem uma imagem sua pendurada em uma das paredes do tribunal. Quem sabe ele está repetindo, a cada momento: “Pai, (ou país), perdoai, eles não sabem o que fazem”.

Por coincidência e sem relação alguma com o que estava sendo decidido em Brasília, em outra região do país, o delegado que agiu para encontrar provas capazes de incriminar o banqueiro e seus amigos, está sob investigação. Ele recebeu a polícia no apartamento do hotel em que estava hospedado, ás cinco da madrugada, pois se estava cumprindo um mandato de busca emitido, à mão, durante a noite, por um juiz que não concorda com aquele outro que determinou se fazer busca na casa do banqueiro e de um ex-prefeito. Um dos motivos que levou o presidente do STF a anular a prisão do banqueiro e seus colegas de trabalho, foi o abuso e o inusitado da hora, a madrugada, tirando aquelas pessoas do seu necessário repouso, após um dia dedicado ao trabalho honesto.

Enquanto isso, o Itaú comprou o Unibanco. Este, falido e que tinha como propaganda um dizer: nem parece um banco!!!

Agora sim, somos potência! temos um dos vinte maiores bancos do mundo. Ainda bem que o governo dos trabalhadores facilitou empréstimo consignado aos aposentados e, está liberando verba para os bancos das montadoras de automóveis continuarem a endividar os trabalhadores, evitando que eles (os bancos e as montadoras) sofram qualquer preúízo.

Precisamos manter o salário mínimo a quase R$ 500.00, embora o DIEESE nos diga que, para cumprir o que diz a Constituição, o mínimo devia ser R$2.400.00. Qualquer mudança poderá afetar a oferta das bolsas de distribuição dos restos da renda. Precisamos manter o alto índice de concentração de renda.

Mas eu gostaria de poder entender melhor essa marola toda!

So quero completntar esse meu comentário, com o comentário de Hélio Fernandes na Tribuna da Imprensa de hoje, dia 8 de novembro:

A Folha de São Paulo publicou ontem, com chamada na Primeira, a apreensão de documentos, realizada pela Polícia Federal, no apartamento do delegado Protógenes Guimarães. No Rio e no hotel em que se encontra hospedado, em Brasília. Motivo: o vazamento de informações na Operação Satiagraha, que terminou com a prisão de Daniel Dantas e Naji Nahas, libertados por habeas corpus expedido pelo ministro Gilmar Mendes, presidente do Supremo.

Mas qual foi o juiz que autorizou a chamada BUSCA E APREENSÃO? O juiz Ali Mazloun, afastado da magistratura desde 2003. Qual a razão do afastamento? Acusado de VENDA DE SENTENÇAS. (Textual).
Isso foi provado e comprovado na OPERAÇÃO ANACONDA. Esse juiz (?) foi reconduzido há pouco tempo por decisão do próprio Supremo.

Depois de afastado por 5 anos, cabe a esse "juiz" determinar a BUSCA E APREENSÃO no apartamento do delegado Protógenes.
Quem acredita em coincidência, principalmente quando atinge o mais alto Tribunal do País?

quarta-feira, novembro 05, 2008

A vitória da mestiçagem

A cada dia aprendemos um pouco mais sobre as possibilidades que temos em criar novos caminhos.

Minhas mais antigas lembranças sobre os Estados Unidos da América me levam ao início da minha adolescência; estava entre onze e doze anos. Então eu via as primeiras imagens através da televisão do Seminário Menor Imaculada Conceição, que funcionava na Várzea. Ainda carrego a visão de aviões americanos ameaçando navios russos que navegavam em direção da ilha de Fidel Castro. Como hoje eu sei, não sei bem essas imagens são as que ficaram na minha memória ou se, o que trago hoje são as imagens que foram sendo fixadas posteriormente por outras imagens e novas memórias atualizadas. Porém, não há como esquecer o ambiente de tensão que dominava os mais velhos e contagiava aos mais jovens. Eram os tempos de John Kennedy, o presidente católico, em um país protestante, que juntava seus atos aos do pastor batista Martin Luther King Junior, na luta pelos direitos civis, estabelecendo uma norma que obrigava escolas racistas a aceitarem alunos negros. Era um presidente branco e católico que estava ao lado de um negro protestante.

Essa luta pelo reconhecimento dos direitos humanos, a luta para superar a segregação racial e social, é uma outra lembrança distante e que me acompanhou o resto da minha vida, e acredito, a quase todos da minha idade.

Havia já, nos Estados Unidos da América do Norte, escolas e universidades para negros, inclusive a que formou o doutor Luther King. Mas se tratava de criar uma nova nação, pois havia uma parte que recusava admitir que a guerra do século XIX havia determinado a igualdade na América. Foram quase cem anos. Naqueles anos eram poucos os negros que apareciam no mundo social e artístico nos USA, ainda que fossem, como se diz no Brasil, bem educados. Parte da juventude dos meus contemporâneos foi de acompanhamento daquela luta. Do nosso lado, aqui no Brasil, embora não houvesse uma apartação física e explícita, nós, os que somos negros ou mestiços, tínhamos que trilhar caminhos semelhantes para ocupar espaços na sociedade. A dissimulação auxiliou nossa sociedade a caminhar mais lentamente na direção da igualdade de chances para todos. Ainda estamos lutando para que os bairros pobres tenham escolas que permitam aos mestiços pobres dominarem as tecnologias que nos permitam ocupar, em igualdade os espaços de oportunidades. Às vezes até já estamos nesses espaços, mas a dissimulação dos menos mestiços, os que se pensam brancos e um Brasil só de brancos, continuam a por, aos mestiços, os desafios de superação.

Pois bem, menos de cinqüenta anos depois daquelas caminhadas de Martin Luther King, daquela manhã em que a Guarda Nacional dos Estados Unidos da América forçou os portões de uma escola no sul, para que uma criança negra pudesse sentar-se ao lado de uma criança branca e estudar, com os mesmos professores, um mestiço, filho de um negro africano e de uma branca americana, foi eleito presidente dos USA. Um americano mestiço, em um país em que os “afro-descendentes” são minoria, foi eleito presidente do país. E, diferentemente do que disse o jornal de uma emissora de televisão brasileira, (essa emissora não consegue encontrar um jornalista-comentarista mestiço) não foi uma vitória do homem Barak Obama, não foi uma ação de um indivíduo, como querem nos levar a pensar: a eleição de Obama para a presidência dos Estados Unidos foi uma decisão do conjunto do país. Não foi a vitória do indivíduo, não foi a vitória do gueto, não foi a vitória do grupo étnico, essa foi a vitória da mestiçagem. Não multiculturalismo justaposto dos guetos, mas a convivência e a absorção corajosa; Essa eleição não foi a simples tolerância, da diferença. foi algo mais.

Isso é o que faz surgir o novo. O novo na humanidade nunca veio do isolamento, dos distanciamento, mas sempre tem sido conseqüência da interpenetração das culturas, dos sentimentos, dos desejos, dos projetos.

Contudo, isso não tem sido realizado sem tensões e confrontos. Como está escrito em livro sagrado para os cristãos, no corpo das mulheres e na ansiedade dos homens no momento das dores de suas mulheres: os partos vêm acompanhados de dores.

segunda-feira, novembro 03, 2008

Rituais de fé católica - novidade da tradição no Recife

Ao ler interesaante matéria publicada no Diário de Pernambuco, neste domingo, deixei-me levar por um desejo de expresar meus pensamentos a respeito.

Estava bem mais certo o historiador inglês Arnold Toynbee que alguns outros, ao indicar que, no século XXI, as pessoas estariam mais agrupadas em ninchos étnico-cultural-religiosos e neles encontrariam suas identidades. Levantava-se, o historiador das civilizações, contra a tendência que afirmava o fim das religiões.

O que temos visto nessa primeira década do milênio é um reavivamento de um ardor religioso que pode ser visto, também como um novo surgir fundamental, tal como ocorreu na segunda década do século XX, nos Estados Unidos da América do Norte, que gerou o fundamentalismo moderno que se impôs nos anos Bush. Esses reavivamentos são encontrados em diversos momentos da história do homem, e não apenas do homem ocidental. Há um permanente entusiasmo dos homens diante do enigma ou mistério, especialmente do mistério, pois toda a religião é misteriosa, quer dizer, vai além do enigmático. Enígmas são resolvidos racionalmente. Além dos mistérios, as religiões vivem de ritos que celebram o misterioso e esses ritos e rituais giram em torno de arquétipos, de experiências comuns e mais profundas dos seres humanos.

Vez por outra, nos surpreendemos com o retorno de alguns rituais, típicos dos cristãos, mais especificamente dos cristãos católicos, pois o catolicismo, mais que a racionalidade pós renascentista, expõe a sua fé de maneira mais simbólica, menos abstrata. Um dos mais antigos rituais católicos é a adoração do Santíssimo Sacramento. Quando, nos dias de hoje, nesse ritual se canta versos escrito por Tomaz de Aquino, versos escritos no século XIII, percebemmos como há certas permanências. Nos anos posteriores á Reforma ocorreu um re-acender espiritual em torno do sacramento da Eucaristia, uma afirmação da doutrina que estava sendo contestada por Lutero e pelos demais reformadores. Interesaante que há um livro que estuda esse fenômeno na Europa do século XVII intitulado A RELIGIÃO DOS POBRES.

No início do século XX, o papa Pio X promoveu um forte movimento em torno da Eucaristia e da comunhão diária, inclusive estimulando os católicos a se aproximarem da ceia sagrada logo após a criança atingir a chamada idade da razão. Em todo o mundo católico foram organizadas as “cruzadas eucarísticas” que mantinham adolescentes católicos quase diariamente nas igrejas em busca de comunhão. Outras associações pias, como o Apostolado da Oração, as Filhas de Maria, Vicentinos, para citar algumas, colocavam a visitação ao Santíssimo Sacramento como momento especial de suas vivências religiosas. Os padres sacramentinos, cujo nome já indica qual o seu carisma, promoviam adoração permanente ao Santíssimo na Matriz da Boa Vista, e nisso havia uma relação com as associações pias e as paróquias.

Não é novidade a presença de cristãos católicos prostrados diante o ostensório. Essa foi sempre uma prática que distinguia os católicos dos demais cristãos do mundo ocidental. Também não pode ser surpresa que, em momento quando aparece a publicação do declínio numérico dos católicos, que haja uma retomada dos símbolos mais explícitos e tradicionais do catolicismo. Talvez seja uma reação ao catolicismo bem mais iluminista, que foi decorrente da aplicação dos decretos do recente Concílio. Estará ocorrendo um re-avivamento dessa tradição cristológica dentro do catolicismo? Se for isso, não há que se estranhar muito. A hiostória é dialética, não acontece de maneira linear.

As religiões vivem da fé, e ela não é racional. Nunca foi. Os religiosos continuarão a viver as suas crenças; cabe aos estudiosos procurarem entender as razões que levam a esses constantes momentos de re-avivemento, e não julgar se esses crentes estão certos ou errados por não serem tão racionais quanto os que não praticam mais esses rituais.

quarta-feira, outubro 29, 2008

Feriados cívicos e feriados religiosos

Esta semana que termina o mês de outubro nos apresenta oportunidades múltiplas para comentários. Comentário comum poderia ser sobre as eleições que tivemos neste mês, quando foram eleitos prefeitos e vereadores para as cidades brasileiras, mas com os políticos profissionais voltados para a sucessão do atual presidente, podemos abandonar essa idéia. Não fosse a crise econômica, inicialmente vista, como uma pequena marola, pelos atuais assentados nos tronos do planalto central do país, poderíamos dizer que se comentaria o início do fim do governo atual. Mas não teremos ainda, para a maioria, um governo de “pato manco”. Mas esse é um assunto por demais evidente.

Outro assunto poderia ser a eleição do próximo presidente dos Estados Unidos da América do Norte, que tem sido apresentado como um acontecimento histórico por poder ser visto como uma encruzilhada: duvida-se que os WASP (brancos, anglos, saxões e protestantes) já estejam preparados para ter um governante Negro (no Brasil seria mestiço), Asiático (em parte), Africano (em parte) Muçulmano (na origem), mas Protestante ao longo da vida. BAAMP seria a sigla em inglês. Vamos deixar esse assunto para outros mais interessados e mais capazes de entender as urnas americanas antes de elas serem aberta.

Mas o mês de outubro, além de ter, no México, o dia da Raça que é o 12 de outubro, que lembra o dia da invasão Européia neste continente, tem o dia da criança. Entre nós essa data veio a ter dois significados: um, o dia da Criança, e o outro, o dia dedicado a Nossa Senhora Aparecida, que foi declarada padroeira do Brasil, e, que por conta disso veio a ser um feriado religioso. Mas, com o advento da dita revolução de 1964, deixou de ser feriado obrigatório para todos os brasileiros. Isso ocorreu no governo de Castello Branco, que quase acabou com os feriados, pois havia feriados em excesso, o que prejudicava a produção industrial que se queria. Outro feriado de outubro foi o dedicado aos professores, além daquele dedicado aos funcionários públicos. Também teve um dedicado aos comerciários. Se todos fossem parados, imaginem o prejuízo que a indústria e o comércio teriam!

Cada sociedade elege seus feriados, seus dias de comemoração, de lembrança e respeito ao que foi feito pelos antepassados e que fazem parte de sua história.

A formação do Brasil foi marcada pela experiência católica, que sempre foi uma experiência que se manifesta festivamente, sempre em alegria. E como a construção do Brasil esteve trançada com a experiência católica, as datas que celebram a formação do Brasil sempre estiveram acompanhadas dos símbolos católicos. Depois da instituição da República, começamos a rever os nossos símbolos e como adequarmo-nos à nova realidade política e cultural. Thales de Azevedo chega a nos ensinar que, com a República, se fez uma religião civil. Os heróis nacionais passaram a substituir os santos e, as passeatas do dia 7 de setembro, substituíram outras procissões e outras passeatas.

O Brasil vem a prendendo a ser menos católico, tanto em número de pessoas, quanto em número de feriados. Mas como os católicos são maioria da sociedade, aos demais grupos fica a impressão que ele, o grupo católico, parece ser o único e privilegiado. Na verdade os muitos grupos religiosos estão cada vez mais atuantes na sociedade;

Vejamos que se hoje o dia 12 de outubro é feriado, foi um decisão tomada por quem estava na presidência da República, no caso, João Batista de Figueiredo. Não é mais um feriado porque é religioso, não foi uma decisão religiosa, mas uma decisão política em utilizar um elemento religioso apreensível por uma grande parte da população. Interessante é que o ditador definiu aquela data como feriado cívico após um período de sofrimento para alguns católicos e de crescimento das igrejas protestantes. Parece ter sido um prêmio de consolação. Mas, como se sabe, os religiosos não utilizam muito a razão, pois a razão religiosa é um razão emocional. Talvez por isso tenha ocorrido um famoso chute na santa, em um programa de televisão. E isso foi em relação ao feriado do dia 12 de outubro, que os católicos aproveitam para celebrar a Aparecida. Em um país laico, sem uma religião oficial, realmente não tem sentido um feriado religioso. Todos os feriados devem ser voltados para a glória do Estado, para fortalecer a idéia da Nação.

Assim, é interessante notar que aos poucos vamos agregando novos dias que podem se tornar feriados. É o caso do dia 31 de outubro, hoje já feriado em algumas cidades, como a do Cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco. Esse feriado foi criado no Cabo de Santo Agostinho para celebrar o Dia da Reforma Luterana, lembrando o dia em que Martinho Lutero teria colocado as suas teses na Igreja de Wintemberg, Alemanha, e que deu início ao movimento de Reforma Religiosa, ou Protestante.

Bem, agora já temos o dia da Reforma Protestante no Cabo de Santo Agostinho, no Rio de Janeiro e em Brasília. E isso é resultado de uma sociedade que cultiva o pluralismo religioso. Daqui a pouco tempo vai ficar difícil, para as Igrejas protestantes reclamarem dos feriados católicos e judaicos, exceto se quisermos fazer crescer o nível de hipocrisia social.