terça-feira, novembro 27, 2007

A Arte Rococó - um estudo de alunos do V período de História

Este texto é produção de Debóra Claizoni e João Marcelo Marques Ferreira filho. alunos do 5º período do curso de História da UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO. Está posto aqui para que seus colegas tenham acesso, utilizando este espaço. Além disso, este assunto pode interessar a muitos.


Professor: Severino Vicente da Silva
História Moderna II: A Arte Rococó
José Marcelo Marques Ferreira Filho
Débora

A ARTE ROCOCÓ

I. INTRODUÇÃO

Conceituar a arte sempre foi um grande problema, visto seu caráter de grande subjetividade, no entanto, o que não se poder negar, é que a arte é universal, produto de um ato criativo e que a cada instante ela corresponde direta ou indiretamente, às concepções ideológicas da sociedade a que aparece. Por ser uma linguagem composta de imagens e símbolos, pela qual os homens se comunicam em termos mais perceptivos do que conceituais, a arte envolve a participação tanto do artista criador quanto de seu público. “O homem não é um receptor passivo de imagens e impressões, mas também um agente do processo criativo. Ao entrar em contato com a obra de arte, precisará recrutar uma série de imagens, percepções e impressões correspondentes, frutos de sua própria imaginação e experiência”.[1]
Nesse sentido, tanto a personalidade do artista, quanto o inconsciente e o ambiente do artista, influenciam na forma de produzir e interpretar uma obra de arte. “Para compreender uma obra de arte, um artista, um grupo de artistas, precisamos representar para nós mesmos com exatidão o estado geral de espírito e dos costumes da época a que elas pertencem”[2]. A forma de perceber as coletividades humanas se transforma ao mesmo tempo que seu modo de existir.[3]
Consciente ou inconscientemente toda arte possue uma intenção estética, isto é, com o fim de alcançar resultados belos. Se bem que o ideal de beleza seja de caráter subjetivo e varie com os tempos e costumes, todo artista – seja ele pintor, escultor, arquiteto, ou músico e escritor – certamente investe mais na possível beleza de sua obra do que na verdade, na elevação ou utilidade que possa ter.
É sob essa discussão, que partimos para estudar a arte rococó do século XVIII, na Europa Ocidental. Nosso caminho, nessa breve discussão, partiu das análises da própria sociedade e das mudanças que vinham ocorrendo nas áreas política, econômica, religiosa e ideológica, e perceber como todas essa mudanças, influenciaram na forma de pensar e fazer arte.
O rococó foi fruto desse século, onde as críticas iluministas aos ideais absolutistas não somente no campo político e econômico, mas também nas artes, provocaram o surgimento dessa arte um pouco tradicional e um pouco moderna (como toda arte). Para alguns, o rococó foi à fase final do Barroco, o chamado Barroco Tardio, para outros, foi uma arte nova, porém com alguns traços barrocos. Todavia, independente de onde esteja classificado, o estilo rococó possue características peculiares que tentaremos abordar no recorrer desse trabalho.


II. O Conceito de Barroco e suas principais características: Um estudo de Arnold Hauser


Ao contrário de alguns dos estilos precedentes, o barroco assume-se, na concepção de Arnold Hauser, como expressão de uma cosmovisão intrinsecamente mais homogênea, mas que integra grande variedade de formas nos diversos países europeus[4]. Por não ter sido um estilo que se propagou uniformemente na Europa, além de englobar uma grande diversidade de ramificações do esforço artístico, assumiu formas particulares em cada país e esfera cultural, dificultando e até mostrando-se duvidoso a possibilidade de reduzi-las a um denominador comum.
Desta feita, parte-se para uma compreensão dos diversos barrocos (o dos círculos cortesãos, o da classe média, o protestante, etc.) e suas inúmeras subdivisões secundárias como “cortesão-católico” e subseqüentemente para classificação recente da arte do século XVII, que como um todo, foi designado genericamente por barroco.
Usado pela primeira vez no século XVIII, o conceito de barroco tinha sua aplicação limitada apenas àqueles fenômenos que eram considerados extravagantes, confusos e bizarros, em decorrência e de acordo com a estética classicista predominante.
Hauser faz sua crítica acerca da limitação da percepção dos classicistas como Burckhardt e Croce, para ele, “puristas posteriores que são incapazes de libertar-se do racionalismo freqüentemente tacanho do século XVIII”[5]. Estes “puristas” classificavam o barroco sob uma perspectiva superficial e influenciada também, por convenções acadêmicas hostis à arte moderna. Partindo desse pressuposto e mostrando-se contrário à classificação feita pelos classicistas, Hauser encontra em Wolfflin e Riegl, uma reinterpretação e reavaliação do barroco, no sentido em que o termo é entendido hoje. Esta tarefa, só foi possível na visão de Hauser, com a prévia assimilação do impressionismo.
Wolfflin fundamenta suas categorias do barroco aplicando os conceitos do impressionismo a uma parte da arte do século XVII, ignorando de modo geral, qualquer apreciação do classicismo seiscentista. Assinala no século XVII o início de uma tendência impressionista, sem reconhecer que aspectos como, “a subjetivação da cosmovisão artística, a transformação do ‘tátil’ no ‘visual’, de substância em mera aparência”[6], se consumaram no barroco, mas foi preparado pela Renascença e maneirismo. Desta feita, Hauser contrapõe-se a essa forma de Wolfflin conceber o curso da história da arte, ou seja, como função auto-suficiente, ignorando a verdadeira origem da mudança de estilo, que para Hauser se localiza nos pressupostos sociológicos.
O sistema desenvolvido por Wolfflin baseia-se em cinco pares de conceitos, onde em cada um dos quais uma característica da Renascença é colocada em contraposição à uma qualidade do barroco, refletindo assim “o desenvolvimento no sentido de uma concepção de uma arte mais estrita para uma mais leve”[7]. As categorias wolfflinianas são as seguintes: (1) linear e pictórico; (2) plano e recessão; (3) forma fechada e aberta; (4) clareza e ausência de clareza. (5) multiplicidade e unidade[8].
Com base na estrutura desenvolvida por Wolfflin, Hauser conclui que a base da concepção de Wolfflin do barroco seria a busca do “pictórico”, ou seja,

(...) a dissolução da forma linear, firme e plástica em algo movente, adejante e incapaz de ser apreendido; a obliteração de fronteiras e contornos, para gerar a impressão de ilimitado, de incomensurável e de infinito; a transformação do ser estático, rígido e objetivo em um vir-a-ser, uma função, uma interdependência entre o sujeito e objeto[9].


Desta feita, Hauser assume as bases de Wolfflin, na intenção de conceituar o barroco através da idéia que se pretende passar ou expressar, considerando assim, o barroco como expressão dinâmica, oposição a tudo o que é estável, estabelecido, rompendo com o irremovível, o barroco traz “uma visão do mundo em que o espaço é entendido como algo em processo de formação, como uma função”[10]. Delineada sua postura, o autor segue para tratar dos elementos do barroco sob uma nova perspectiva, ressaltando o caráter móvel, relativo e instável do mesmo.
As figuras trazidas para perto do espectador e a súbita diminuição dos motivos no plano de fundo exemplifica o modelo de espaço, concebido pelo barroco, de mobilidade intrínseca. Para Hauser, o observador, diante desse modelo, “sente o elemento espacial como uma forma de existência que lhe pertence”[11].
As composições da arte barroca seriam em parte “a-tectônicas”, abertas, que dão a impressão de ser incompletas e desconexas, apontando para além delas mesmas, no sentido de continuação. É nesse sentido que Hauser afirma:

Tudo o que nela é sólido e estável começa a vacilar; a estabilidade expressa pelas horizontais e verticais, a idéia de equilíbrio e simetria, os princípios de enchimento da superfície e de ajustamento da pintura à linha da moldura são depreciados; um lado da composição é sempre mais enfatizado do que o outro; ao observador é repetidas vezes mostrado o aparentemente acidental, improvisado e efêmero, em vez dos aspectos ‘puros’ da face e do perfil[12].


Nesses elementos acima, Hauser nos traz a idéia de fugacidade do barroco, onde este é vivido como um espetáculo passageiro. Nessa linha de reflexão ele afirma que “a concepção artística do barroco, é, numa palavra cinemática”,[13] ou seja, as forças que movem ou impulsionam àquele movimento é indefinida, ratificando a idéia de que a arte barroca reflete a intencionalidade do artista em tornar difícil ver sua arte como um todo lúcido. Essa atitude do artista leva Hauser a associar a complexidade da arte ao potencial de percepção do observador e seu nível de conhecimento e cultura, afirmando assim, que “quanto mais culto, exigente e inteligentemente interessado em arte é o público, mais ele pede essa intensificação dos estímulos artísticos”[14].
As características do barroco são para Hauser “a expressão do mesmo impulso anticlássico para o irrestrito e o arbitrário”[15], onde apenas uma das categorias examinadas e definidas por Wolfflin, o empenho de obter a unidade, expressa o crescente desejo de síntese e conseqüentemente, de um mais rigoroso princípio de composição. Hauser analisa essa categoria de unidade, na direção em que o detalhe individual não possui significação em si mesmo, contrapondo-se a exemplos de composição como a de Leonardo ou Rafael na Renascença, em que os elementos singulares ainda podem ser apreciados isoladamente. Essa estrutura das composições barrocas denota, para Hauser, composições mais ricas e complexas, onde o artista aborda seu tema com uma visão unificada, onde o isolado e particular acaba perecendo, ou seja, destrói-se o significado independente das formas detalhadas.
Outro elemento levantado por Hauser é o papel e a influência de uma nova concepção cientifica decorrente da descoberta de Copérnico, “de que a Terra desloca em torno do sol em vez do universo mover-se ao redor da Terra”,[16] que remete à reflexão e à mudança do lugar atribuído ao homem no universo pela Providência. Sobre essa questão, Hauser afirma:

(...) a partir do momento em que a Terra já não podia continuar sendo considerada o centro do universo, tampouco o próprio homem poderia ser visto como a finalidade última da criação. Mas a teoria copernicana significou não só que o mundo deixou de gravitar em torno da Terra e do homem, mas também que não existia absolutamente nenhum centro, consistindo o mundo apenas numa quantidade de partes homogêneas e equivalentes, cuja unidade era manifestada, de modo exclusivo, na validade universal da lei natural[17].


Essa teoria faz surgir o conceito de uma nova necessidade, diferente da predestinação teológica e arbitrariedade divina, agora enfraquecida, como também da “idéia da prerrogativa humana de graça divina e de participação do homem na existência supramundana de Deus”[18]. O homem torna-se irrelevante e insignificante nesse mundo desmistificado. Para Hauser, essa nova organização de posições, fez com que o homem desenvolvesse um novo sentimento de orgulho e amor-próprio, onde diante da consciência de compreensão do universo em que ele é apenas uma parte, “tornou-se a fonte de uma autoconfiança ilimitada e sem precedentes”[19].
O homem então, se desloca de uma cosmovisão antropocêntrica para uma consciência cósmica que transmite a idéia de “uma continuidade infinita de inter-relações em que o homem está envolvido e as quais contêm as premissas essenciais de sua existência”[20].
Por fim Hauser afirma que “a totalidade da arte barroca está repleta desse frêmito, cheia do eco do espaço infinito e das afinidades entre todos os seres”,[21] ratificando a idéia que introduz esse tópico, de abrangência do sentido e do conceito do que veio a ser o barroco, além da constante preocupação desse autor para com os riscos de limitar o barroco à características que remetem a homogeneidade do estilo.

III. O rococó e a arte do século XVIII


O XVIII, foi o século em que a prosperidade da classe média a tornou mais conscientes de seu próprio potencial artístico, o Absolutismo na arte, política, economia, cedeu lugar ao liberalismo e o relativismo. Essa classe media alta se tornou à cliente ideal das artes. Nesse momento, os clientes particulares apreciadores da arte e que passaram a comprar e ler livros com regularidade, substituíram os rei e o Estado como os grandes patrocinadores das artes. A antiga aristocracia palaciana sustentava as artes e os artistas mais por razões de prestigio e para aumentar seu conceito perante a sociedade, do que pelo real valor de suas realizações. O que vai caracterizar o século XVIII é a arte pela arte, arte como prazer e repouso, e os novos patrocinadores eram, de certa forma, mais sensíveis às artes que os monarcas. “A arte pela arte é no fundo uma teologia da arte; dela resultou uma teologia negativa da arte, sob a forma de uma arte ‘pura’, que não rejeita apenas toda função social, mas também qualquer determinação objetiva”[22].
Nessa época, pertencer à classe dominante dependia cada vez mais de um nível cultural comum e de concordâncias ideológicas, e a leitura já se conceitui uma das necessidades da vida, e a posse de livros e tão comum nessa época, quanto seria motivo de surpresa no período anterior. A cada ano, mais e mais livros são publicados.
A arte iluminista, visava deleitar uma sociedade ociosa, na qual ser tedioso era o único pecado, e a necessidade de criar um mundo em que as ocupações dos ociosos parecessem importantes fez com que a arte se transformasse num antídoto para o tédio. O prazer era o único princípio, e satisfazer os gostos sensuais dos clientes era uma das principais funções do artista.
Esse foi o século onde os homens estavam menos inibidos por minuciosos tabus sexuais, onde dificilmente alguma coisa os escandaliza. O afrouxamento da disciplina geral e a crescente falta de religiosidade, leva a sociedade a uma conduta mais livre de restrições, onde a arte se torna mais humana e acessível e menos despretensiosa.
Por se tratar de uma época em que os homens estão menos preocupados com o mundo metafísico e contemplativo, e com os princípios do estático, do típico e do convencional, a nova forma de arte que surgiu com o rococó, passou a servir também aos comuns dos mortais e aos “fracos de espírito” do que aqueles viviam em função do espiritual e do sobrenatural. O rococó é uma arte que “considera os critérios do agradável como mais decisivo do que o espiritualismo”[23].
O rococó foi uma arte de transição e repleta de tendências contraditórias, era o local de encontro entre a tradição e a liberdade, entre o formalismo e a espontaneidade; e que de certa forma vaio firma os objetivos artísticos da renascença com o “retorno da razão”.
Aproximando-se dos gostos da burguesia, que gradativamente foi tomando posse dos instrumentos de cultura, no rococó, a arte se torna cada vez mais pessoal, e o artista não aceita mais soluções prontas. O individualismo e a paixão pela originalidade, tomaram o lugar da tradição.
O rococó se situou precisamente entre o barroco e o romântico e foi considerado o ultimo estilo universal da Europa Ocidental, foi uma arte sobretudo decorativa que veio substituir o maciço barroco. O nu e o galanteio eram seus temas favoritos; com o rococó, correu uma grande mudança no ideal de beleza feminina, que se tornou mais malicioso e mais sofisticado. O rococó, foi sobretudo uma arte erótica, onde as mulheres possuíam um espaço privilegiado.
O século XVIII, também arca o fim das tendências para o monumental, o cerimonioso e solene, para o retorno a uma arte mais leve e intimista, o refinamento dessa sociedade se reflete no rococó.

IV. A arte Rococó e suas principais características

A arte rococó ou estilo rococó aparece nas obras de alguns autores, como algo indefinido, no tocante à sua natureza e relação em detrimento do barroco. Hauser é adepto de que esse estilo possui muitos aspectos que dão continuação ao barroco e coloca-o como “conclusão do esplendor e da pretensão barrocas”[24]. Já Carlos Cavalcanti em seu livro História das Artes, ao definir o rococó afirma ser este “natural desenvolvimento do barroco”,[25] situando seu pensamento da seguinte maneira:

(...) enquanto no século XVII o barroco traduzira na sua energia, nas suas violências expressivas e no seu realismo de inspiração popular, a mentalidade e os interesses da burguesia manufatureira e mercantilista, que estava evoluindo para o estágio industrial e capitalista, em plena marcha para o poder político que conquistará com a Revolução Francesa, o rococó expressará na sua delicada elegância, caprichoso decorativismo e inspiração fantasista e mundana, o espírito, os interesses e os hábitos da aristocracia palaciana, ociosa e parasitária, em que se havia transformado a antiga nobreza feudal, militar e agrária, que marcara com o seu domínio a sociedade feudal. Assim é que expressão da burguesia, em ascensão como classe, o barroco foi sobretudo vitalidade e movimento, ao passo que expressão da aristocracia, classe em decomposição, o rococó será sobretudo fragilidade e graça[26].


Stephen Jones considera algumas das estruturas barrocas como origem de elementos do rococó, assim como Hauser o faz ao tratar da relação barroco-renascença.
Essa primeira questão nos leva a perceber a estreita relação do rococó com o barroco, seja qual for à definição ou idéia adotada por nós. Tanto em sua estrutura quanto em sua origem o rococó comunica-se com a arte precedente, à mesma hora em que anuncia novos padrões artísticos.
Esse estilo considerado eminentemente francês localiza-se prioritariamente no século XVIII. Sua denominação aparece pela primeira vez em 1830, tirada do vocabulário das artes decorativas, para designar a fase do barroco compreendida entre 1710 e 1780, levando-nos a correlacionar tal fato à sua considerada natureza, decorativa e ornamental.
Essa natureza torna-se elemento comum a todos que se dirigem ao rococó, bem como outros elementos que o delineiam e o define como o fato de ser a arte de uma aristocracia e de uma alta burguesia, a predominância de cores e tons suaves, pastéis, o cinza, o prata, o verde e o rosa, que associa ao estilo a idéia de charme travesso e pompa, ternura e espiritualidade, “tudo o que é produzido no barroco parece frágil, fútil, trivial”, o rococó traz à decoração suas curvas, motivos florais, conchas e arabescos, revela-se através da graciosidade, fantasia e erotismo.
É nesse sentido que o rococó desenvolve uma forma incrível de art pour l’art, através de seu culto sensual da beleza, sua linguagem afetada e elaborada, bem como aspectos que revelam elegância e o belo melodioso. Hauser o situa sob essa concepção, acrescentando que o “o rococó representa a fase final da cultura do gosto, na qual o principio de beleza exerce um domínio irrestrito, o último estilo em que o ‘belo’ e o ‘artístico’ são sinônimos”[27].
Os elementos que compõe e caracterizam o rococó nos diz e revela a preferência de temas como o nu feminino, a mulher e seu cotidiano retratado por pintores e escultores nesse período. Cavalcanti expressa bem esse fato ao dizer que o século XVIII “é o da mulher, cujas graças jamais tinham sido cantadas como souberam cantá-las Watteau, Fragonard e Boucher, os franceses que melhor representam essa pintura”[28]. Hauser também denuncia esse aspecto comum e bastante presente na arte rococó ao dizer:

Há um desejo constante e universal de se contemplar o nu na pintura; o nu passa agora a ser um tema favorito das artes plásticas. Para onde quer que se dirija o olhar, ou seja, para os afrescos dos aposentos nobres, para os gobelinos dos salons, para as telas dos boudoirs, as gravuras em livros, os jogos de porcelana ou as figuras em bronze sobre os solos das lareiras, por toda parte se vêem mulheres nuas, coxas e ancas roliças, seios desnudos, braços e pernas entrelaçadas, mulheres com homens e mulheres com mulheres, em inúmeras e intermináveis repetições[29].

Hauser levanta ainda, a mudança no ideal de beleza feminina que se torna mais malicioso e sofisticado. No barroco o ideal dessa beleza refletia-se nas mulheres maduras e bem fornidas, estas por sua vez perdem o lugar para as mocinhas esguias, muitas vezes, quase crianças nas pinturas. Hauser associa esse padrão à clientela a quem é destinada à arte colocando o seguinte:

O rococó é, de fato, uma arte erótica destinada a epicuristas ricos e blasés – um meio de intensificar a capacidade de gozo onde a natureza lhe fixou limites. Não é de estranhar que com a arte das camadas burguesas, o classicismo e romantismo de David, Géricault e Delacroix, o padrão feminino volta ser o tipo mais maduro e mais “normal” de mulher[30].

Outro tema recorrente sob a égide do estilo rococó é o bucolismo, que se apresenta mesclado aos costumes peculiares da sociedade requintada. Pastores e pastoras apresentam-se vestidos de elegantes trajes da época, restando apenas da situação pastoril, as conversas dos amantes, a ambientação natural e o distanciamento da corte e da cidade[31].
Hauser correlaciona a presença desse tema a uma espécie de divertimento do indivíduo em imaginar-se numa situação que acenava com a promessa de se libertar das amarras da civilização, preservando em contrapartida suas vantagens[32]. É nesse sentido que afirma:

Os atrativos das maquiadas e perfumadas damas eram intensificados pela tentativa de representá-las, maquiadas e perfumadas como eram, à guisa de viçosas, saudáveis e inocentes donzelas camponesas, e pela valorização dos encantos da arte através daqueles da natureza. A ficção continha, desde o inicio, as precondições que lhe permitiram converter-se no símbolo da liberdade em todas as culturas complexas e sofisticadas[33].

Hauser afirma também que esse desejo de viver a vida pastora não deveria ser interpretado literalmente, chamando à atenção para o aspecto fantasista que o rococó traz, essa situação pastoril converte-se em ficção que habilita o artista a aparecer disfarçado de pastor e a se colocar dessa forma distante da vida comum[34].
É através de seus temas e técnicas que observamos a revelação da fragilidade e efemeridade da classe cujos interesses e costumes tão fielmente buscou-se expressar – a aristocracia. Nas palavras de Carlos Cavalcante, “enquanto os ideólogos da monarquia absoluta a proclamavam eterna, pela vontade divina, os artistas do rococó a denunciavam com a mesma fragilidade, efemeridade e feminilidade do estuque, da porcelana e do minueto”[35].
O rompimento com o rococó inicia-se na segunda metade do século XVIII, quando na concepção de Hauser a cisão entre a arte das classes superiores e da das camadas burguesas é flagrante. Para Hauser a pintura de Greuze assinala o início de uma nova atitude diante da vida e uma nova moralidade, bem como um novo gesto na arte. Sobre esse novo gesto, Hauser coloca:

Suas sentimentais cenas familiares, com o pai que amaldiçoa ou abençoa, os pródigos ou bons e agradecidos filhos, são de escasso valor artístico. Falta-lhes originalidade na composição, o desenho é medíocre, as cores são insípidas e, além disso, a técnica de uma desagradável uniformidade. A impressão que causam é de frieza e vazio, apesar de sua exagerada solenidade, e de falsidade, apesar das emoções que pretendem exibir. Os interesses que buscam satisfazer são quase inteiramente não-artísticos, e apresentam seus temas, pictoricamente áridos e puramente narrativos o mais das vezes, de modo muito tosco, sem o menor esforço em traduzi-los para formas genuinamente pictóricas[36].

Hauser afirma que nesse período em que se inicia o rompimento com o rococó, afirmava-se que a tarefa da arte era a de honrar a virtude e expor o vício, estando condenada a arte que pretendia ou revelava aspectos definidos por artificialismo, fácil e vazia destreza, bem como a libertinagem a exemplo da arte de Boucher e Vanloo, a introdução da burguesia no mundo da arte, por sua vez, e sua cruzada contra o rococó, foi para Hauser, meramente uma etapa na história da revolução que já estava em marcha[37].

V. A escultura e arquitetura rococó

A escultura no rococó revela-se na suavização das vigorosas estruturas barrocas. As linhas e os contornos adquirem a flexuosidade das conchas e arabescos característicos do estilo, eliminando a impressão de energia anterior e dando lugar ao surgimento da impressão de graciosidade.
Nas composições dos monumentos, mesmo os religiosos, aparecem o tom aristocrático, sob forma de uma constante e inevitável elegância voltada para o clima mundano dos salons, considerado inseparável do rococó por muitos.
Para Carlos Cavalcante, os escultores se destacam através do uso do retrato e seu sentido intimista. Surgem, nesse período inúmeros retratistas, autores de obras modelares pela técnica pela sua riqueza de expressão, exemplificada com a clássica peça de Houdon, o Voltaire. O desejo de perpetuar a existência transitória do indivíduo no que este tem de mais patente – a expressão fisionômica – acha-se na base da pintura e da escultura de retratos, e esse gênero de arte desenvolve-se especialmente em épocas nas quais o indivíduo desempenha na sociedade um papel preponderante. Segundo Walter Benjamin, “a ultima trincheira do valor de culto é o rosto humano; a partir daí o valor de culto cede lugar ao valor de exposição”[38].
Cores vivas foram substituídas por tons pastéis, a luz, que antes era barrada pela escuridão e umidez dos ambientes, foi convidada a entrar nos interiores por meio de numerosas janelas e o relevo grosso das superfícies cedeu lugar a texturas mais suaves. A estrutura das construções ganhou leveza e o espaço interno foi unificado.
O rococó era a princípio apenas um novo estilo decorativo. Nicolas Pineau, Gilles-Marie Oppenordt e Juste-Aurèle Meissonier transportaram-no para a arquitetura propriamente dita. Mais do que nas peças esculpidas, é em sua disposição dentro da arquitetura que se manifesta estilo rococó. Os grandes grupos coordenados dão lugar a figuras isoladas, cada uma com existência própria e individual, que dessa maneira contribuem para o equilíbrio geral da decoração interior das construções.
A escultura no rococó está presente como peça tipicamente ornamental, com a comum estatueta decorativa de porcelana no período. A porcelana aparece como uma das maiores contribuições do rococó para arte em geral, descoberta pelos alemães Tischirnhaus e Boettger, no início do século (1708), que na ânsia pela descoberta da fabricação do ouro através da transmutação de metais, fundiu o caulim obtendo a porcelana.
Inicia-se então o mercado da porcelana, que em 1709, já se vendia em Dresden às primeiras peças fabricadas em Meissen. Esse novo elemento acabou tornando-se bastante requisitado, como se pode ver através dos fatos descritos por Carlos Cavalcante que diz:

Da noite para o dia, sob a proteção de reis e príncipes, que instalavam manufaturas reais, o novo material escultório tornava-se conhecido, e a produção das pequenas e frágeis peças decorativas se aperfeiçoava em alguns centros, mais tarde famosos. Quase todos os escultores rococós ilustres, alemães, franceses, italianos e espanhóis, dedicavam-se, geralmente, em temas mitológicos, campestres e mundanos, tratados alegoricamente, sob requintes de graciosa delicadeza[39].

A porcelana não só define-se como essencialmente rococó como em sua própria forma e composição revela os aspectos característicos do estilo. As peças de porcelana retratam em sua delicadeza, fragilidade e suavidade as características femininas, tanto emocionais como físicas. Essas peças também ressaltam a importância do ornamento na composição dos ambientes do período, onde a posição revela o bom gosto e estilo vigente.

VI. A pintura rococó

Sobre a pintura, Hauser relaciona a dissolução da arte cerimonial, palaciana e restrita às normas acadêmicas, bem como as modificações estruturais da Regência na França às inovações e transformações na pintura. Sobre esse aspecto, Hauser coloca:

A grande manière e os gêneros pomposos e cerimoniais declinam durante a Regência. A pintura religiosa de caráter devocional, que mesmo nos dias de Luís XIV já se convertera em mero pretexto para retratar as relações do rei, bem como a grande pintura narrativa, que constituía, sobretudo, um instrumento de propaganda monarquista, são negligenciadas. O lugar da paisagem heróica é ocupado pelo cenário idílico da pintura bucólica, e o retrato, que até então era destinado ao público, torna-se um gênero trivial e popular, servindo principalmente a fins particulares[40].

É nesse contexto, em que se descobre no estilo de Rubens a inspiração para esse idílico mundo da arte que refletia os ideais e as novas preocupações de suas vidas. Inspirado em Rubens, Watteau inaugura um novo estilo da pintura, na qual alegoria; evocação de uma idéia em forma física elaborada; além de galantes cenas sociais formam os principais elementos abordados em sua pintura, denominados posteriormente por rococó.
Watteau rompe com as telas cerimoniais de natureza religiosa expressando a mudança de gosto que ocorre na virada do século. Para Hauser a formação de um novo público e a dúvida que se lança sobre autoridades até então consagradas no mundo da arte, bem como o rompimento com as barreiras formais que delimitavam a temática a ser expressa pelos artistas, contribuem para o surgimento do – segundo ele – “maior pintor francês antes do século XIX”[41].
A arte de Watteau delineia a pintura rococó, que traz os temas frívolos, mundanos e galantes, bem como a predileção pelas graças da mulher e o erotismo. Surgem cenas de interiores luxuosos, festas e reuniões em parques e jardins, refletindo em grande parte, o cotidiano da aristocracia.
Para Hauser, Watteau e a pintura rococó nos leva a uma utopia de liberdade de um meio social que talvez fosse análoga à sua própria idéia subjetiva de liberdade. Esse caráter utópico leva Hauser a perceber a profundidade da arte rococó, que expressa a ambivalência do relacionamento do artista com o mundo, leva “à expressão tanto de promessa quanto da inadequação da vida, ao onipresente sentimento de perda inexprimível e de uma meta inalcançável, à consciência de uma pátria perdida e do caráter utópico e remoto da verdadeira felicidade”[42].
Hauser aponta ainda que a pintura de Watteau apesar de superficialmente expressar o prazer do sensorial e da beleza, a capitulação jubilosa à realidade e o gozo propiciado pelas boas coisas da vida, está impregnada essencialmente e não tão claro e nítido de grande melancolia provocada talvez, pela consciência da natureza irrealizável de seus desejos. Essa consciência e o sentimento que a mesma provoca, para Hauser, distinguem-se do sentimento rousseauniano definido por “anseio pelo estado de natureza”,[43] e sim por um “desejo ardente por uma cultura perfeita, pela tranqüila e segura alegria de viver”[44]. A arte de Watteau não só revela as características da pintura rococó e do meio e contexto que vivenciou e representou, mas também sua atitude, como homem, perante a vida definida por Hauser como “um misto de otimismo e pessimismo, de alegria e tédio”[45].
A fête galante predominante nesse estilo de pintura descreve a paz dos campos, em que os homens se abrigam em segurança do mundo e as benesses e felicidade dos apaixonados. Esse ideal entra em consonância com a característica bucólica expressa no período e abordada anteriormente.
A técnica também se transforma durante o rococó: as pinceladas impulsivas e pastosas, bem como as massas sintéticas tumultuosas e os contrastes violentos de luz e cores intensas, características do barroco cedem lugar a pinceladas ligeiras, curtas e leves, assim como, desenho decorativo e o uso de tonalidades claras. Carlos Cavalcante nos lembra que os pintores “tornam-se exímios na representação dos tecidos finos, sedas e brocados chamalotados, tafetás e veludos, vaporosidade das gazes e musselinas e das carnações femininas”[46].
Ainda nesse âmbito da técnica é importante ressaltar a generalização da técnica do pastel, evento bem particular à época. Sobre sua natureza e seu uso, Carlos Cavalcante coloca:

O pastel, em última instância, é um giz colorido, pastoso e aderente, feito com terras bem moídas. Aplica-se o pastel sobre papel rugoso ou com superfície áspera, adrede preparada, para recebê-lo e fixá-lo, ou mesmo sobre camurça. Há pastéis mais duros, próprios para acentuar as partes do desenho, outros mais brandos, para massas de cor[47].

Esse último autor ainda ressalta que o pastel foi a verdadeira moda do século XVIII, devido em parte ao seu uso difundido nos retratos (elemento também bastante característico do estilo e período) devido a facilidade que o pastel se prestava à expressão de alguns efeitos de delicadeza e leveza dos tecidos, maciez da pele feminina, luzes e brilhos. O uso da técnica e sua harmonia e correlação com a temática característica do período e estilo fez dos grandes pintores da época, exímios pastelistas.
Por ser o principal representante do estilo rococó e da pintura rococó, Watteau é sempre usado para definir tanto um quanto a outra, mas não podemos ignorar nomes como Boucher, que nas palavras de Hauser é “o nome mais importante em relação ao nascimento da fórmula rococó e da técnica magistral que confere à arte de Fragonard e de um Guardi aquela qualidade de certeza infalível na execução”,[48] e Fragonard. Hauser define ainda Boucher, como “mestre incomparável do gênero erótico, do gênero de pintura mais procurado pelos fermiers généraux, os nouveaux riches e os círculos palacianos mais liberais”[49], acrescentando que Boucher foi o criador de uma mitologia amorosa que depois das fêtes galantes de Watteau, “fornece o mais importante tema da pintura rococó”[50]. Boucher traz os motivos eróticos tanto para artes gráficas quanto para industrial e faz da pintura do corpo da mulher e suas partes íntimas um estilo nacional conhecido por “peinture dês seins e des culs” (pintura dos seios e dos traseiros).
Apesar da aclamada posição de Boucher na pintura rococó, este não conquistou todos os públicos da época. Os que não apreciavam a arte de Boucher, em parte, tornaram-se apreciadores de artistas como Greuze e Chardin, conhecidos por suas telas didáticas e realistas. Estes últimos devem em grande parte sua inspiração aos realistas barrocos holandeses e flamengos. Em geral expressavam cenas da pequena burguesia e da vida de província.
O pintor francês Fragonard é constantemente associado ao estilo de Watteau por sua pintura associar-se às fêtes galantes, sinônimo de festivas reuniões campestres e divertimentos joviais de pastores e pastoras, mas no tocante ao público submete-se ao gosto burguês ao qual se esforçava por satisfazer.
Apesar da tímida influência do rococó na pintura inglesa, faz-se necessário tratar no presente trabalho devido aos poucos, mas grandes artistas no tocante ao estilo rococó, como William Hogarth, Francis Hayman e Thomas Gainsborough, principais representante da pintura rococó na Inglaterra.
Stephen Jones aponta como elemento difusor do rococó para Inglaterra, os artistas franceses ou estudantes da França que viajaram por toda Europa, levando o novo estilo cortesão[51]. Como dito anteriormente, a pintura rococó na Inglaterra esteve em voga num período e círculo bastante limitado, devido ao sentimento de repulsa dos ingleses frente a padrões culturais franceses e ao gosto da corte hannoveriana na Inglaterra, bastante distinto da corte francesa[52].
Essa pintura rococó na Inglaterra assimila o uso e a técnica do pastel, bem como temas acerca da libertinagem, formato de um romance mais febril, fazendo em parte uma paródia ao equivalente francês, demonstrando as adaptações feitas por artistas ingleses no estilo vigente. Hogarth exemplifica bem essa atitude de adaptação e formulação de um estilo mais particular em seu pragmatismo e realismo declarado, criando para os estudiosos da área discussões acerca da natureza de seu estilo pertencer ou não ao rococó. Entretanto, o fato é que Hogarth, nas palavras de Stephen Jones, “impregnou o mundo artístico londrino durante um breve período”[53], influenciando artista como Francis Hayman que incorporou suavemente a veia realista e ingênua da pintura rococó e demonstrou grande fascinação pelos efeitos prateados da luz sobre o cetim. Esses elementos podem ser vistos, em suas telas que retratam camponesas fogosas, dançando através de campos, expressando o encanto feminino do rococó.
Para Stephen Jones, apesar do reflexo e da influencia do rococó na pintura dos dois artistas retratados acima, o único grande pintor rococó da Inglaterra foi Thomas Gainsborough[54], que conhecia bem os campos para além dos portões dos parques e jardins aristocráticos britânicos. Sobre seu estilo, Stephen coloca: “Sua intuitiva compaixão pela humanidade, semelhante à de Hogarth, embora menos satírica, permitiu-lhe retratar pessoas verossímeis e dotá-las com algo da graça e espirituosidade de seus antecessores franceses”[55].
Gainsborough retrata em suas telas a aristocracia rural inglesa, bem como elementos decorativos próprios do rococó, usou em grande parte de seus trabalhos o cenário campestre muito apreciado pelo pintor, assim como trabalhou bastante o retrato comum à época.

VII. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Herdeiro das influencias barrocas e anunciador de um tempo de profundas mudanças na sociedade européia, o rococó representou nas artes os ideais de uma classe que tomou as rédeas da cultura num período conhecido por século das luzes.
No decorrer do século XVIII, as idéias do Iluminismo sobre Deus, a razão, a natureza e o homem cristalizaram-se numa concepção de mundo que acabou por produzir mudanças significativas na arte, na filosofia e na política.
O Iluminismo foi o movimento cultural e intelectual europeu que, herdeiro do humanismo do Renascimento e originado do racionalismo e do empirismo do século XVII, fundava-se no uso e na exaltação da razão, vista como o atributo pelo qual o homem apreende o universo e aperfeiçoa sua própria condição. Considerava que os objetivos do homem eram o conhecimento, a liberdade e a felicidade, e nada melhor para se alcançar à liberdade nas artes que abandonar o paradigma metafísico anterior, que prendia os homens a modelos preconcebidos, onde a principal função da arte era dominar primeiro o EU interior, e depois os OUTROS. No barroco, os OUTROS, eram induzidos a perceber as artes de determinada forma, havia pouco espaço para interpretação.
Quando se mudam os paradigmas artísticos, mudam também os conceitos, os problemas e as explicações. O olhar passa a ser orientado para novas direções; os artistas olham para os mesmos pontos e vêem coisas novas; os objetos que antes eram familiares, passam a ser visto de forma diferente; a percepção do artista é (re)educada., pois “Tudo o que o homem vê depende tanto daquilo que ele olha, como daquilo que sua experiência visual-conceitual prévia o ensinou a ver” .
A arte em seu estado “natural” é aquilo que se espera, é quando não existe novidades inesperadas, o que existe é sempre uma expectativa. Durante o rococó, arte vivia num estado de “crise” (na ‘verdade’ tudo é crise), quando a “natureza” violou as expectativas do paradigma. O que ocorreu então foi um fracasso em produzir resultados esperados.
Na ciência, abandonar o paradigma anterior significa (na teoria) necessariamente substituí-lo por outro, pois, rejeitar um paradigma sem simultaneamente substituí-lo por outro, é rejeitar a própria ciência. Na arte isso não se dá de forma tão robótica, prova disso foi à arte rococó que, ao mesmo tempo em que negava uma tradição de rigorosidade, não representou uma completa ruptura, que só ocorrerá com o classicismo, pós Revolução Francesa.
[1] BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. 4° Ed. Volume I, São Paulo: Brasiliense, 1985.
[2] Idem.
[3] HADJINICOLAOU, Nicos. História da Arte e Movimentos Sociais: arte e comunicação. Lisboa: Martins Fontes, 1973.
[4] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.442.
[5] Idem. p.444
[6] Ibdem. p.445
[7] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.445
[8] Idem. p.445
[9] Ibdem. p. 446
[10] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 446
[11] Idem. p. 446
[12] Ibdem. p. 446
[13] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.447
[14] Idem. p.447
[15] Ibdem. p.447
[16] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.451
[17] Idem. p. 451
[18] Ibdem. p.451
[19] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.451
[20] Idem. p.452
[21] Ibdem. p.452
[22] BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. 4° Ed. Volume I, São Paulo: Brasiliense, 1985.
[23] HAUSER, Arnold. Historia Social da arte e da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
[24] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.497
[25] CAVALCANTI, Carlos. História das Artes. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2 vol. p.83
[26] Idem.p. 83-84
[27] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.529
[28] CAVALCANTI, Carlos. História das Artes. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2 vol. p.85
[29] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.528-529
[30] Idem. p.529
[31] Ibdem. p.512
[32] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.512
[33] Idem. p.512
[34] Ibdem. p.514
[35] CAVALCANTI, Carlos. História das Artes. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2 vol.87
[36]HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.531
[37] Idem. p.532
[38] BENJAMIN, Walter. Obras Escolhidas: Magia e Técnica, Arte e Política. 4° Ed. Volume I, São Paulo: Brasiliense, 1985.
[39] CAVALCANTI, Carlos. História das Artes. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2 vol. p. 85
[40] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p.510
[41] Idem. p.510
[42] Ibdem. p. 511
[43] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 511
[44] Idem. p. 511
[45] Ibdem. p. 511
[46] CAVALCANTI, Carlos. História das Artes. 2.ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. 2 vol. p. 86
[47] Idem. p. 86
[48] HAUSER, Arnold. História Social da Arte e da Literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 530
[49] Idem. p. 530
[50] Ibdem. p. 530
[51] JONES, Stephen. A arte do século XVIII. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985. p. 21
[52] Idem. p. 21
[53] Ibdem. p. 23
[54] JONES, Stephen. A arte do século XVIII. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1985. p. 24
[55] Idem. p. 24

Fim de semana em Aracaju penando no Pará

Este final de semana fiz mais uma viagem para Sergipe, ficando, desta feita, na capital. Foi mais uma série de palestra, um pequeno curso com o objetivo de refletir as relações entre a cultura e as religiosidades brasileiras. Encontrei um bom grupos de studantes que me pareceram bastante interessados nas questões brasileiras e, uma boa parte parte do grupo demonstrou estar familiarizada com os autores teóricos, embora poucos na sala tenham lido os clássicos da historiografia brasileira. É interessante como a discussão dos autores modernos, de preferência franceses, suplantas a leitura dos bons autores nacionais. Tenho conversado com alunos de historia que já leram quase toda a obra de Certeau , Foucault e outros, mas poucos se atreveram a ler gente como Capistrano, Sérgio Buarque e ouros, entretanto ostentam diplomas de História do Brasil. Aprendemos a interpretar, ou continuamos a interpretar as realidades brasileiras com um olhar majoritariamente exterior. Mas, como dizia, foi ótimo o período de convivência com aquelas pessoas que me fizeram cansar com tantas perguntas e debates.

Enquanto isso, no Pará, governado por Dona Júnia, aquela que parece achar normal colocar jovens do sexo feminino em cadeias para pessoas do sexo masculino, chega à superfície social mais um problema limite da sociedade brasileira: Não se sabe o que fazer com essa nova modalidade de criminosos, os do sexo feminino – com a aplicação de uma legislação que foi criada em um período que, por preconceito, parece não ter admitido que as mulheres pudessem ser delinqüentes. No Pará, diante desses últimos acontecimentos que estão chagando ao conhecimento social, as mulheres deliquem enquanto delegadas, juízas, secretárias de segurança e governadoras. Nenhuma delas percebeu que seria arriscado colocar uma mulher, independente da idade, em uma cela com homens brutalizados pela existência perversa que historicamente se formou neste país. Se tivesse havido algum bom senso tal situação não teria ocorrido. Ainda bem que o ministro da justiça, Tarso Genro, disse que, em janeiro do próximo ano, será liberada verba para que sejam feitas, pela governadora Júnia, as mudanças necessárias para sanar essa situação. Como os dois são do mesmo partido, creio que o problema está resolvido. É que, desde que os marqueteiros assumiram o poder, é dado como realidade aquilo que ainda irá ser feito.

No universo político pós moderno, o espetáculo é mais bonito pois não é ficção, é virtual.

quinta-feira, novembro 22, 2007

História da Infância em Pernambuco

Acabei de participar de um evento bem importante: o lançamento de um livro. Embora este não seja um tema que interesse à grande imprensa, sendo apresentado nas páginas internas dos ditos cadernos culturais, a produção, a publicação de um livro é uma explosão de uma supernova. Tal explosão é magnificada quando é uma explosão de jovens historiadores que, pondo-se na vanguarda, como convém a jovens, publicam uma HISTÓRIA DA INFÂNCIA EM PERNAMBUCO. Um livro de história social, resultado de pesquisa em arquivos, visando entender o que tem significado ser criança em Pernambuco, desde o Império Português até esses dias que estamos vivendo. Não é uma história caduca, com cheiro de naftalina holandesa, mas uma história corajosa que busca compreender como realmente vive, não os renascentistas tardios, mas os pequenos que constroem a sociedade ou sofrem a construção da sociedade, enquanto falsetes viviam e vivem de seus sofrimentos.

Ainda não li o livro organizado por Humberto Miranda e Maria Emília Vasconcelos, com artigos de Alcileide Cabral, Bruno Dornelas,Carolina Cahu, Elaine Cunha, Felix Aureliano, José Luiz Simões,, José Nildo Alves Caú, Márcio Vilela, Natália Barros, Pablo Porfírio, robson Costa, Silvia Couceiro, Sylvia Arend, Vera Braga, mas como conheço a seriedade da pesquisa de cada um deles, compreendo que este livro, o primeiro sobre o assunto na historiografia pernambucana, será uma referência para os futuros historiadores.

HISTÓRIA DA INFÂNCIA EM PERNAMBUCO foi publicado pela Editora Universitária da UFPE.e pela Editora da Universitária da UFRPE, e o lançamento ocorreu em sessão solene da Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco

Festival Canavial 2007: A maior festa da Zona da Mata Norte pernambucana

Festival Canavial 2007: A maior festa da Zona da Mata Norte pernambucana

Entre as muitas vantagens, entre os diversos sentidos, que O CANAVIA aponta, está o fato de atrair, para além do circuito Recife-Olinda, discussões sobre o fazer cultural.
Muitos dos que conhecem a Zona da Mata Norte pernambucana apenas através de seus brinquerdos, raramente conseguem perceber que o que lá existe e é feito não é um conjunto de atos foclóricos, objetos de estudiosos. A dinâmica cultural da população é bem mais ativa que os pensamentos surgidos nas varandas das antigas casas grandes. A cultura da Mata Norte, assim como a cultura de Pernambuco, é completada pelo que foi produzido pelos "meninos de engenhos" e pelo engenho dos meninos e dos homens cortadores de cana.
O Festival CANAVIAL, em sua terceira edição, apresenta a vivacidade do povo em sua criatividade, o que é perceptível nos versos dos Mestres de Maracatús e repentistas de Coco, dos movimentos da danlça dos caboclos, dos sons dos ternos e dos tambores. É essa criatividade que deve ser admirada, filosoficamente admirada, pois da admiração, esse ver a algo, esse procuirar ver algo além dos olhos, como escreveu o poeta de "Sei Lá Mangueira", é que promove o re-encontro (ou encontro) do Brasil, dos homens e mulhweres consigo mesmo.

terça-feira, novembro 20, 2007

onde votar nas maravilhas e na data

um anônimo leu a postagem anterior e perguntou: onde votar?
resposta:

http://www.as7maravilhasdepernambuco.com.br/

para votar a data magna de Pernambuco tem que ir na Assembléia Legislativa, ou na Câmara de Vereadores do Recife, lá tem uma urna. Ou no telefone 081- 32072233. Mas parece que vai ter um link no site da Assembléia www.alepe.pe.gov.br

Ilhas, vales e independência. o Pernambuco interno

Neste mês de novembro estão ocorrendo duas votações relacionadas à Pernambuco, uma disputa entre dois meios de comunicação. Vou apostar que esse blog está sendo lido e tentar influenciar alguns votos.

Uma das votações quer saber quais as sete maravilhas que existem em Pernambuco, e aponta para construções, como o centro histórico de Olinda, de Igarassu, de Triunfo; obras criadas pela natureza, como cachoeiras, vales, ilhas; praças como a da República e outros. O público escolherá sete, em voto pessoal. Eu tomei a iniciativa de votar nas Ilhas do Rio São Francisco, no Centro Histórico de Igarassu, entre outros. Afinal essa é uma brincadeira interessante, entre outras razões porque pela primeira vez alguns pernambucanos ouvirão e verão fotos do maior conjunto de ilhas fluviais do Brasil (alguns dizem do mundo) que fica no muncípio de Belém do São Francisco, (mesmo depois da construção da barragem que transformou o sub-médio sanfranciscano em lago); saberão também que existe o Vale do Catimbau na entrada do Sertão, no município de Pedra, as cachoeiras de Bonito. Vamos superar a síndrome de só termos Boa Viagem (ainda que bela apesar de estar ficando parecida com outra praia de um continente do norte) como cartão postal de Pernambuco.

A outra votação é para escolher a data magna de Pernambuco. Essa ainda será mais difícil, inclusive porque de uns tempos para cá parece que a história de Pernambuco e do Brasil se resume em algo ao derredor de um holandês. Como os líderes pernambucanos do passado e os atuais fizeram e fazem de tudo para ocultar que Pernambuco foi a primeira região do Brasil a se tornar independente de Portugal, a Convenção de Beberibe terá poucos votos. A aristocracia do açúcar preferiu ficar à reboque da independência paulista-carioca-mineira a ter que se afirmar livre e sem escravos. Não é a toa que o primeiro governador de Pernambuco livre tenha uma rua transvessa e não uma avenida principal. Afinal era um comerciante, um mascate, e não um barão ou visconde. De qualquer modo, meu voto será para a CONVENÇÃO DE BEBERIBE, como a principal data de Pernambuco. A Bahia comemora a data de sua independência, embora tenha sido a ultima das províncias a aceitar o Brasil independente. É tempo de os professores de história impulsionarem novos caminhos à Pernambuco e não mais ficarem à reboque dos sequazes de Maurício de Nassau e dos arrependidos de terem martirizado Abreu e Lima, padre Miguelinho, Frei Caneca e tantos patriotas, agora por eles louvados.

Vamos mexer na sucralocracia.

domingo, novembro 18, 2007

Semana da Consciência Brasileira

Esta é a semana que vem sendo, dede algum tempo, dedicada a pensar a consciência negra no Brasil. Ser brasileiro e ser negro.

O ponto de referência para esta semana é o dia 20 de novembro, escolhido por ter sido o da morte de Zumbi, o líder guerreiro do Quilombo dos Palmares. A existência desse dia, o dia de Zumbi, o dia da Consciência Negra é resultante do constante esforço que foi feito, por um grupo de nossa sociedade, amparada por historiadores participantes desse mesmo grupo, para que o Brasil não reconhecesse, positivamente, a sua origem de matriz africana. Mas também foi resultado da trabalho de muitos grupos que não podem aceitar a idéia de um Brasil partido e que conte a história apenas de uma herança, A existência desse dia, o dia do herói nacional Zumbi dos Palmares, deve servir para fazermos uma reflexão que se preste a atentar para os mais diferentes aspectos dessa questão.

Um desses aspectos deve ser: Esse dia não poder visto como um dia apenas das comunidades e grupos de heranças africanas. Lembremos que não veio apenas uma África, foram várias e aqui nasceram outras Áfricas.

Outro aspecto: o dia da consciência negra não deve ser utilizado para dividir o Brasil, dividir os brasileiros; esse dia deve servir para nos aproximar de nós mesmos, encaminhar-nos para compreender a diversidade cultural que nos faz brasileiros, nessa semana cuidando de maneira especial das nossas heranças africans. Esse dia não pode, não deve ser utilizado para tentar criar uma nação monocrática, monocromática: isto seria um outro tipo de continuação da injustiça que queremos por termo; o dia da Consciência Negra foi criado para nos lembrar que não somos apenas uma herança, mas várias: várias que já existiam aqui antes dos europeus e africanos chegarem com as suas diversas heranças; várias porque do encontro dessas heranças não foi criada apenas uma herança, mas várias. Esse dia da Consciência Negra não é para dizer que só devem ser respeitadas as heranças africanas, mas é para aprendermos dizer que os brasileiros são resultantes dos encontros das tradições vindas das áfricas, das tradições de Pindorama, das tradições vindas das europas.

Zumbi dos Palmares está no Panteão dos Heróis nacionais, abaixo apenas de Tiradentes, não porque era um negro africano, mas porque foi um negro brasileiro que nos ensinou que jamais devemos pensar como escravos, que jamais devemos agir como escravos; Zumbi dos Palmares nos disse que devemos lutar, viver cada momento de nossa vida em busca e na construção da Liberdade.

Devemos honrar o nosso herói na luta para que o Brasil seja livre. E, nesse dia lembramos de outros brasileiros de herança africana que, com sua vida, anônima ou pública, encaminharam esse país, essa nação, na direção da Liberdade, da Honradez, da Honestidade, da civilidade,e tantas outras virtudes e valores. Nesse dia da Consciência de que a Nação também é Negra, devemos lembrar de José do Patrocínio, Manuel Bonfim, Tobias Barreto, Marcílio Dias, Solano Trindade, Pai Paulo de Olinda, Manuel Faustino, João de Deus, Doona Santa, Menininha do Gantois, Olga de Alenketo, Mãe Biu de Xambá, e todos que derramaram seu sangue e seu suor para nos fazer quem nós somos.

terça-feira, novembro 13, 2007

Relações Escolas e Ponto de Cultura -4

Este é o quarto bloco, uma continuação da palestra com o título acima.

7. lugar de mestre é no Ponto de Cultura
Quando o dono e presidente do Maracatu Estrela de Ouro, lá da cidade de Aliança,na Região da Mata Norte de Pernambuco convidou Afonso Oliveira e, através dele a mim, para entrar nessa aventura de Ponto de Cultura, com um edital do MINC na mão, aprendi que o Ministério da Cultura pretendia criar/apoiar pontos de cultura nas diversas regiões do Brasil. Esses seriam locais de encontro e disseminação da cultura que é produzida pelas pessoas e comunidade em todo o território nacional. O Ponto de Cultura Estrela de Ouro, foi criado logo no primeiro edital, entretanto, ele já existia antes do meu nascimento, do nascimento de Lourenço, do nascimento de Afonso Oliveira e do nascimento do ministro Gil. Isso ficou claro para mim, que nasci naquela região, no meu primeiro contato com as pessoas e o lugar onde está situado o Ponto de Cultura Estrela de Ouro, imprensado ente uma rodovia e canaviais. Minha família havia deixado aquela região nos anos cinqüenta para que eu e meus irmãos pudéssemos ser pessoas educadas, havíamos de ser conduzidos, ou reduzidos, ao mundo das letras. Como em um verso de Paulinho da Viola “havia eu de ser doutor”. Mas agora eu estava ali, no meio do canavial conversando com os mestres de Maracatu, Caboclo, Cavalo Marinho, Coco, bordador de golas, pai de Santo, todos analfabetos, cortadores de cana, antigos cambiteiros e mestres de tropas. Estava eu no meio de um lugar que é guardião de costumes, crenças, danças, desenhos, movimentos corpóreos, cheiros que não deveriam mais existir, segundo o que aprendi nas escolas.
Uma vez eu li as letras de um famoso estudioso da cultura popular – um estudioso da cultura popular quase nunca é parte do grupo criador da cultura, ele não pode ser definido como um agente daquela cultura, pois é um observador crítico que verifica o que pode ser salvo, recuperado ou reduzido ao mundo da cultura dele: o estudioso da cultura popular. Não apenas os jesuítas reduziam os índios aos seus colégios, outros fazem isso hodiernamente. As letras daquele estudioso descreviam o seu deslumbramento quando presenciara, na cidade de Tracunhaém, a chegada de um Maracatu de Baque Solto, os movimentos que os caboclos realizavam para conquistar as ruas por onde passavam e o povo para admirá-lo. Nas suas letras havia algo mais ou menos assim: é inacreditável que tenha sido possível, no meio de tanta miséria ter surgido algo tão bonito, tão cheio de cores e alegria!
Quando li pela primeira vez esse texto ao qual me refiro, tive a sensação que ele quisesse dizer algo assim: “Puxa vida, faz 400 anos que a gente maltrata esse povo, quatrocentos anos que o exploramos, que o colocamos para trabalhar praticamente todos os minutos de seus dias, que o forçamos a cortar 3 toneladas de cana cada dia, que não o deixamos que tenha uma boa alimentação, uma residência decente e, assim, de repente, ele me aparece com essa beleza plástica, esse andamento controlado dos seus corpos, arrancando sons dos chocalhos que penduramos nos pescoços dos bois como cautela contra os ladrões; como é possível eles estejam ainda vivos, e criativos!” Pode ser que eu esteja fazendo uma análise equivocada do discurso, e esteja extrapolando a intenção daquele autor, mas talvez a grandeza de sua obra seja a de reduzir a criatividade daquele povo à sua própria. Reduzir o povo à sua imagem é o que se procura fazer na escola. Reduzir o outro a si é criar estratégias para que o outro perca as suas referências e passe a ver-se como alo diferente, algo estranho, por não ser parecido com o modelo que lhe é ofertado. De maneira geral a escola tem feito este trabalho com alguma eficiência: após alguns anos na escola, as pessoas são diferentes, têm gostos diferentes, heróis, e costumes que jamais imaginaram. Nesse aspecto a escola e os Pontos de Cultura estão em campos opostos. Vejamos alguns exemplos no campo religioso.
1. alguns Pontos de Cultura, quase todos, estão impregnados pelo catolicismo popular, pela Umbanda, pelo Catimbó, pelo Xangô ou Candomblé; a escola diz que isso é folclore;
2. enquanto em alguns Pontos de Cultura as pessoas conversam sobre Comadre Fulôzinha, Saci Pererê, Boi-ta-tá, na escola se diz que isso é invencionice do povo, entretanto, cada vez mais as escolas falam de bruxas e duendes, tradições dos povos galo-bretões;
3. quando nos envolvemos no programa Agente Cultura Viva, e recebemos das escolas locais, esses jovens, provenientes de escolas de bairros mais urbanos, recusaram chamar de mestre aquele que cuidava do artesanato e do culto no espaço do Ponto de Cultura, porque ele era catimbozeiro. Os jovens haviam sido ensinados, nas famílais, escolas e na sociedade geral, a não respeitarem o Catimbó e a Jurema como religião;
4. por outro lado, percebemos que poucos eram os jovens que aprenderam, na escola a técnica da leitura e da escrita, o que demonstra que, embora a escola tivesse sido eficiente para “desconstruir” o saber popular, havia sido ineficiente na sua tarefa básica;
5. a escola tem se mostrado eficiente em fazer os jovem esquecer o seu nincho cultural de origem, afastando-os de suas raízes, mas tem ela sido ineficiente em desenvolver estratégias de integração dos jovens das comunidades pobres na grande sociedade;
6. notamos que os jovens provenientes das escolas não foram desinibidos para expor as suas idéias, falar publicamente, as escolas deveriam desenvolver essa habilidade tão necessária na sociedade moderna;


8. concluindo
Quando olhamos as formas de atuação metodológica das escolas comparando-as com as praticadas nos Pontos de Cultura, verificamos que há uma tendência da utilização de retângulos pedagógicos nas escolas e círculos pedagógicos nos Pontos. È muito comum as conversas e as atividades dos Pontos de Cultura serem realizadas com as pessoas formando um círculo ou um semicírculo. Talvez essa forma de reunião torne mais leve a comunicação, pois parece não indicar qualquer ascendência de pessoa ou grupo de pessoas sobre os demais. Em um círculo as pessoas têm condições de se verem mutuamente enquanto se falam, e não apenas escutam quem fala, mas vêem quem fala e como fala aquele que está falando. A comunicação se faz de maneira mais intensa e completa. A escola, por sua vez, está organizada de maneira rígida, conformando o grupo às paredes dos ambiente, pondo uma pessoa defronte às demais, estas postas um atrás da outra, de maneira que elas não pssoam comunicar-se entre si, sendo obrigadas a interagir apenas com aquela pessoa que está diante dela. O esforço para ver outras pessoas é grande: é necessário um esforço para o deslocamento do corpo, na sua totalidade ou em parte dele, como o torcer o dorso ou a cabela. Mesmo este esforço estará sob suspeita de indisciplina, facilmente flagrado pelo “líder-professor” posto na frente do grupo. O retângulo como formação de disciplina é de origem militar, muito utilizado pelas legiões romanas e pelo exército brit^naico, organizado no século XVII e XVIII, época em que a escola do homem moderno, o homem disciplinado, que não se move exceto na direção que lhe for indicada.
As visitas dos Griôs de Chã de Camará às escolas públicas de Aliança estão nos trazendo informações interessantes. Quando o Griô Aprendiz vai a uma escola para verificar se ela está interessada na visita dos Griôs, ele diz os Mestres do Ponto de Cultura querem apresentar uma oficina na escola; mas procura deixar claro que não se pretende tomar o lugar do professor, nem se deseja que seja posto na “grade curricular”; o que eles vão apresentar, por outro lado esclarece que não é uma simples atividade de diversão. Aqui eu desejo distinguir a diversão e recreação. Diversão é aquilo de tira a sua atenção de um ponto para outro, que distrai e procura retirar tensões para que haja certo descanso e recomposição de forças; Re- crear – ação, a ação de criar de novo, fazer mais vez o que já havia sido feito para que se sinta a alegria.
Na chamada “oficina” se faz, é um pouco de propaganda do trabalho, da arte que esses mestres fazem no Ponto de Cultura. Eles se apresentam não enquanto folgazões, aqueles que brincam, divertem, mas eles são artstas, dizem que estão “apresentando a cultura para que a cultura não seja esquecida”. E isso é um dado, uma expressão interessante: um homem analfabeto está dizendo na escola, local de transmissão da cultura, que ele está apresentando cultura “para que a cultura não seja esquecida”. De certa forma estão dizendo que a escola não tem cultura.
Na visão “moderna” um analfabeto é um homem sem cultura, o mundo moderno diz que cultura se aprende na escola, mas o Griô aprendiz está afirmando que está apresentando a cultura; estão transmitindo o conhecimento de coisas que eles sabem e que não aprenderam na escola, e querem que os estudantes daquela escola, que não ensina a cultura, passem a conhecer a cultura, passem a brincar com ela, pois só assim a cultura não será esquecida. Os Pontos de Cultura e seus mestres querem recuperar a escola como Ponto de sua Cultura, ou seja lugar de criação cultural e não de simples transmissão da criação exterior ao povo brasileiro. Aqui não é não é uma questão xenófoba, mas é, inclusive, a aplicação de caminhos que outros povos utilizaram para se firmar e afirmar-se diante dos demais. Foi a partir do reconhecimento das tradições de seus antepassados que as nações modernas se afirmaram como nações e passaram a ser vistas como tal, e respeitosamente pelas outras nações, pelas outras culturas. Os ingleses se afirmaram quando suas elites deixaram de falar francês e passaram a adotar o linguajar dos comuns; os alemães cultos deixaram de escrever em inglês e ainda hoje estão criando, orgulhosamente, novas palavras alemãs, sem os escrúpulos que nós temos com os neologismos. Talvez, na medida em que ocorra a aproximação entre essas duas instituições, e juntarmos mais uma vez a educação à cultura, a gente possa retomar a criação de nós mesmos. E superar a repetição, nem sempre divertida, de educarmo-nos na e com a cultura dos outros.

Relações Escolas e Ponto de Cultura -3

Este é o terceiro bloco de uma palestra com o título acima

5. uma corte sem escola ou uma escola sem povo
Melhor dizendo, tivemos algumas escolas, a dos padres Jesuítas que funcionaram até que o Iluminista Sebastião Carvalho, o admirado Marquês do Pombal, expulsou os professores modernos que atuavam na colônia portuguesa. Além disso, proibiu que se falasse o idioma que o povo utilizava nas ruas, nas casas, nas feiras. Todos haveria que utilizar o mesmo idioma usado pelo iluminado Marquês e a Majestade portuguesa do qual era ministro. E essa orientação continuou durante o século XIX e XX. A escola que foi implementada no Brasil afastou o povo brasileiro de si. Primeiro por não estudar nem ensinar o que o povo estava criando enquanto se fazia brasileiro e, em segundo lugar porque não havia escolas para o povo. Aqueles que tiveram acesso ao sistema escolar foram sendo treinados para ficar parecidos com franceses, ingleses e portugueses. A escola no Brasil era e é ainda um ponto de cultura da cultura européia.

6. Quase um ponto de cultura
Na segunda metade do século passado alguns intelectuais brasileiros começaram a pensar a escola como um lugar onde se pudesse estudar o Brasil. Esse movimento foi decorrente da pressão do sistema por pessoas com qualificação mínima para trabalhar nas fábricas que iriam surgir, pela transferência de parte da população para áreas urbanas. Cartilhas como DE PÉ DESCALÇO TAMBÉM SE APRENDE apontavam para um outro tipo de sociedade, mas esse movimento foi esvaziado por um movimento político disciplinador dos desejos das populações. O movimento militar de 1964, a ditadura dele decorrente, iniciou o processo de universalização da escola. Cresceu enormemente o número de escolas públicas para que houvesse a universalização da escola e do conhecimento. Mas essas escolas públicas perderam qualidade quando passaram a atender os setores mais pobres da população. O seu objetivo básico parece ter sido fazer o povo esquecer quem ele é e de onde veio. A escola não discutia os problemas reais do povo e continuava a dizer que só tinha cultura os que por ela passassem e, qual um Descartes perdido, tinha que esquecer tudo que sabia.

Algo eu sempre achei interessante é que as tradições que o povo cultivava em seus lugares de origem, nos interiores de onde saíram, passaram a ser cultivadas nos bairros das cidades para onde tiveram que ir. O povo deixava o campo, mas o campo não deixava o povo. E quando a população rural foi viver na cidade, por imposição do sistema social, ela reorganizou os espaços urbanos e os espaços sociais semelhantemente às práticas que viviam antes. Recriaram os seus modos e os modos que encontraram, dando-lhes um novo sentido, ou novo sentidos. Tomemos um exemplo:
Os carnavais, melhor dizendo, os entrudos, passaram a ter importância à medida que o trabalho escravo foi sendo substituído, e mais homens e mulheres livres passaram a interferir na vida social, ainda no século XIX. À medida que crescia a população livre nas cidades, grande parte dela de ex-escravos, tradições que foram trazidas da Europa foram sendo modificadas marcando a superação de fase imitativa, o início da recriação e criação de valores culturais novos. O povo da rua apropriou-se das máscaras, das danças de salão, reinventando-as ao seu modo, Também a segunda metade do século XX marca novos tempos para a cultura brasileira. Discutia-se, ao longo do século XX, qual a identidade do Brasil. Nos anos cinqüenta, enquanto nordestinos curtiam a saudade depois da Longa Partida ouvindo vozes como a de Luiz Gonzaga no Ponto de Cultura da Feira de São Cristóvão, a panela que produzia a grande feijoada, destampou um pouco e viu nascer a Bossa Nova no Ponto de Cultura de Ipanema. A crise dos sessenta deu origem a uma Música Popular Brasileira e atgé uma cultura popular brasileira, uma mistura do que se produzia em Pontos de Cultura de diversas partes do Brasil: no Maranhão de Gonçalves Dias e João do Vale; no Ceará de José de Alencar Patativa do Assaré; Rio Grande do Norte de Câmara Cascudo e de Antonio Pedro; no Pernambuco de Gilberto Freyre, Ascenço Ferreira, Vitalino, Dona Santa, Nelson Ferreira; na Paraíba de Ariano Suassuna e Jackson do Pandeiro, na Bahia de Jorge Amado, Mãe Menininha e Olga de Alenketo e Dorival Caymi; nas Minas Gerais de Drumond de Andrade, Guimarães Rosas e Ziraldo; no Rio de Janeiro de Noel Rosas Ary Barroso, Nelson Rodrigues, Carlos Cachaça, Cartola; no São Paulo de Mário de Andrade e Adoniran Barbosa; no Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo, Ledo Ivo e Teixeirinha. As décadas seguintes foram a floração dessa cultura que se apresenta criativa, e sempre com novos criadores, novos atores. Contudo, sempre foi difícil para a escola absorver tanta criatividade na grade curricular que lhe foi destinada desde os tempos do Marques do Pombal, passando por outros marqueses que lhe sucederam. Esses marqueses ao mesmo tempo em que dizem estabelecer escolas para elas sejam lugares de produção de novos conhecimentos, apenas lhe dão condições para sejam elas reprodutoras do conhecimento exterior àqueles que as freqüentam. Esses marqueses, embora sentissem que grades – curriculares ou não – são incapazes de manter em silêncios pontos de cultura, não puderam ser ousados para tornar as escolas locais de estudo da cultura brasileira. Tornaram-se transmissoras dos conhecimentos culturais importados de outras experiências culturais.

Relações Escolas e Ponto de Cultura - 2

Este é o segundo bloco de uma palestra com o título acima

3. a separação dos saberes
Entretanto ocorreu a separação entre os saberes e, o saber ficou sério e perdeu a alegria da dança, do riso, das canções. Essa divisão não ocorreu apenas em nossa sociedade, esta que vem sendo criada desde o Renascimento Cultural europeu, mas foi nela que a separação tornou-se dramática e pôs fim ao prestígio que os pontos de cultura tinham até então. A seriedade da lutas religiosas impregnou os saberes e os modos de vida das populações. A popularização dos livros fez com que os conhecimentos escritos passassem a ter mais validade que os conhecimentos obtidos de maneira mais auditiva, mais passiva; aquilo se aprendia fora da escola passou a ser visto de maneira negativa e foi se formando uma sociedade que desconfiava do conhecimento que o povo que não podia participar da escola possuía. A escola que se formou desde então é uma escola que não quis ser apenas mais ponto de cultura, mas ser a definidora do que é cultura. Como não foi possível impor a todas as camadas da população a mesma escola, os mesmos conhecimentos, passou-se a ver os conhecimentos adquiridos foram da escola como não sendo cultura. Cultura ficou sendo o conhecimento verdadeiro, os demais eram falsos, superstições. Cultura passou a ser aquilo, aquelas coisas, aqueles saberes que estão contidos nos livros.
Mas logo se percebeu que não se pode ensinar todas as coisas, todos os saberes nas escolas, uma vez que as escolas deveriam ser os locais onde se aprende o que realmente interessa para o mundo do trabalho na cidade. Sim, a escola é uma instituição que pressupõe a cidade. Os saberes que ela transmite são aqueles saberes necessários para a vida urbana que vem se organizando desde o Renascimento cultural europeu, o renascimento de uma cultura urbana, que pretende ser separada dos espaços rurais, embora seja dele dependente. A nova cultura que vem se formando e sendo valorizada desde então supõe a desvalorização do mundo cultural anterior. Assim ocorreu durante alguns séculos.

4. a escola é parecida com a corte
A secularização da cultura deu os seus primeiros passos no Renascimento ocorrido na Península Itálica, mas foi na França e Inglaterra dos séculos XVII, XVIII e XIX que ele se formalizou. Os esforços de alfabetização das populações e a utilização de novos modos de viver, de andar, de falar, de comportamentos na vida social, tomaram como parâmetros a cultura francesa, o jeito francês de ser educado, o jeito francês de se conduzir e ser conduzido na sociedade. A cultura passou a ser entendida como aquilo que homem educado possui, e o que ele possui ele recebeu da e na escola. Culto passou a ser o homem que freqüentou a escola, possui livros, lê livros e, em alguns casos, escreve livros. Aliás, é interessante como as pessoas escrevem livros sobre os outros, sobre os que não sabem ler e escrever, desde o séculos XVII. Homens e mulheres cultas da Europa vieram ao Brasil no século XIX e ainda hoje as suas observações são muito respeitadas. Os homens e mulheres cultas dos dias atuais chamam esses andarilhos de cronistas viajantes.
Os franceses e ingleses foram os primeiros que organizaram sistemas de ensino escolar e discutiram que o novo mundo que estavam construindo seria um mundo de Igualdade, Fraternidade e Liberdade. Puderam impor o seu modo de entender o mundo aos demais povos, através de suas armas, da tecnologia que criaram, utilizando as invenções herdadas das tradições de muitos outros povos. Ser culto, ter cultura passou a ser sinônimo de ser francês ou inglês. Reagindo a isso, alguns alemães procuram reavivar as suas tradições, aquilo que os fazia diferentes dos ingleses e franceses. Eram as suas histórias, o seu idioma, as suas crises, as suas dúvidas. Encontraram-se naquilo que não havia sido apagado pelo avanço das Escolas Dominicais de Igreja Luterana, nem pelas escolas do príncipe Frederico Guilherme II. Mas nem todos os povos tiveram, puderam ter os seus Herder, Goethe e Kant. E por conta disso, durante muito tempo, no Brasil, nem tivemos escolas nem deixamos que surgissem pontos de cultura.

Relações Escolas e Ponto de Cultura 1

As próximas postagens são parte da conferência que pronunciei na Teia, evento promovido pelo Ministério da Culturua, em Minas Gerais, na primeira semana de novembro de 2007

PONTOS DE CULTURA - NOVAS EXPERIÊNCIAS DE EDUCAÇÃO E CULTURA - RELAÇÕES ESCOLA E PONTOS DE CULTURA[1]

Severino Vicente da Silva[2]






Devemos estar sempre à procura de entender melhor as ações que realizamos e relacioná-las com outras ações, uma vez que todas as ações que fazemos estão interconectadas, fazem parte de uma enorme Teia, a teia de nossas vidas e de nossos projetos, também eles integrantes de uma Teia maior. A Teia da vida.

1. a escola e seus tempos
Instituição característica de nossa sociedade desde a sua formação, a Escola é parte da existência de cada um dos presentes nessa sala; cada um de nós já esteve nela. Alguns, como eu, jamais a deixaram, desde que nela entraram, pois nela vivem como estudantes e como profissionais; outros, embora jamais tenham participado dela, como estudante, ou como professor, têm sofrido as suas conseqüências. A escola, como a conhecemos, é filha desse tempo chamado moderno, um tempo que se iniciou no Renascimento Cultural europeu dos séculos XIV e XV. À medida que renasciam o comércio e as cidades fazia-se necessário um grupo capaz de manter a contabilidade organizada, acompanhar o movimento dos mercadores e das mercadorias. Os Estados que nasciam desde aquele período entenderam que a escola serviria como local de aprendizagem das artes de escrever, ler, contar. Até as instituições que até então transmitiam seus saberes através da exposição oral, perceberam que a importância da escola. Não foi sem razões objetivas que os cristianismos reformados e católico, n século XVI iniciaram a organização da vida da juventude nas escolas. As escolas passaram a ser o local para onde se enviavam os jovens com os objetivos de adequá-los aos novos tempos: tempos de diminuição dos brinquedos e de uma nova organização dos tempos, especialmente os tempos de trabalho. A escola tomou esse aspecto de formação para o trabalho, disciplinadora dos corpos e mentes especialmente após a Revolução Industrial dos séculos XVIII a XX. A escola tornou-se um instrumento essencial para a construção e manutenção da sociedade do trabalho. A escola parecia, e parece ainda, ser o local excelente para a formação dos homens e mulheres que a sociedade precisa.

2. os pontos de cultura nos tempos
Entretanto, desde tempos mais antigos os homens e mulheres sempre foram capazes de transmitir as suas invenções e suas descobertas aos que chegavam. Ora, é essa capacidade de produzir conhecimento, mantê-los e transmiti-los que caracteriza o humano como o cultural. Naturalmente é homem é um animal criador de cultura e, portanto, seu transmissor. A imensa tradição humana é-nos conhecida exatamente porque foi preservada e transmitida. Sempre, de alguma forma, os homens criaram pontos de transmissão da cultura. Eles ocorriam formal ou informalmente; creio que na maior parte do tempo a transmissão da cultura foi realizada de maneira informal. Em caminhadas, nas conversas e nos silêncios das caçadas, nas conversas em torno do fogo que queimava a carne, no pisoteio das uvas, no machucar dos grãos etc. Posteriormente a sofisticação das sociedades, o crescente número de atividades, ações e conhecimento, exigiram que alguns de seus componentes se especializassem em algo, pois nenhuma pessoa poderia saber de tantas coisas, de tantos conhecimentos como os que os homens, coletivamente, vinham criando. Em diversos grupos humanos foram se estabelecendo grupos que detinham esses saberes. E o saber sempre foi tão importante que alguns passaram a se r considerados sagrados. A maior parte da vida da humanidade, o grande saber era algo divino e que para a divindade deveria levar. Grandes pontos de cultura foram os templos e os locais definidos como sagrados, para onde convergiam, em certa época do ano, as pessoas para participar da celebração de algum saber. Eram muitos e diversos os pontos de cultura, ou seja, lugares de transmissão do saber. Entretanto continuava a haver a transmissão cotidiana e permanente dos saberes das casas, dos pequenos grupos, da família.

Mas também havia, com ainda hoje existem, os lugares de transmissão da cultura prática, locais de estágios, diremos hoje. Entretanto, como se aprenderia ser pescador se não acompanhando aquele que já sabe pescar; como aprender a dar forma ao ferro se não ao lado do ferreiro e com ele experimentando o calor do fogo e a docilidade do minério e a docilidade dos movimentos da mão, da curvatura do corpo, do movimento dos braços, da firmeza das mãos, da atenção do olhar. Esses saberes, como outros, nos entram pelos olhos, pela pele, pelos ouvidos. Por todo o corpo se aprende e é no corpo que se guarda o conhecimento. O conhecimento vinha por inteiro e penetrava, por inteiro o corpo humano. O corpo toma a forma do conhecimento que foi adquirido. E nós sabemos que as mãos de um professor são ligeiramente menos ásperas que a de um cortador de cana. E eram muitos os pontos de cultura que se formaram e, no fim de cada período de formação, no final de cada período de complementação da criação cultural – cultivo do arroz, do milho, do inhame, da pesca, - sempre havia a celebração e a festa. O saber fazer, o saber orientar, o saber cultivar, o saber produzir sempre estiveram ligados ao saber cantar, ao saber dançar. Alegria e produção da comida sempre estiveram juntas.
[1] Texto escrito para o Seminário Internacional Saberes Vivos, ocorrido na Teia Cultural – Tudo de Todos - do Programa Cultura Viva do Ministério da Cultura; mesa redonda Pontos de Cultura – Novas experiências de Educação e Cultura, em Belo Horizonte – MG no dia 8 de novembro de2007.
[2] PHd em História, Professor adjunto do Departamento de História da UFPE, assessor do Ponto de Cultura Estrela de Ouro, cidade de Aliança – PE.

segunda-feira, novembro 12, 2007

um pequeno relatório de uma semana de viagem

Esta semana que passou foi de intensa atividade, de maneira que nem mesmo escrevi aqui neste diário íntimo/público. Após as aulas, viajei até Belo Horizonte, onde participei da TEIA cultural, organizada pelo Ministério da cultura, envolvendo os 625 Pontos de Cultura espalhados pelo Brasil. Embora não tenha participado do encontro desde o começo até o final, participei da sessão inaugural do encontro dos Pontos, enquanto Ariano Suassuna fazia mais uma “aula espetáculo” noutro teatro.

Ainda na manhã do dia 8 estive com um grupo de delegados dos Pontos de Pernambuco, Paraíba e rio Grande do Norte, sobre questões relativas à política cultural a ser melhorada no Brasil. À tarde, participei de uma mesa redonda ao lado de Tião Viana, um ex-professor universitário que pediu demissão da academia para tornar-se um educador popular no Vale do Jequitinhonha; e da Professora Candece Parker, da Universidade de Berkley, que narrou e analisou a sua experiência em promover contato dos seus estudantes com alguns Pontos de Cultura na Paraíba e Rio Grande do Norte. Apresentei uma reflexão da experiência do Ponto de Cultura Estrela de Ouro em suas relações com as escolas da cidade de Aliança.

Já no dia seguinte viajei até Sergipe onde, nos dias 10 e 11, ministrei um curso, na cidade de Estância, sobre Identidade Brasileira e Religiosidade. Muito bom conhecer a cidade natal de Gilberto Amado, onde, também, Jorge amado teria escrito a Tieta do Agreste.
Sobre esses e outros temas voltarei ao longo da semana.

Hoje começa um encontro, na UFPE, sobre a América Latina.

segunda-feira, novembro 05, 2007

Chorando pelos dedos

No final de semana passou tive a alegria de ouvir um belo espetáculo promovido pela LG produções e apoio da Associação REVIVA. Um encontro de Violões Bandolins, no belo espaço do Teatro de Santa Isabel. Gosto de ouvir o Choro dos bandolins, especialmente os choros de Jacob do Bandolim, a sua maneira de tocar. Como sabemos, mais que um ritmo, o chorinho é uma maneira de tocar, de fazer vibras as cordas dos violões, bandolins, cavaquinhos e, atingir os corações. Jacob fez-me sentir essas emoções tocando brasileiramente peças clássicas, com o conjunto Época de Ouro, apesar dos preconceitos que criamos contra o que nós criamos.
O bom daquela noite é que conheci Déo Rean, um seguidor de Jacob do Bandolin, no estilo de tocar, com simplicidade as cordas do instrumento e nos lançar no infinito mundo da música. O primeiro disco de Déo tem como título Chorando pelos dedos, ainda em longplay, lamçado algum tempo após a morte de Jacob. Foi apresentado desde então como o sucessor de Jacob do Bandolin
A noite foi para ouvir os inéditos de Jacob do Bandolin, com o Déo nos lembrando o Mestre. é o segundo disco compacto, gravado pelo discípulo, das obras que o Mestre não pode tocar.
Mas foi também um momento para ouvir o conjunto pernambucano, liderado por Marcus e por Spock. Pernamnbuco é um dos maiores centros cultores de Choro no Brasil. Na noite de virada do século, escutei, na cidade de Floresta do Navio, um grupo de chorões, bem no meio da praça, bem no meio da festa. Era o choro entrando no seu segundo século.
A belanoite terminou com o clássico Noites Cariocas.