segunda-feira, outubro 29, 2007

Sem deixar a vida nos levar

Nesta manhã de segunda feira continua a ocupação da Reitoria da UFPE. Não é única ocupação em andamento no país. Estão ocupadas a Federal Fluminense, a Federal de Santa Catarina e mais oito. Os jornais não mencionam nenhuma delas. As televisões simplesmente nada comentam. Se não estiver na grade de programação das emissoras, é como se nada estivesse acontecendo. Definitivamente os reais problemas brasileiros não se encotram nos noticiários das televisões. A gente não se encontra por alí. As televisões são concessionárias, não do povo, mas do governo que deveria ser do povo e exercido em nome do povo, diz a Constituição.

Atualmente o grande assunto é a aprovação do Confisco Permanente da Movimentação Financeira. Ele foi criado para solucionar os problemas da saúde pública, mas agora é parte inerente dos programas sociais-assistenciais do governo. Para manter a CPMF atual administração do Brasil, liderada pelo petista Luiz Inácio da Silva, está fazendo chantagem com os senadores, bem no estilo Renaniano. Também chantageia os governadores e possíveis candidatos à presidência. Governar é chantagear, é negociar com os impostos que o povo paga.

Amanhã, com o dinheiro do povo, o avião da presidência da República irá até a Europa para uma cerimônia que oficializa o Brasil como sede da Copa Mundial de Futebol. Enquanto isso as reitorias estão repletas de estudantes protestando contra o decreto do presidente que pretende definir que apenas dez por cento dos estudantes sejam reprovados e que seja aumentado o número de cursos e de vagas para estudantes sem haja novas contratações de professores e sem a previsão de aumento salarial. Isso é aprte do Decreto que aprovou o REUNI.

Ocorrerá com as universidades o que já ocorre com a seleção brasileira de futebol: na convocação se percebe que os jogadores brasileiros que jogam no Brasil não são convocados. E nossos melhores times, inclusive o já penta campeão nacional, não consegue vencer os times da Argentina. São os melhores só aqui dentro do país. É possível que o futebol atual seja uma metáfora do futuro das universidades criadas como foi criada a Liga dos Treze e é administarda a CBF. Mas como dizia o canto preferido nos palnaltos - o Central e os periféricos: deixa a vida me levar, vida leva eu.... , pois como dizia uma música durante a ditadura: tudo está no seu lugar, graças a Deus, graças a Deus... Pois é, eu não posso dizer: Nunca antes eu vi o país assim...

sexta-feira, outubro 26, 2007

Estudantes na Reitoria sem Cipriano Barata

Soube a pouco mais de meia hora que a Reitoria da Universidade Federal de Pernambuco está ocupada por estudantes desde oito horas da manhã deste 26 de outubro. O ato é uma ação de protesto por conta da adesão que as universiddes federais estão sendo obrigadas a fazer ao programa REUNI. Este programa prevê que as universidades federais que aderirem a ele, receberão incentivos do governo federal. Isto significa que as que se recusarem a aderir serão tratadas a pão sem água. Esta é uma maneira democrática de impor índices de aprovação dos alunos (talvez não seja mais importante que eles aprendam, mas que sejam aprovados), o que pode ser entendido como aprovação automática; aumento de número de alunos nas salas de aulas, criação de novos cursos, mas sem previsão de contratação de novos professores.

Os alunos estão preocupados com esses procedimentos e essas exigências. Pessoalmente não tenho visto que tenha ocorrido debate em torno desses temas nos órgãos colegiados, embora eu saiba que uma votação no Conselho Universitário é realizada por representantes dos colegiados menores, e esses representantes devam dar seus votos a partir do que ouviram dos participantes dos colegiados que representam. Creio que a UFPE, como as demais universidades, aderiu ao programa do governo federal. Não parece haver outra alternativa aos reitores. A recusa em particpar desse projeto pode implicar na utilização da máxima: para os contrários, basta aplicar a lei.

A ausência de alternativas é próprio das democracias latino-americanas pós Consenso de Washigton. Lentamente as universidades ao sul do Rio Grande torna-se-ão grandes colégios.

Agora no final da noite chegou uma ordem de reitegração de posse. O interessante nisso tudo é que nada foi noticiado ao longo do dia. Silêncio total nos noticiários das televisões que receberam concessão para atuar no Estado de Pernambuco. A que estado chegamos! O prédio da Reitoria da principal universidade do Nordeste é invadido, mas isto não é matéria jornalística ou de interesse público. Afinal liberdade de imprensa deve ser a liberdade do editor publicar ou não uma notícia, um acontecimento. Como faz falta um Cipriano Barata com sua Sentinela da Liberdade, e um tão mencionado Frei Caneca e o seu Typhes Pernambucano.

Nos tempos em que o Nordeste era Norte, dizem, havia um Leão.

segunda-feira, outubro 22, 2007

Elites

Tenho visto, ouvido, lido a respeito de um filme e um livro : Tropa de elite. Um dos meus amigos, lendo uma das minhas páginas, sugeriu que eu escrevesse algo sobre o filme. Na oportunidade o filme ainda não fora lançado oficialmente4, embora estivesse à venda em todas as esquinas da Avenida Conde da Boa Vista. Amigos meus compraram e fui insuflado para assistir. Até hoje eu não vi o filme. Os comentários sobre a existência de cenas de violência, especialmente as de tortura, afastam a minha curiosidade. Essa minha aversão à cenas deste tipo vem de minha infância, provavelmente, mas creio que seja uma das seqüelas do período em que estive encarcerado em um dos porões da ditadura militar. Não creio que valha a pena o esforço que terei de realizar para ver o filme e comenta-lo. Mas leio o que sai a respeito do filme.

Um dos mais recentes comentários que recebi dizia que o filme é uma apologia do fascismo, e teria sido feito como que por encomenda. O autor do texto informa que tem uma tendência para aceitar a Teoria Conspiratória da História. Um filme, como a realidade, pode ser apreciada a partir de vários ângulos, de tantos pontos de vista quantas sejam as vistas que olham. Outra crítica aponta que o filme foi realizado para denunciar o comportamento fascista da sociedade que aceita certos tipos de comportamentos de seu aparato policial. Uma crítica que vejo como mais simpatia é a do psicanalista Jurandir Freire. Ele compara dois filmes que, no seu entender apresentam duas épocas diferentes da sociedade brasileira: O ano em que meus pais saíram de férias, que acompanha a vida de um garoto no 1970, em plena ditadura militar, e Tropa de Elite, que apresenta o abandono de uma sociedade nos anos democráticos. Jurandir discute a forte presença da solidariedade em um filme e a sua ausência no segundo; certo desejo de mudança e criação de uma nova sociedade, e a ausência de projeto em outro momento.

Procurarei tomar coragem para ir ao cinema e ver o filme que está provocando celeuma, inclusive entre os estudantes universitários, ultimamente tão apáticos a questões que não dizem respeito diretamente a si. É claro que esse debate entre os estudantes universitários está no fato de quem especialmente os de classe média e consumidores de drogas, foram acusados de serem fortalecedores da criminalidade, sustendo dos traficantes. Conversei com uma universitária que acha os policiais estão mais violentos na repressão aos consumidores de drogas, após o sucesso do filme. Mesmo em sala de aula já ocorreu um lapso de três minutos um ardoroso debate sobre o tema. Pode ser que esses acontecimentos nos levem a considerar com maior coragem a necessidade de debater essas questões. Afinal temos que criar, constantemente, a sociedade que queremos. E ela é criação de todos e cada um.

Elite é quem dirige a sociedade, quem a discute, aponta rumos, constrói os caminhos da sociedade.

sexta-feira, outubro 19, 2007

Ocorrências da semana -argentinos, holandeses e brasileiros

A semana passou e não tive tempo para dedicar-me a esse espaço. Agora, no seu final, creio que posso ir um pouco mais além de lamentar que não escrevi.

Uma das correspondências que recebi foi a respeito de um padre que, na Argentina, durante a ditadura militar, esteve a serviço do sistema, ouvindo confissões e passando adiante segredos que lhe eram confiados. Todos nós sabemos que a Igreja Católica, na Argentina, foi cem por cento ao lado dos ditadores, pois entenderam que sem o apoio dos militares a Igreja perderia espaços políticos e as almas dos argentinos. Os cardeais e bispos argentinos traíram o povo de Deus, e traíram a Pátria. Foi isso que está dito na condenação à prisão perpétua que foi dada ao padre criminoso, delator, e responsabilizado por mais de três dezenas de seqüestros e mortes. Deus se apiede das almas daquelas vacas de Barzã, semelhantes a algumas das vacas que tivemos no Brasil.

Outro acontecimento foi uma pequena entrevista feita para um grupo de estudantes de vídeo-digital sobre a presença holandesa no Brasil. Disse que, como a Capistrano de Abreu, esse assunto não me interessa: é algo próprio de senhores de engenho e escravos endividados do século XVII, um momento menor da história do decadente império espanhol e dos primeiros anos da independência das sete Províncias dos Países Baixos. Além de uma saudade eterna pelo futuro que não ocorreu, uma saudade sentida por alguns descendentes dos portugueses de aquém mar, hoje descontentes da opção dos seus antepassados, o que resta são algumas construções subterrâneas, uma palavra e um forte. Evidente que pessoas de mentes colonizadas lamentam não serem holandeses. Mas esses queriam ser qualquer coisa, exceto eles mesmos. Esse é um problema sério. Nós não podemos negar que durante algum tempo Pernambuco esteve sob DOMÍNIO COLONIAL holandês, mas isso não quer dizer que devemos ser colônias ainda nos dias de hoje. O fato de termos a primeira Sinagoga é tão importante quanto a primeira Igreja Católica do Brasil. É capaz de termos tido também o primeiro centro comercial de escravos na América. Nele, cristãos – novos ou velhos - e judeus, e holandeses, mais tsarde alguns africanos, compravam seres humanos como se compram cavalos: olhando os dentes e as reentrâncias. Era o costume civilizado da época. Lamentável é que não temos a primeira universidade das Américas. Todos estavam interessados na produção e transporte de pães de açúcar.

Portugueses católicos, Holandeses Reformados, Judeus portugueses exilados em Amsterdã, tudo isso faz parte do passado e só interessa se apontasse para um presente e para um futuro. O passado pelo passado é a celebração da morte. Ainda assim é bom ter o espetáculo, pesssoas com vestuário da época barroca nas ruas da cidade, como o que ocorreu ontem, com direito a Maurício de Nassau passeando desde a Ilha do Recife até a Ilha de Antonio Vaz, tudo terminando com um banquete na frente do palácio que o Maurico não construiu.

Temos muito a conhecer sobre o nosso país, nosso povo, nós mesmos, pois nós somos o nosso povo. Devíamos gastar menos energia em louvar tanto os que nos oprimiram e cuidar de safarmo-nos dessas opressões. E essa não será uma luta contra outros, mas uma luta dentro de nós, uma luta para que nos aceitemos com os nossos limites, para pararmos de sonhar e de nos aprisionar com os limites que os outros deram.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Encontro de Estudantes, Dia do Professor

Estive, neste final de semana, na cidade de Garanhuns. Estava com saudade das pessoas e lugares que conheci na cidade no início dos noventa, nos cursos de especializações para os professores da então FESP, hoje Universidade de Pernambuco. Os lugares são importantes quando nele agimos e, mais importantes quando nossas ações são positivas. Pouco importa que elas sejam lembradas, que os beneficiários delas sequer lembrem, o importante é que elas foram realizadas e foram benéficas. Assim caminhamos sobre caminhos que não construímos e nem lembramos daqueles que o fizeram.

Esse sentimento neste dia do professor me vem da consciência de que nossa sociedade pouco reconhece o trabalho daqueles que se ocupam de ensinar. Não é de hoje esse comportamento. Caio Túlio Cícero comentava que as pessoas se envergonhavam dos que ensinavam aquilo que elas se orgulham de saber. E Machado de Assis, lamentando, chegou a comparar professores a agulhas que abrem caminhos a serem ocupados por linhas ordinárias.

Mas além alegrar o corpo e a alma com a visão dos lugares e pessoas, também fui participar do Encontro de Estudantes de História. Embora não tenha me apercebido na ocasião, foi uma maneira de celebrar o dia do professor com estudantes que não são meus alunos nos cursos que leciono. Escutei e participei da aula do professor José Maria e seus alunos do curso de História do campus de Nazaré da Mata. Fiquei maravilhado com a leitura que eles estão fazendo dos textos clássicos para entender o que significava a África para gregos, mas também se aventurando no mundo árabe, apresentando uma áfrica que vai além da representação comum dos tambores e movimentos de quadris. As áfricas, são muitas as áfricas, não podem ser homogeneizadas apenas a partir de uma experiência, por mais dolorosa que ela tenha sido. Outra leitura interessante, foi apresentada pela leitura e análise de fontes etíopes, relacionando-as com a leitura bíblica e a tradição judaico-cristã. Foi um momento de muita criatividade aquela Oficina de História. Outro momento interessante foi a audição das pesquisas que estão sendo feitas em torno das práticas religiosas dos séculos XVIII e XIX no Recife. Estar entre estudantes curiosos foi um belo reencontro com Garanhuns. Isso sem contar com a acolhida dos funcionários do hotel e do restaurante que freqüentava no final do século XX.

De maneira que foi ótimo ter estado na cidade, ter estado com estudantes, com pessoas que desejam aprender e continuar a construir um mundo melhor, ainda que seja difícil. Uma das belas experiências decorrente do fato de ser professor é ter, sempre, esse contato com o futuro. Estar com jovens que inventam o futuro - lamentavelmente há jovens que envelheceram ainda no início da juventude -. Neste dia agradeço o fato de ser professor, e agradeço aos estudantes que não me deixam envelhecer.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Conquistando cidadania e respeito: Chã de Camará e Sebastião Grosso

Acabei retornar da cidade de Nazaré da Mata, onde fui encontrar-me com três estudantes (duas de Geografia e uma de História) que irão participar da Usina Cultural, um projeto do Ponto de Cultura Estrela de Ouro. Essas jovens irão, a cada sábado, promover ações envolvendo as mulheres do Sítio Chã de Camará e sua vizinhança. Ainda na tarde de ontem, enquanto mantinha uma reunião com o Griô Biu do Coco e Cleide, os jovens e adultos do Sítio Chã de Camará, com a a supervisão de Afonso Oliveira, cuidavam de colocar canos, bombas e bóias para suspender o tradicional carretel que é utilizado para, com uma corda e caneca, retirar água de um poço de vinte sete metros de profundidade. Às nove horas da noite, enquanto eu estava conversado com as estudantes na Faculdade de Formação de Professores de Nazaré da Mata, recebi uma ligação telefônica informando que agora a Chã de Camará não precisará mais utilizar um método de captação de água próprio do início da colonização do Brasil. O banho agora será no chuveiro e teremos mais higiene na comunidade.

Essa alegria de assistir a promoção da cidadania e o crescimento da estima da população da Chã de Camará, local de fundação do Maracatu Estrela de Ouro, local de formação de mestres da cultura popular da Zona da Mata Norte, ficou um pouco triste por conta da notícia da morte de Sebastião Grosso. Esse homem que passou toda a sua vida na cidade de Goiana, trabalhando no campo e no mercado local, mantinha em sua casa um centro de produção cultural, de manutenção das tradições de seus antepassados. Sebastião Grosso era um grande coquista, um produtor de canções; ele animou a vida de muitos dos habitantes de Nova Goiana, um bairro na periferia da cidade. Com sua casa à disposição da comunidade, Sebastião Grosso cuidava dos desejos da alma e dos corpos dqueles que o procuravam. Ano passado, no Festival Canavial, realizado na cidade de Nazaré da Mata, Sebastião cantou pra um público que sempre pedia mais um verso, mais um coco. Alumbravam-se, as pessoas, com a voz rouca e os versos alegres, debochados do poeta que cantava a vida dos que o ouviam.

Com mais de setenta anos de vida, apenas este ano Sebastião teve um reconhecimento das "autoridades" da sua cidade por sua vida dedicada aos habitantes. O Carnaval da cidade levava seu nome, mas não lhe deram o palco principal. Foi um homenagem envergonhada por duas razões: primeiro porque demorou muito e quase chegava após a sua morte e, segundo, porque as tradições cultivadas pelos descendentes de negros, brancos pobres e índios - esse mundo mestiço e policromático - envergonham a elite econômica, de Goiana e do Brasil, que sempre viu o povo como escabelo para os seus pés.

Contra todas as perspectivas, Sebastião Grosso venceu: cresceu, formou família, fez-se poeta, colocou o seu povo como centro de sua vida e fez a história de Goiana mais alegre e mais bonita.

Peço a bênção a Sebastião Grosso, agora cantando coco com todos os santos de seu povo.

terça-feira, outubro 09, 2007

Um encontro de mestres - parte 3

A Ação Griô é um programa do Ministério da Cultura, aplicado em alguns Pontos de Cultura espalhados pelo país. Esse programa toma por base uma tradição africana de mestres que transmitem as tradições ancestrais do povo, contando, falando, cantando as sagas vividas pelos grupos e pelas pessoas. Essa forma de manter a tradição foi experimentada em Lençóis, Bahia, no Ponto de Cultura Grão de Luz e Griô. Então foi proposta como modelo pedagógico para outros pontos de cultura. Os dois textos anteriores contam um pouco o que foi o 5º Encontro Regional da Ação Griô Nacional, que foi o Encontro Regional Ventre do Sol, que envolve os griôs de Alagoas, Pernambuco e Rio Grande do Norte. Esse encontro aconteceu em Piaçabuçu, AL, na foz do Rio São Francisco, nos dias 5, 6 e 7 de outubro. A coordenação nacional dessa ação é de Márcio Caíres e Liliam Pacheco.
É uma boa!
:)

Um encontro de mestres - parte 2

O caminho para Piaçabuçu pareceu mais longo e lá só chegamos após a noite entrada. Após o jantar o grupo foi dividido em duas pousadas e fomos dormir, descansar da longa jornada.

Apenas no dia seguinte é que os trabalhos começaram em uma escola do sistema municipal entre cantos, danças e explicações para os que chegaram e para os da terra. É verdade que aos poucos nos íamos conhecendo. Um mestre de capoeira vindo do Rio Grande do Norte (Marcos), um contadora de história, sendo já ela uma história em Pendência, RN (Dora), aquela outra que está organizando as parteiras (Suely), os mestres e mestras de terreiros (Dito, Lúcia), mestres e mestras de Coco (Ana de Olinda, Biu de Aliança), Mestre de Mararacatu (Zé Duda), grupos de Arapiraca (Domingos) de Piaçabuçu (Cícero, Pagode), o o índio Matinho da tribo Fulni-ô de Águas Belas, e os Aprendizes e os assessores (Fátima Freire, Vanda Machado).

Aos poucos, entre uma e outra oficina pedagógica, ao longo de três dias, foram transmitidos, oralmente, corporalmente, musicalmente, muitos vieses das culturas formadoras do povo brasileiros, embora o acento fosse, especialmente, a tradição ancestral vinda da África, uma necessidade de tornar visível e auxiliar o Brasil se enxergar de uma maneira diversa daquela apresentada nas escolas e nos meios de comunicação social.
Mas ali tivemos muitas riquezas postas ao lado de outras para que elas se revigorassem. A multiplicidade de folguedos criados pelos trabalhadores é impressionante e não pode ser posta em uma só vertente, nem ser debitada a uma só ancestralidade, como se tenta fazer com as tradições européias. Interessante como ali conviveram diversas tradições religiosas, candomblé, catolicismo, evangelismo, um certo ateísmo, que admitiam ter algo em comum, e viveram a diferença, inclusive silenciando para que se ouvisse falar que estava mais organizado para falar.

Mas todos ouviram que há diferença e que a nossa beleza está nessa diversidade. Pareceu-me que todos, inclusive os que mais falaram, entenderam que devem usar um pouco mais as orelhas externas e internas.

Chamou atenção o fato de todos quererem ver o Rio São Francisco, tocá-lo. Esse Rio é uma pessoa que emociona. Algumas lágrimas serviram para aumentar o fluxo do Irmão Rio, como diria o Francisco de Assis. Infelizmente nem todos puderam satisfazer esse desejo, talvez por conta do que estava programado.

Um dos bons programas foi o encontro dos mestres griôs com estudantes de várias escolas. Ao menos quatro classes, de escolas diferentes foram atingidas. A idéia era verificar como os grupos estão se aproximando das escolas, como estão sendo realizados esses encontros entre os mestres da cultura popular, em suas diversas matrizes, com a escola: deseja-se que haja um intercâmbio e não substituições de funções. A cultura do povo deve estar presente na transmissão da cultura já referendada pelos grupos dominantes, pela cultura hegemônica que não deve homogeneizar aquilo que diverso por sua natureza.

Aos poucos vamos compreendendo que o cultura tem um sentido, que esse sentido deve ser acolhido com respeito à diversidade, pois a diversidade é resultante da identidade que cada grupo tem, uma identidade que vem da experiência de cada um, seja ele caboclo, índio, afro-descendente, europeu-descendente, mestiço, curiboca, cafuso. Quem sabem o que é sabe acolher o diferente de si. Só quem ainda não está seguro do que é tem dificuldade de verificar quem os demais são. Somos todos participantes de um imenso círculo de cultura e nele devemos nos deixar penetrar pelas palavras e gestos que nos são apresentados.

Na extraordinariedade do cotidiano todos devemos buscar a sabedoria, a honestidade e a responsabilidade, confiabilidades, essas grandes veredas por onde devem andar os Griôs.

Essas e outras coisas foram ditas, pensadas, assimiladas, ouvidas por muitos. A pena maior ficou pelo não tempo para avaliação, mas, creio, a avaliação será feita ao longo do trajeto que continua. Espera-se que cada grupo seja capaz de buscar, ou continuar em seu próprio caminho, acolhendo essa experiência, sem fossilizá-la ou dogmatizá-la.

Um encontro de mestres - parte 1

04 de outubro


Neste dia dedicado a São Francisco de Assis, o dia começou com a recepção de Mestre Zé Duda e Mestre Biu do Coco para o café da manhã, na minha casa. Eles haviam saído de Aliança desde as cinco horas da manhã, e agora haviam chegado à Jatobá, na periferia de Olinda. Estávamos nos preparando para irmos à cidade de Piaçabuçu, para o encontro de Griôs. Piaçabuçu está localizada na foz do Rio São Francisco, no Estado de Alagoas. Coincidência esse caminhar para a foz do Rio comumente dito da integração nacional. Navegando as suas águas, ou caminhando em suas margens, homens e mulheres formaram ao longo de três séculos diversas sociedades que comungam o Rio. Américo Vespúcio, após se “aposentar” de seus trabalho para a casa dos Médicis, banqueiros italianos que financiaram muitas viagens para as Américas, foi quem deu nome a esse rio que ele viu sair do continente, com suas águas entrando o oceano Atlântico. Era 4 de outubro, o rio passou a ser São Francisco. No dia 4 de outubro de 2007, Griôs de vários Estados do Nordeste começaram a dirigir-se para a Foz do Rio São Francisco.

Essa nossa viagem teve sua primeira parada na Praça do Carmo, na cidade de Olinda. Fundada por Duarte Coelho para ser a sede de uma capitania que começava na beira do oceano Atlântico e que se estenderia até o mais distante sertão, até onde se pudesse ir. A praça do Carmo, em Olinda, tem esse nome porque Jerônimo de Albuquerque deu a dois carmelitas uma ermida dedicada a Santo Antonio e São Gonçalo do Amarante para que eles se estabelecessem em Olinda. Ali eles construíram uma Igreja que está lá desde então. A praça ficava fora da cidade, uma vez que a cidadela fundada por Duarte Coelho era localizada na colina. Pois bem, na Praça do Carmo começou o encontro dos Griôs. Eles foram chegando meio desconfiados e, posso até dizer que as comunicações foram pequenas nos primeiros instantes.

Finalmente o ônibus chegou e nele todos entraram e nos dirigimos ao Marco Zero, na cidade do Recife. Ali ficamos parados observando, Zé Duda e Biu do Coco, a praça que hoje está bem diferente daquele que eu conheci nos anos sessenta do século XX. Naquela década o Recife ainda era um porto com alguma importância e a vida econômica fluía nos passos dos estivadores, dos marinheiros, dos comerciantes, dos representantes de empresas estrangeiras; mas também fluía no vaivém de pessoas comuns, pois todos os ônibus que atendiam os bairros para o porto se dirigiam, O Marco Zero era o começo da vida do Recife. À Noite a região era tomada por boêmios em busca de diversão, em busca de prostitutas que lhes dessem o carinho que a vida lhes negava. Hoje a praça não tem mais vegetação, mas é embelezada pela bela Rosa dos Ventos e dos Tempos idealizada por Cícero Dias, agora posta no chão, servindo para grandes concentrações públicas. Tive mais dificuldade de explicar as esculturas de Francisco Brenand, anunciando a criação do mundo, ali, no limite entre o mar e a cidade que dele saiu e dele viveu.

continua......

terça-feira, outubro 02, 2007

Carta a Luciano sobre um carta de Luciano

Soube que está rolando nos espaços da rede internacional de informações uma carta indignada contra a violência. ela está, segundo soube, assinada pelo empresário e apresentador de programa de televisão Luciano Huck. A carta foi resultante de um assalto que ele sofreu nos tortuosos caminhos da paulicéia. Logo Huck, um bom rapaz que ajuda os mais pobres, que apoia movimentos de comunidades! horrível que essas coisas aconteçam, que não se reconheça o esforço que pessoas boas fazem para tornar o mundo menos ruim. Concordo com esse nosso direito de nos indignar diante tanta violência e sofrimento que são causados pela alta concentração de renda em um setor da sociedade, enquanto outros setores ficam tão pobres que já não conseguem reconhecer seus amigos. É duro admitir que sociedades tão urbanizadas tenham que viver no sobressalto do próximo assalto. ah! seria tão bom que os que não puderam acumular riquezas não ficassem tão irritados.

Na verdade, estão irritados os que perceberam que não poderão jamais acumular riquezas, uma vez que os salários são aviltantes, que não há empregos para os jovens, que não se pode pagar escolas, que não se ganha o suficiente para garantir a alimetação da família, para se pagar o aluguel e tantas outras coisas. Parte dos pobres, uma grande parte, continua tentando viver mantendo os valores sociais que herdaram, valores como trabalho, sinceridade, solidariedade, honestidade, amizade, gratidão, e tantos outros. Contudo, tem aquela parte, uma minoria, que aprendeu o que os mais ricos, os acumuladores de riqueza ensinam a cada dia: a ambição, a inveja, a gula, a mentira, a delação, a falsidade, a desonestidade das palavras e das ações, a busca da vantagem própria e individual a todo custo, a hipocrisia da indignação contra a violência só quando ela lhe afeta diretamente. É isso que faz mulheres que não estavam se preparando para ser mães a jogar seus filhos no mato ou em algum rio. Elas não queriam o filho, queriam apenas o gozo do prazer, pois lhe disseram que a vida é para gozar.

Gostaria de ler uma carta de Luciano Huck lamentando o assassinato de um professor porque ele havia denunciado que jovens de sua escola estavam assistindo aulas armados, pondo em risco a segurança de muitos. As investigações corriam em segredo, mas alguém soube e o professor foi morto com dez tiros. Mais de 40% dos professores que lecionam em São Paulo já foram agredidos, e não há nenhuma reação indignada da sociedade que está saturada de gordura e que vive nas academias para manter a forma e poder ir ao próximo baile de gala. E tome gala! Não vi sindicatos de professores chamando a sociedade para abraçar escolas, proteger professores. Os sindicalistas, parece, estão mais interessados em "negociações" que tragam resultados práticos, às vezes mais para os sindicatos que para os sindicalizados.
No Recife um professor foi agredido por vários alunos e a secretária de educação (?) disse que não aconteceu nada. Enquanto isso as pessoas ficam indignadas porque os pobres não percebem que elas são boas e ajudam os pobres. Ótimo que individualmente todos somos bons, mas como é triste perceber que, sendo que todos somos bons, estejamos construindo uma sociedade má.

Caro Luciano Huck, precisamos melhorar um pouco mais nosso desejo e prática da bondade, precisamos melhorar o nosso entendimento de justiça. Sociedades que cultivam a acumulação de bens como objetivo maior, são ninho e berçário de violência. Esmolas de fim de semana, ou fila de bancos e loterias no fim do mês, sem mudança de estruturas e comportamentos estruturais é desejar curar câncer utilizando curativos de farmácia. Por outro lado não podemos desistir só porque algo triste nos aconteceu. Não desista de continuar seus trabalhos, mas saiba que curativos superficiais nem mesmo atenuam de verdade as dores do conceroso. Nossa sociedade está muito doente, o seu carro blindado é um sintoma dessa doença.