domingo, maio 20, 2007

De Afonso Celso a Chalaça

Continuam a aparecer notícias sobre as melhoras que o Brasil vem vivendo nos últimos anos. A riqueza tem aumentado, as divisas têm crescido, vive-se mais tempo, "nunca antes na história do Brasil este país cresceu tanto", e a bolsa de valores deve um pedido de desculpas ou um ato de agredecimento ao atual presidente do Brasil, pois ela, a bolsa, nunca esteve tão bem. Comer frango tem se tornado algo comum desde o tempo de FHC e agora, os fundos de pensão estão investindo da Bolsa e o Brasil está cada dia mais aceito no mercado internacional. A coisa está tão boa que, além da Bolívia e Argentina, o Brasil já é considerado capitalista e explorador no vizinho Paraguai. É preciso cuidado para não ficar tomado por um acesso súbito de complexo de Afonso Celso.

Embora não queira parecer pessimista nem ati-patriótico, preocupo-me com índices educacionais e culturais. Os vejo como melhores indicadores do presente/futuro do Brasil. Poucos museus, poucas bibliotecas e poucas livrarias. Talvez uma por centro de compras - shoping center -.

Estive em Santo Antonio de Jesus, BA, cidade de mais de cem mil habitantes e não encontrei livraria; moro em Olinda, primeira capítal cultural do Brasil - lugar onde papelaria é sinônimo de livraria. O mesmo se diga para as demais cidades da Região Metropolitana do Recife. Cidades como Carpina, Nazaré da Mata, Goiana, Pesqueira, Belo Jardim, Arcoverde, Vitória de Santo Antão, Palmares, Belém do São Francisco, Serra Talhada, Salgueiro - cada uma dessas cidades tem ao menos uma faculdade, um estabelecimento de ensino superior, mas nenhuma tem livraria. O que isso significa?

No Recife, as bibliotecas públicas são as mesmas de minha infância - Casa Amarela, Afogados, Estadual no Treze de Maio. Escuto que a zanga que os brasileiros têm dos argentinos é decorrente - ainda que não saibam, de que há mais livrarias em Buenos Aires que em todo o Brasil.

Leio, no Jornal do Commericio deste domingo, um artigo do escritor Raimundo Carrero dizendo que as pessoas que se opõem ao projeto do prefeito da cidade para um parque no Bairro de Boa Viagem são intransigentes. Para mostrar a intransigência dessas pessoas, ele lembra que já está ficando velho, mas ainda se lembra de como foi intransigente na juventude quando: foi contra o porto de Suape, foi contra o Centro de Convenções, e lembra que alguns foram contra a ~modificação do Marco Zero. Lembra também que o Porto de Suape e o Centro de Convenções e o Marco Zero, apesar das oposições, estão hoje funcionando e vem trazendo benefícios para Pernambuco. Como atual prefeito já disse que o futoro mostrará que ele, o prefeito, tem razão, o nosso escritor e homem de cultura, utilizou o passado para acusar os que discordam da atual administração de "intransigência".

Chamar o passado, advogar a presença do futuro e não viver o diálogo presente. O presente é meio ficção. O escritor é ficcionista.

As três grandes obras citadas pelo escritor foram feitas sem a consulta à população. Elas trazem benefícios hoje, mas o porto de Suape afetou o equilíbrio ecológico, fazendo crescer o número de tubarões frenquentadores das águas em Boa Viagem; o Centro de Convenções tem trazido riquezas para o turismo no Estado, mas até agora não está integrado à vida da cidade. Essas duas obras foram pensadas e paridas durante a Ditadura Militar, que a todos achava "intransigentes" por não compreenderem os benefícios que elas viriam trazer. Ouvi de um progressista, a respeito da cosntrução da avinida Agamenon Magalhães: Não se pode ir contra o progresso.
Todas as obras trazem benefícios. A questão é saber quem são os beneficiários. Quanto a mudança no Marco Zero da cidade do Recife, o que se discutiu foi o método, a pressa e a falta de respeito à história do Recife, especialmente aquela que está - no caso estava - guardada no subsolo da cidade atual. (À época escrevi um artigo publicado no Jornal do Commercio, demonstrando a minha intransigência. Ainda não estou velho o bastante.) Não foram feitas as averiguações arqueológicas necessárias. o Fato de agora todos estarem felizes dançando naquele espaço, não me impede de dizer que o prefeito da época não considerou com respeito a opinião dos cidadãos da cidade, não pode, também, ser motivo para dizer que os que não concordam do caminho que as coisas tomaram são intrasigentes. Mas o que dizer dos intransigentes que foram contra a destruição d Igreja dos Martítrios para a construção da Avenida Dantas Barreto?

A população, nesse país que só considera a opinião de alguns, especialmente os vacacionados para Chalaça, terminará por ter mais um espaço para eventos "culturais" (isso é sinônimo de show, tanto faz se brega ou cult). Ela terminará por "com Oscar Niemeyer e João Paulo, assinar esta obra", como diz o escritor. Mas teremos menos verde do que temos, e não haverá muito espaço para a leitura de livros. Haverá alguma livraria, é caro escritor?

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