quarta-feira, março 07, 2007

Viagem à zona da Mata Pernambucana

Este é o relato da viagem de estudo que foi realizada por alunos da disciplina Problemas da História do Nordeste, realizada no início de Fevereiro deste ano. o Autor deste relatório é Diogo Vieira.




A primeira viagem que fizemos na universidade teve um caráter todo especial. Primeiramente por que com ela conseguimos integrar mais a teoria da história do nordeste açucareiro com a realidade prática. Parece até que tivemos a oportunidade de entrar nos livros de história e conhecer papavelmente tudo aquilo que líamos a respeito. O passado se tornou mais claro, mais próximo de nossa realidade citadina e virtual.
Os teóricos da história afirmam que o passado está sendo destruído por uma geração que não se reconhece. Mas é importante perceber que essa geração não se reconhece por que não tem possibilidade ou incentivo em descobrir o cotidiano, as praticas, as formas de organização e vivência dos seus antepassados, não podendo assim imaginar, refletir ou tentar reproduzir a vivência e a realidade dos seus ancestrais. Primeiro, a realidade de um jovem de classe média que habita numa grande cidade, como Recife, não se relaciona em momento algum com o que foi visto nesta viagem. Segundo porque complementamos um pouco o conteúdo fracionado que nós foi dado visitando cidades satélites de plantações e engenhos, e vimos como essas regiões sobrevivem na atualidade. Vimos que a vitalidade de ocupações humanas interioranas se manteve apesar da situação econômica deteriorada do presente. Cidades como Goiana, Nazaré da Mata e Tracunhaém foram importantes centros que continham engenhos e grandes plantações, mas com o declínio do açúcar e com o posterior aumento populacional começa um processo de expansão das atividades econômicas e hoje existe um complexo produtivo mais sofisticado e diversificado

·As cidades visitadas

1. Goiana, por exemplo, será, com o desenvolvimento de algumas empresas farmacêuticas que estão se instalando um grande centro biomédico, possui uma estrutura urbana e econômica considerável e chega a ser um verdadeiro ponto de referencia para uma abrangente área próxima. Almoçamos na cidade e visitamos um engenho desativado, onde uma família tradicional da política e da economia nacional procura manter a estrutura senhorial da casa. Família tradicional por que tem em sua árvore genealógica João Alfredo, um grande líder político nacional, e por que tem um domínio secular da região. Nesse engenho conhecemos as instalações da casa dessa família de senhor de engenho tradicional, conhecemos o “sala dos homens”, onde após as refeições, os homens iriam conversar sobre os bordeis e a política; conhecemos os quartos de dormir dos homens e das mulheres, conhecemos também a mesa de jantar, as fotos da família, a senzala familiar(diferentemente do que pensávamos ser uma senzala), conhecemos alguns apetrechos usados para torturar os escravos(chicote, tronco e gargantilha). Visitamos nossas aulas de história, percebemos que o que estudamos existiu e que existem verdadeiramente resquícios, memórias e permanências do passado.
Entendo que a visita a esse engenho foi o ponto culminante da viagem. Logicamente podemos criticar os espaços e a posição da expositora, mas pretendi em minha analise daquele espaço perceber que esta família encontra-se num processo extremo de decadência financeira e desta forma a criação do museu e do espaço para recepções da casa grande foi uma forma de aliviar esses problemas. A casa continha realmente objetos cronologicamente conflitantes, mas é preciso avaliar que esta família percorreu todo o período histórico que compreende o século XIX e o século XX e inevitavelmente substituiu alguns objetos. Toda fonte histórica apresenta deficiências; este museu que visitamos precisa ser criticado, mas não execrado, pois ele responde satisfatoriamente ás expectativas que depositamos na sua visitação. Não podemos esperar de um espaço destinado a um público médio uma rigorosidade histórica exemplar e também não podemos esperar que uma família aristocrática falida possa revitalizar aquela casa nos moldes senhoriais do século XIX, e que gastasse uma fortuna redecorando a mesma. Dona Eleonora, como guia dentro do seu museu casa, deixou a desejar, pois não seguiu um cronograma explicativo e deixou de abordar temáticas interessantes e relevantes, porém satisfez as minhas expectativas por que perguntei bastante ao pé de ouvido e escutei contos e histórias particulares da família.

2. Tracunhaém, e a sua tradição na produção de cerâmicas artesanais e artísticas, também serviram de exemplo para percebermos que os engenhos, às vezes, tinham em suas propriedades olarias para a produção de telhas, caixas e vasilhames de barro. Nessa perspectiva percebe-se que a tradição antiga dessas olarias possibilitou ao povo a criação de uma tradição na produção das cerâmicas que fez com que o centro de produção fosse intensamente conhecido. Outro aspecto impressionante da cidade foi a determinação da discriminação racial e social que estava estabelecida com a construção das duas igrejas, a igreja dos negros e a igreja dos brancos e ricos. Nessa parada passamos um tempo conversando com artesãos da região e percebemos um pouco aquele clima de compadrio, de proximidade, de intimidade que as relações formadas por pessoas que participam dessa tradição rústica do interior apresentam. As relações interpessoais dentro desse aglomerado populacional chegam a lembrar o significado semântico da palavra comunidade.


3. Na cidade de Nazaré da Mata começamos a ver a tradição do maracatu rural. Fomos ao Centro Cultural Mauro Mota que tem como principal atividade a divulgação do maracatu, de suas roupas e tradições naquela região. Foram-nos mostrados os personagens que habitam essa tradição cultural e as formas de se comportar dentro dessa manifestação artística. Ao passar por dentro deste centro me deparei com uma pilha de livros e o primeiro era assinado por Severino Vicente, docente da UFPE, percebi, então a importância da narrativa deste pesquisador para aquela forma de manifestação social e cultural. Iria me deparar novamente com sua obra em Aliança.
Visitei, por um instante, também uma feira de hortifrutigranjeiros e revitalizei as minhas lembranças sobre esse espaço de interação social e cultural que dentro da tradição rústica do interior tem muita importância e tem um significado especial de interação social e cultural. Quando um historiador visita uma feira ele tem que perceber quais produtos que são oferecidos com abundância, quais são relegados a um quase completo esquecimento; tem que perceber a forma de comunicação empregada nessa atividade, ou seja, a feira como ponto de encontro da cidade tem em material que pode ser utilizado por todas as ciências sociais para análises dessas cidades e desse espaço especifico da cidade.


4. Em Aliança chegamos ao segundo ponto culminante desta viagem. Este ponto foi uma casa onde se encontram alguns mestres de maracatu para entoarem suas canções. Visitando a casa percebemos fotografias e livros espalhados pela casa, novamente a figura do Docente da UFPE(Severino Vicente) se fez presente em fotografias e livros. Conhecemos um fabuloso mestre de maracatu que cantou e dançou para o grupo expondo sua arte e sua cultura. Todos simples agricultores, pessoas da Zona da Mata que tem intima relação com o contexto rural e que tentaram transplantar essa tradição para um grupo urbano e que tem no conhecimento teórico, na pesquisa teórica suas principais atividades. O agricultor e a sua cultura prática e social se encontram com um grupo de estudantes urbanos e teóricos.


5. Conclusão
O encontro entre a prática e a teoria foi o que mais marcou essa viagem. O descobrimento das fontes que preenchem os livros de história fascina o historiador iniciante na sua ânsia de descobrir relevantes fontes de estudo que possibilitem trabalhos e reflexões. Nesse momento, pessoalmente, conheci a força do maracatu rural e repensei a minha forma de atuar como pernambucano.
Preferi não relatar nomes nem datas com precisão, pois na viagem procurei curtir a paisagem, as localidades e o prazer da visitação e desta forma percebi que o que mais importou nesta nossa trajetória foi o sentido da mesma. O sentido de tentar integrar os diferentes. Juntar o que parece próximo na pratica, mas que é totalmente desvinculado. A cultura pernambucana rural, canavieira esta muito mais longe dos cidadãos médios de Recife do que a cultura globalizada veiculada pela internet e pela televisão. Somos distantes do nosso passado por que não conhecemos o mesmo, não somos integrados com ele. A viagem foi um ponto inicial para buscarmos nosso passado e nossa identidade regional. Pena que atividades como estas sejam raridades dentro da universidade.

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