quinta-feira, março 08, 2007

Relatório de José Vicente = Problemas do Nordeste

Este é o relatório de José Vicente de Souza Patriota, de atividade realizada no mês de fevereiro, na disciplina Problemas da História do Nordeste



Relatório da excursão didático-pedagógica por alguns dos municípios da Zona da Mata Norte de Pernambuco, realizada em 9 de fevereiro de 2007.

A realização dessa excursão aos municípios de Paudalho, Nazaré da Mata, Buenos Aires, Aliança e Goiana teve como objetivo principal fomentar o processo ensino-aprendizagem na disciplina Problemas da História do Nordeste, permitindo aos envolvidos na referida atividade acadêmica experimentar in loco um pouco da realidade sócio-cultural da região. Aspectos econômicos também foram motivo da nossa observação, proporcionando-nos momentos de reflexão acerca do desenvolvimento vivenciado por essas áreas em momentos históricos passados e recentes.
A saída da cidade do Recife ocorreu na manhã do referido dia por volta das 7h30min, partindo do estacionamento do prédio do Centro de Filosofia e Ciências Humanas, seguindo pela BR 101-Sul e Rodovia Luiz Gonzaga até alcançar a rodovia de acesso ao município de Paudalho.
Seguimos nosso roteiro cultural empolgados pelo som de uma miscelânea de ritmos musicais tradicionais da região e pelas inserções do nosso professor Severino Vicente com o fim de nos aguçar os sentidos para os detalhes que as paisagens tinham a nos revelar ao longo do percurso.
Na saída de Recife e em confluência com um breve trecho do município de Jaboatão dos Guararapes presenciamos um exemplo de desrespeito ao pouco que resta de um bem tão valioso para a biodiversidade de nossa região: a mata atlântica. De passagem pela área rural do município de Paudalho conhecemos pequenas comunidades surgidas da aglomeração de populações saídas das plantações de cana nas décadas de 60 e 70 do século XX em função do Pró-álcool. Essas comunidades, nessa mesma época, deixaram de ser grandes fornecedoras de frutos para a Zona Metropolitana do Recife. Uma delas, denominada de Guadalajara, foi assim batizada em homenagem à copa de 1970, realizada na cidade mexicana de mesmo nome. As populações desses lugarejos foram se fixando próximo ou até às margens da rodovia e até hoje em dia mantém certa estagnação em seu desenvolvimento, posto que a economia da região não oferece maiores oportunidades.
Ainda de passagem por Paudalho, conhecemos o acesso ao santuário de São Severino dos Ramos, local de incansáveis peregrinações realizadas por nordestinos dos mais variados lugares, que buscam manter viva a esperança de dias melhores e também fortalecer a fé/crença numa força superior que ajuda o ser humano a manter-se vivo. Nesse momento, veio à minha lembrança, “Ramos da Fé”, documentário que foi passado em sala de aula de nossa disciplina e que nos mostrou mais uma das tantas religiosidades de um Nordeste inventado pelo povo. Seguindo viagem em direção a Carpina conhecemos, de passagem, o prédio da atual Academia de Polícia Militar de Paudalho que, entre os anos de 1945 e 1970, funcionou como seminário para a preparação de padres para a Igreja Católica.
Do trevo de Carpina, antiga “Floresta dos Leões”, partimos na direção ao município de Tracunhaém, conhecido por suas peças de artesanato em barro. Esse município é um dos maiores centros de produção de cerâmica artesanal do país. Já no centro da cidade pudemos perceber a existência de inúmeros ateliês que contam com uma produção artística encantadora que valoriza a identidade cultural da comunidade. O nome do município de tracunhaém tem origem tupi e significa “panela de formiga”. Os povos indígenas que habitavam a região formaram os criadores das primeiras peças do artesanato regional. A cidade conta com igrejas seculares: a de Santo Antônio, fundada em 1669 e a de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, de 1837. A primeira era freqüentada pelos senhores de engenho e pelas famílias mais “distintas” e a segunda era destinada aos negros com o intuito de não misturar os trabalhadores do eito com os demais cidadãos. Em visita a esta igreja ficamos sabendo, através do coroinha, que ela se destina atualmente às atividades pastorais e de ponto de encontro de grupos de jovens e a de Santo Antônio passou a reunir o povo em geral para as missas. Depois passamos pelo Centro de Artesanato de Tracunhaém, que fica localizado ao lado da Igreja de Santo Antônio, onde alguns colegas puseram literalmente a mão na massa e experimentaram o torno dos artesãos, localizado nos fundos do Centro, confeccionando algumas peças com a ajuda dos pacientes e atenciosos artesãos do lugar. Também foram adquiridas, por alguns dos nossos companheiros de viagem, alguns exemplares da produção cerâmica, o que não deixa de representar ainda uma forma de proporcionar àqueles trabalhadores uma melhoria na sua qualidade de vida, numa atitude socialmente responsável com a certeza de estar levando para casa uma produção autêntica, de qualidade e de beleza singular.
O próximo destino foi a cidade de Buenos Aires, lugar onde conhecemos o antiquário Biart cujo acervo possui peças antigas de igrejas, engenhos e de utilidades domésticas de várias épocas como, por exemplo, ferros de passar a carvão e candeeiros a gás. O caminho até o antiquário teve de ser feito a pé, o que nos proporcionou a bela sensação de estar num lugar calmo, pacato e de gente hospitaleira. O nome do município, segundo perguntado a um transeunte encontrado em frente à primeira igrejinha do lugar e que, por sinal, se encontra bastante deteriorada, deve-se a um padre argentino que se arranchava no antigo engenho da região. Certa vez se posicionou em direção ao horizonte no sentido da cidade de Tracunhaém e disse, apreciando a paisagem e o vento suave e constante que soprava naquela direção: “-Esse lugar há de se chamar Buenos Aires”.
Chegando a Nazaré da Mata conhecemos o Ponto de Cultura do município, localizado no prédio do antigo Açougue Público. Ali se pode ver algumas indumentárias de grupos de maracatu e outros traços da cultura regional como produção literária à venda sobre as manifestações artísticas e sócio-culturais. Ali se podem adquirir obras como a do nosso professor Severino Vicente, intitulada “Festa de Caboclo”, publicado pela Associação Reviva, que contribuem para o fomento à pesquisa e à disseminação do conhecimento da cultura popular.
Mais adiante chegamos ao município de Aliança, mais precisamente à comunidade de Chã de Camará, onde fica a sede do Maracatu Estrela de Ouro dos mestres José Batista e Zé Duda. Fomos muito bem recebidos por alguns dos integrantes do referido grupo cultural que nos presentearam com uma bela dança de coco abrilhantada por formosas dançarinas da região, tocando simultaneamente seus instrumentos. Conhecemos também as instalações do projeto de incentivo às tradições locais mantido na comunidade e que tem como um dos colaboradores o nosso professor.
Seguimos em direção ao município de Goiana, nosso último destino. Lá, visitamos o antigo engenho Uruae, pertencente aos descendentes da família do Conselheiro João Alfredo. Fomos recepcionados pela proprietária do engenho, a senhora Eleonora Rabelo, atualmente exercendo o cargo de secretária de turismo da Cidade de Goiana. Ficamos admirados com o conforto gozado pela família do senhor de engenho em detrimento das péssimas condições de alojamento dos escravos, apinhados na senzala ao lado da casa-grande. A condição da mulher no seio da família patriarcal foi bem contada por nossa anfitriã que mostrou todos os cômodos da casa, inclusive identificando aqueles destinados exclusivamente às mulheres e os dos homens, onde elas jamais poderiam entrar. Conhecemos a capela do engenho, a qual tinha um acesso exclusivo à casa-grande, o que evitava a proximidade da família aristocrática com os demais habitantes do lugar. Dentro da casa-grande uma boa parte do mobiliário encontra-se preservado, salvo alguns objetos modernos incorporados ao ambiente. Ao longo da fala da Sra Eleonora percebemos um certo saudosismo quando se referia aos seus antepassados e de certa forma no que tange até mesmo ao seu modo de vida. Poderíamos talvez associar tal comportamento a certa fruição de status experimentada numa realidade um pouco diferente da de hoje. Em todo caso, percebe-se uma tendência em enaltecer os feitos da família quando ela mesma afirma que luta para incluir no currículo escolar do município a história da sua família.
Através das observações feitas durante o percurso de nossa excursão didático-pedagógica conseguimos inferir um contexto de Nordeste bastante peculiar quando levados em consideração as outras imagens que se têm dessa mesma região no tocante principalmente aos aspectos culturais de seu povo. As tradições culturais manifestam sua resistência em iniciativas como a do Maracatu Estrela de Ouro de Chã de Camará. Mas, bem perto dali, temos outro exemplo de resistência às novas configurações sócio-econômicas da história da região. No Engenho Uruae, pudemos encontrar vestígios de uma sociedade aristocrática – ainda que de forma decadente – que ainda se mantêm vivos a nos revelar traços das relações de poder vigentes durante anos. O discurso da representante da família está impregnado de um saudosismo em relação aos tempos áureos da sociedade do açúcar nas referências familiares. Foi desse modo que tomamos contato com a realidade social-cultural da região, comungando a permanência de seus valores no contexto histórico atual e ponderando os elementos remanescentes das tradições passadas que deram sua contribuição para a formação do cadinho cultural característico desse espaço geográfico nordestino.

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