sexta-feira, março 09, 2007

A Música Barroca

A MÚSICA BARROCA foi o tema da pesquisa e apresentação em sala de aula de Laércio Dantas,
Luiz Manuel.Marília Coutinho e Thiago Calábria na disciplina História Moderna I, no quarto período do curso de História neste segundo semestre de 2006. O texto foi escrito como resultado de seus estudos. Assim continuo no mei objetivo de tornar público a produção de meus alunos, dando-lhes oportuinidade de receberem apreciação de toda a comunidade.


A Música Barroca













ÍNDICE

1. Introdução..................................................................................................................03
2. A música na Historiografia........................................................................................04
3. O renascimento e suas relações com a música..........................................................06
4. A música no ambiente da reforma e contra-reforma.................................................08
5. O barroco...................................................................................................................13
6. A música Barroca......................................................................................................15
7. Conclusão..................................................................................................................19
8. Bibliografia................................................................................................................20





INTRODUÇÃO

A música tal como construção social tende a variar seu conceito e sua forma de expressão no decorrer do tempo. Com o intuito de tratar sobre a época barroca e sua expressão musical este trabalho procurará no transcorrer dos séculos XVII e meados do XVIII mostrar como o mundo da música européia e os acontecimentos na Europa tangenciam-se promovendo uma situação na qual formasse uma época única para a música, denominada Barroca.
Entretanto, por compreendermos que a história é um processo, e que só é possível entender o que se passa em determinada época estudando seu passado, achamos de grande importância relatar neste trabalho os percursos enfrentados pela sociedade e pela música nos antecedentes da época barroca, ou seja, no Renascimento, na Reforma e Contra-Reforma.
Em um mundo europeu que passava por uma verdadeira efervescência no século XVI, a população cada vez mais urbana experimentava um contato estreito entre os homens, gerando conflitos cada vez maiores. Novas formas de economia, as aventuras européias pelo mundo atlântico e pacífico, novas formas de ver os cristianismo, o renascimento urbano, tudo isso provocou intensas mudanças na Europa, em vários âmbitos, sendo o cultural escolhido por nós neste trabalho. Ver tais transformações sobre o prisma da música é um desafio que nos propusemos. Ver como os vários domínios podem ser cristalizados na cultura, mais notadamente na música, e mostrar uma forma menos comum de ver tais processos históricos é o nosso objetivo.
Para nos acompanhar nesta empreitada recorremos a historiadores da música tais como Otto Maria Carpeaux e Nikolaus Harnoncourt, além de outros que se aventuraram nesse terreno como Henry Raynor em seu História Social da Música, de grande valia para nosso objetivo de analisar a música também sob os aspectos sociais da modernidade aqui estudada, e Arnold Hauser preponderantemente no que diz respeito a parte sobre o que é o barroco.
Dessa forma procuraremos explanar da melhor forma e concretizar nossa pretensão de enquadrar a música barroca, produção cultural que faz parte do processo histórico social, dentro das sociedades dos séculos XVI ao XVIII da forma mais acessível possível dentro da própria linguagem intrínseca a música.


A MÚSICA NA HISTORIOGRAFIA

Em “História social da música” Henry Raynor faz uma explanação a respeito da música na história, não só como produção de conhecimento, mas também como atividade humana ao longo do tempo. Dentro dessa perspectiva, a música, é uma construção social, ou seja, só é imaginável a composição e execução de canções, óperas dentro de um conjunto social.
A história da música é comumente vista como a história dos instrumentos ou a biografia de seus compositores, entretanto, segundo o próprio Raynor isso resulta numa história estilística, onde os interesses atuais do historiador tendem a ser comprovados através da música do passado. A, chamada por Raynor, de “história estilística” é predominantemente crítica. O estudioso tende a julgar a música do passado, o que, provavelmente resultará em anacronismos, pois o autor sustenta a tese de que não podemos saber exatamente o que o compositor desejava transmitir em sua música (a não ser através de cartas, a exemplo de Amadeus Mozart). Dentro desse ensejo apresenta-se assim de que forma o historiador deve se comportar diante do estudo da música, como um documento histórico, resultado de tensões que tangenciam-se no espaço/tempo:

A música, a menos que não passe de rabiscos casuais em sons, tem o seu lugar na história geral das idéias, pois sendo, de algum modo, intelectual e expressiva, é influenciada pelo que se faz no mundo, pelas crenças políticas e religiosas, pelos hábitos e costumes ou pela decadência deles; tem sua influência, talvez velada e sutil, no desenvolvimento das idéias fora da música.
(RAYNOR, p. 14, 1988)


Dessa forma, mudanças concretas na história não podem ser identificadas e estudadas através da história da música estilística. Nós podemos deduzir os motivos que fizeram, por exemplo, a música sair de seu ambiente sacro, enclausurado na igreja, e mergulhar no espaço profano das cortes, servindo à aristocracia. Outro ponto que cabe à história da música é notar, por exemplo, é a importância que os compositores do Renascimento davam a seu público, pois sua sobrevivência/patrocínio dependia das instituições (Estado ou Igreja, geralmente). Esta não será a situação de compositores como Schoemberg, que chega a dizer que a única importância do público é manter a acústica do local de apresentação, darão. Isso resulta de uma ruptura causada desde o século XIX na função social do musicista na sociedade européia, ou seja, o fim, pelo menos parcial, do patrocínio direto das instituições.
Estudar o desenvolvimento histórico do lado prático da música, a evolução das organizações musicais e as condições que elas impuseram aos compositores, juntamente com os meios à disposição do autor para reagir a elas, è estudar, de um ponto de vista histórico, o lugar da música na sociedade.
(RAYNOR,p.22, 1988)

A música não poderia ser analisada e nem mesmo existir fora da história. Todo o pensamento histórico em relação à economia, política e até mesmo as outras artes (literatura, cinema, teatro) estão relacionados, entre si e com a música.



3. O RENASCIMENTO E SUAS RELAÇÕES COM A MÚSICA

A música barroca, foco principal dessa pesquisa, já foi estudada por pesquisadores como Clerex, que ressalta a criação do baixo contínuo, numa harmonia vertical, a polifonia tradicional em decadência para o surgimento da polifonia vocal e a inserção do teor dramático individualista dos compositores; e também Bukofzer, estabelecendo uma cronologia que nos situa nas fases de evolução do barroco desde Monteverdi a Bach e Handel. Entretanto tocaremos nesse assunto mais adiante, pois esse processo começa a se desencadear bem antes com a própria ruptura com o teor clerical e sagrado da música na Idade Média no contexto do Renascimento. Esse movimento teve como pilar a Itália, através de figuras como Michelangelo ou Da Vinci. O surgimento de uma consciência cívica no espírito europeu, aliado ao mercantilismo da classe burguesa em ascensão, das utopias, das navegações e do nascente conhecimento científico, colaboraram, sem falar no advento da imprensa e inserção do costume da leitura na civilização ocidental, para uma mudança de postura contemplativa de mundo, para uma postura agora mais ativa e individual. Como exemplo, a preocupação em inserir os crentes dentro das canções litúrgicas, tanto por parte da Reforma Protestante quanto da Contra Reforma Católica. Tudo isso trará frutos para a música que merecem profunda atenção e destaque.
Durante o século XVI o foco das composições musicais passa a ser a Itália, França, Alemanha e Inglaterra, segundo Otto Maria Carpeaux, duas figuras podem ser ressaltadas: Philippe de Monte (1521 – 1603), foi regente da capela de Rodolfo II em praga, hoje sua obra, que contém a missa Inclina Cor Meum, é um dos focos preferidos dos musicólogos atuais; e Orlandus Lassus (1530 – 1594), esse foi regente de coros na França e na Itália e é considerado, no que diz respeito à condução de massas sonoras, um Handel de sua época. Até hoje o seu moteto Timor et Tremor continua sendo cantado no domingo de Páscoa nas igrejas de Munique e Viena. Vale salientar que tanto o primeiro quanto o segundo são indissociáveis da igreja, o que nos remete a um ponto importantíssimo tocado por Mario de Andrade em sua “Pequena história da música”. É justamente a transferência da polifonia para a harmonia, e um ponto importante de ser notado é, justamente, o papel das canções populares, nesse processo. Consideremos que a inserção de instrumentos no acompanhamento das vozes de um coro polifônico era considerado herético pela igreja e, popularmente, isso não será levado em consideração. Com o aprimoramento de certos instrumentos, como o violino, antes utilizados somente no cancioneiro popular passa a integrar, gradualmente, o repertório da música erudita, como no exemplo de concertos no qual este, normalmente, era um dos instrumentos preferidos para os solos.
As massas, consideradas sempre, os excluídos da história, compunham músicas para determinados trabalhos coletivos, para festas populares, peças teatrais (músicas específicas de cada personagem) e até mesmo músicas que parodiavam as sagradas que ouviam na igreja durante as missas. Essas músicas começam a admitir, aos poucos, o acompanhamento de instrumentos como o címbalo e o alaúde, que podem sofrer comparações com o piano e o violão, respectivamente. Dessa forma, o canto popular, influenciará a Música Medida. Essas canções populares obedeciam a fórmulas rítmico-melódicas que se repetiam constantemente, de fácil assimilação, o que fez, segundo Andrade, com que os eruditos acabassem por serem partidários dessa forma periódica e medissem os tempos sonoros. Ou seja, normalizaram o uso do compasso com o tempo forte e o tempo fraco, por influência do cancioneiro popular. Dentro dessas tradições de música popular vale a pena chamar a atenção para os bardos e menestréis, na Idade Média, que percorriam a Europa tocando, já que o canto artístico, próprio de Grécia e Roma, era muito raro antes desses. Os menestréis devem ser destacados, já que, segundo Mário de Andrade: “chegaram a possuir escolas musicais chamadas Escolas de Menestria.” (ANDRADE,p.60. 1987).
No século XVI após o Renascimento, como deixa claro Wagner Ribeiro, a polifonia entra em decadência em prol da ascensão rápida da harmonia, que diferente da polifonia (junção de sons) é a fusão destes, como explica Andrade. Entretanto esse século é também o século da canção, não entenda aqui como toada popular, e sim uma nova forma de poesia, onde cada estrofe é acompanhada por estribilho. Dentro desse estilo o madrigal italiano será o destaque, influenciando os focos já citados: na França será a Chanson, na Inglaterra a Song, na Alemanha o Lied e na Península Ibérica dará origem ao teatro musical de influencia também Árabe. Diz-se (Carpeaux) que na região francesa foi onde se desenvolveu um estilo de canção mais nacionalista, que se diferiu mais do madrigal italiano, nos outros focos a influência é quase imitação, porém ainda reduz qualitativamente as origens. Outro fato que atinge a sociedade européia são as reformas. Essas irão refletir na música de modo a influenciar o teor sacro ou profano da música dentro de variantes geográficas.


4. A MÚSICA NO AMBIENTE DA REFORMA E CONTRA-REFORMA

Dentro de um mundo europeu conturbado por questões religiosas, a música, basicamente aquela tocada na igreja, irá sofrer dessas reformas modificações quanto a sua forma, não sendo estas um rompimento com o estilo flamengo predominante, pois não se cria um novo estilo. Entretanto os pólos musicais neste período serão notadamente a França, a Inglaterra, a região que futuramente será a Alemanha, e a região que compreende a atual Itália. É interessante ressaltar que nos locais onde a fé católica permanece pujante, a música habitará também a vida da sociedade aristocrática, nas câmaras de concertos; já nos locais que aderem a reforma protestante, a música retirara-se principalmente, para a igreja, adaptando-se as formas mais simples da devoção do povo.
Dentro da reforma protestante a figura de maior destaque foi Lutero, que reformou, junto com a igreja, a sua música. As transformações feitas por Lutero permitiram-lhe preservar as exterioridades populares do catolicismo, mas também parte da base doutrinaria da fé católica, assim como ainda utilizava a música na estrutura litúrgica tradicional. Esta recebeu uma simplificação posteriormente, seja em latim ou alemão.
Muito do canto tradicional sobreviveu, o mesmo acontecendo com os motetos polifônicos, só havendo exceções quando uma coisa no texto deles lembrava a doutrina católica da missa como sacrifício ou outro dogma não luterano.
A divisão política dos estados luteranos levou a certa variação de pormenores no tratamento da liturgia padrão. Mas as “canções luteranas” se tornaram o aspecto musical típico da música luterana. No geral a missa pretendida por Lutero tinha música simplificada assim como o texto era em alemão. O que interessava para Lutero é que os hinos fossem liturgicamente apropriados e se referissem à epístola ou ao evangelho a ser lido.
Dentro desse aspecto Lutero desejava que os hinos fossem todos litúrgicos e para convocar a congregação a participar do ritual, e não simplesmente para cantar o bem de suas almas. Alguns dos corais eram hinos latinos traduzidos em alemão; tratava-se, sobretudo, de hinos tradicionais dos ofícios. Outros menos integrantes da liturgia podiam ser cantados em latim ou alemão. Havia também canções devocionais de antes da reforma, e junto com esses veio a seqüência de letras religiosas para melodias populares antigas e novas.
Para Lutero, uma boa música tem seu lugar no canto, seja de onde vier. Lutero acreditava que a adoção de tais melodias populares para corais era uma santificação do secular, e não tinha qualquer objeção ao uso de canções populares, desde que fossem veículos para letras religiosas. Para Henry Raynor, “Por essa razão, por 200 anos a música luterana mudou com os tempos mantendo-se assim ao gosto do público freqüentador das igrejas, isto é, de todos, em sintonia com a evolução musical.”(Raynor,p.134,1988).
Otto Maria Carpeaux tem uma visão bastante aguçada no que diz respeito a música luterana, ou melhor, o coral luterano, e que coaduna com a visão de Henry Raynor sobre o mesmo:

“O coral luterano é coisa completamente diferente: é melodia sacra popular ou de origem popular e depois harmonizada, cantada não por um coro de cantores profissionais, mas pela comunidade inteira, acompanhada pelo órgão, ao qual também se concede o direito de preludiar o canto ou orna-lo com variações livres.”(CARPEAUX, p.34, 1958)

A utilização de melodias populares onde todos sabiam o cântico adicionado à teoria educacional de Lutero, que consistia em professores preparados para ensinar canto e elementos da música, levaram a uma grande expansão da cultura musical.
Para os luteranos e reformadores mais radicais, a autoridade em religião estava na Bíblia mais que na tradição viva da igreja, assim as palavras não deviam ser apenas matérias-primas para dar estrutura e se destinarem a certa autonomamente musical. Caso fossem musicadas o compositor devia fazer com que o significado das palavras chegassem a todos com toda clareza necessária.
Os textos religiosos também funcionavam como incentivo para os compositores protestantes que podiam ter uma visão da bíblia mais pessoal, subjetiva. Dentro da igreja católica havia o ideal de impessoalidade musical, e as obras que não o fossem eram prontamente condenadas. Já na visão protestante a Bíblia, a palavra de Deus, devia ser revelada e acessível a todos os crentes, estes que podiam estudar por si próprios e obter vislumbres pessoais e individuais da vontade e propósitos divinos, podiam ter uma visão subjetiva. Dentro desse contexto Raynor explica a função do compositor luterano, “um compositor devia interpretar as passagens da Bíblia e da liturgia para instrução, deleite e edificação dos crentes.” (Raynor,p.138,1988).
Ainda no tocante a leitura e interpretação da Bíblia, Raynor difere músicos católicos e protestantes:

“Enquanto o dever do compositor católico era escrever música que atuasse como serva da liturgia, para exprimir a humildade do crente e para não por si mesmo mas para a igreja, Bach e os grandes compositores protestantes utilizavam a música para exprimir a outros certos modos de ver pessoais do cristianismo independentemente de serem considerados como totalmente aceitáveis pelas autoridades.”
( Raynor,p.138,1988).

No contexto da guerra dos trinta anos, entre 1577 e 1586, mais ou menos metade dos estados do norte de fala alemã rejeita a igreja católica assim como o calvinismo, criando um espaço que será preenchido pelo luteranismo, já que sua visão de união do Estado com a Igreja beneficiava os príncipes. Dessa forma a indicação de cargos eclesiásticos ficava a cargo dos conselhos municipais, o que permitia um controle indireto do Estado na doutrina luterana, assim como nomeações para cargos musicais.
A música organizada nas cidades, que eram o centro de gravidade da música alemã, faz oposição as cortes pelo menos até a guerra dos trinta anos. Com a prosperidade das cidades importantes havia a possibilidade de sustentar e incentivar a música apesar do pouco que se pagava aos músicos pelas autoridades locais.
Os reformadores mais radicais não gostavam de música por lhes lembrarem os rituais da igreja católica e por parecer-lhes algo que nada tinha haver com a religião. Sobre esta questão Raynor discorre que,

“boa música, cuidadosamente composta e bem cantada, desviava a atenção do crente do real objetivo da prece e do culto. Tudo o que não estivesse nas escrituras era banido dos seus serviços religiosos de modo que hinos e motetos foram proibidos.”(Raynor, p.142, 1988)

Já a Reforma inglesa, em seus primeiros estágios, não apresenta estímulos a práticas antimusicais na igreja. Henrique VIII e seu arcebispo Cranmer achavam necessário certa simplificação da música não cantada pelo público, e começaram a introduzir textos em inglês nos serviços religiosos.
A mesma preocupação em impedir que a liturgia fosse tida como ocasião para audição passiva pelo grosso dos crentes motivava as autoridades da Contra-Reforma. A regulamentação da música religiosa não era tarefa tida como urgente pelo Concílio de Trento (1545-1563). Contudo havia um sentimento generalizado de que, durante o século anterior, a “secularização” da música religiosa se deu quase sem oposição, e que as trabalhadas composições vocais permitidas nas igrejas acabaram por substituir o culto e que se impunha um retorno à simplicidade.
Quando o Concílio de Trento passou a examinar a forma litúrgica, o Papa Marcelo II reiterou um ataque aos estilos seculares utilizados na música religiosa. Ele aludia às missas baseadas em cantus firmi seculares, cuja complexidade técnica impossibilitava a congregação de compreender as palavras do ritual, o emprego de instrumentos ruidosos, má pronúncia, descuido e irreverência.
Entretanto a decisão do Concílio não é contra a música polifônica nas igrejas, mas estabelece algumas generalidades:

“Todas as coisas devem ser organizadas de modo que as missas, celebradas com ou sem música, possam levar tranqüilidades aos corações e ouvidos de quem ouve, sendo tudo executado claramente e no andamento correto, e no caso das missas celebradas com canto e órgão, nada profano se misture, mas apenas hinos e louvores divinos. todo arranjo do canto em modos musicais deve constituir-se não para proporcionar prazer ao ouvido, mas de modo que as palavra sejam claramente compreendidas por todos, e assim os corações dos ouvintes sejam levados ao desejo de harmonias celestiais, na contemplação do gozo dos bem aventurados ... Devem também banir da igreja toda música que contenha, seja no canto ou na execução do orgão, coisas que sejam lascivas e impuras.”(Raynor, p.148, 1988) .

Compositores perto de Roma como os de Veneza, entretanto, revelaram o estilo antifonal que logo evoluiu no estilo policoral, para o concertato vocal da época barroca, o que sugere que estes estavam, em espírito, distantes das exigências do Concílio de Trento. Willaert, que era maestro di cappella na catedral de São Marcos em Veneza, estava no cargo durante a maior parte do período de ataque a música religiosa trabalhada, mas continuou a trabalhar com dois coros e a explorar as fascinantes sonoridades criadas pelas cúpulas, arcadas e transeptos da catedral. O surgimento da Ordem Jesuíta deu poderoso impulso ao novo estilo dramático e colorido da musica que devia difundir-se pela Europa e dominar não só a música católica como também a da igreja luterana.
É esse contexto, entre as últimas formas renascentistas e o barroco, que convencionou-se a denominar Maneirismo. Sobre tal Carpeaux diz,

“Maneirista” é o estilo que pretende superar-se a si mesmo, sem dispor, ainda, de recursos inteiramente novos para tanto. Daí a impressão do exagero e de auto-imitação, que não excluem a possibilidade de criar obras-primas”. (CARPEAUX. p,42. 1988).



5. O BARROCO

“Por volta do final do século XVI, da-se uma mudança impressionante na historia da arte italiana. Um maneirismo frio, complicado e intelectualista cede o lugar a um estilo sensual, emocional e universalmente compreensível – o Barroco. E a reação de uma concepção de arte, em parte, intrinsecamente popular, em parte, apoiada pela classe cultural dirigente, mas com consideração pelas massas, contra o exclusivismo intelectual do período precedente.” (Hauser, p. 544)

Como bem explana Arnold Hauser o Barroco entra em confronto direto com o Renascimento, estilo conhecido pelo seu apelo à razão, menosprezo pelo medievo e o retorno às idéias clássicas greco-romanas. Por defender tudo isso, o espírito renascentista entra em constante conflito com a Santa Sé e com os seguidores do cristianismo, que vêem no Renascimento um afronta.
Mas não era apenas externamente que a Igreja enfrentava críticas. Internamente a situação tampouco estava agradável. A simonia enfrentava opositores entre integrantes do clero, que consideravam que a situação havia passado dos limites. A Reforma Protestante, que teve início como um movimento restaurador dentro da Igreja, acabou por separar os cristãos, onde os reformistas passaram a ser chamados de protestantes. Resumir a Reforma como mera insatisfação burocrática seria desconsiderar outros fatores que também exerceram grande influência. Fatores econômicos e políticos exerceram igual influência, já que a crescente burguesia não gostava da Doutrina do Justo Preço, que limitava seus lucros e os soberanos dos Estados Nacionais viam com maus olhos o poder papal, cada vez mais ultranacional.
A resposta católica não tardou e a Contra-Reforma reafirmou os princípios e dogmas católicos no Concilio de Trento (1545-63), cuja convocação serviu para assegurar a unidade dos católicos. O Concilio teve resoluções importantes para o contexto da época e suas conseqüências perdurariam na Europa e fora dela por anos, como, por exemplo, a instauração do Tribunal da Santa Inquisição, que ficaria marcado na história por perseguir e levar a julgamento aqueles considerados infiéis. Foi também instituído o Index Librorum Prohibitorum, um índice com os nomes de livros que os verdadeiros católicos estavam proibidos de ler.
Ao perceber o distanciamento entre o povo e a cúpula da Igreja, a mesma decide que é hora de expressar os preceitos religiosos através de algo que toque o indivíduo. O Barroco é, então, escolhido como o meio de representação das idéias católicas e utiliza-se de elementos na literatura, escultura, pintura e música para adentrar no dia-dia da população, algo que de certa forma foi suprimido durante o Renascimento, já que o mesmo era segregacionista e dividia claramente, pelo tipo de arte apreciado, os ricos dos pobres.
O Barroco, que significa “pérola irregular” no português antigo, usa de elementos dramáticos para prender o espectador; a religiosidade é expressa de forma dramática, intensa, procurando envolver emocionalmente as pessoas. O estilo exagerado, exuberante serve para que o fiel se sinta pequeno diante da grandiosidade de Deus, e a igreja é o palco desse teatro num espaço onde os dramas são encenados. A temática religiosa é constante e preponderante, mas além dela há a mitologia e o direito divino dos reis, teoria defendida pela Santa Sé e pelos Estados Nacionais que estavam nascendo. Na literatura há o uso da metáfora e da alegoria, na pintura o jogo de luzes produz um contraste e o uso do claro e do escuro é um sinal para a constante agonia entre o céu e o inferno. Porém o Barroco não foi instrumento apenas dos católicos, os protestantes também o usaram e, assim, essa arte acrescentou algumas características em Estados protestantes. A investigação científica virou tema de pinturas, algo inconcebível na visão da Igreja, já que havia uma maior liberdade nessas regiões. Junte-se a isso a forte burguesia dessas regiões, o que gerou uma maior aparição de quadros com cenas burguesas e da vida em geral.
O Barroco então se caracteriza pelos contrastes e dualidade que passavam na cabeça do homem moderno: céu x inferno, claro x escuro, deus x diabo, em resumo o bem contra o mal. Mas algo que nunca deve ser questionado é o poder de Deus.



6. A MÚSICA BARROCA

A área de produção da música, convencionalmente, conhecida como barroca engloba uma vasta parte da Europa, Itália, França, Alemanha, Inglaterra. O período que se enquadra essa produção musical é de aproximadamente 150 anos, se iniciando em 1597 com a produção, do que viria a ser conhecido como Ópera Moderna, a obra Dafne de Jacopo Peri que foi a precursora desse estilo teatral. Porém, devido à perda do material dessa obra convencionou-se que Euridice, do mesmo autor, seria a primeira Ópera Moderna dessa maneira dando início ao que seria chamado de música barroca e que tem como marco final a morte do compositor Johann Sebastian Bach em 1750.
O estilo barroco tem como característica o uso de linhas longas e ritmo forte com uma melodia limpa e linear. O barroco foi influenciado pela Doutrina das Afeições, razão de suas composições possuirem uma forte carga emocional. Essa crença na capacidade de despertar emoções no ouvinte, nos remete às idéias de música na antiguidade clássica que tinha como filosofia a certeza da capacidade comunicativa da mesma. Com intuito de se aproximar mais da música antiga, essa aproximação se deu através da exploração da capacidade comunicativa da música, os compositores barrocos começaram a se concentrar menos na complicada polifonia que dominou os séculos XV e XVI e dar mais atenção a técnicas como a monodia e a homofonia que fazem a oposição as técnicas renascentistas.
Aliada a ênfase no solo vocal temos também a prática do basso continuo. A melodia aguda e a linha do baixo eram os elementos essenciais, e as partes intermediárias eram deixadas ao gosto dos intérpretes, logo essa flexibilidade permitiu que os solistas ornamentassem as melodias livremente sem precisar se preocupar com regras de contraponto.
A utilização de contrastes é também algo presente nos dramas barrocos. Diferenças entre alto e baixo, solo e acompanhamento, timbres e instrumentos desempenharam um papel importante nas composições barrocas. Dessa maneira os compositores se tornaram mais precisos quanto ao uso dos instrumentos. Como um fruto do impulso dramático do barroco, vemos o surgimento da Ópera moderna, da cantata e do oratório. Na parte instrumental temos a sonata, o concerto e a suíte.
A linha que comumente divide o Barroco Recente do Renascimento começa a ser estruturada na Itália pelo compositor Cláudio Monteverdi através de suas óperas. A introdução da sétima corda sem a preparação pode ser enquadrada como sendo o inicio do rompimento com o passado. Esse conceito cria o senso de fechamento que mais tarde viria as ser chamado de tonalidade.
Com a Reforma aos poucos a igreja foi perdendo espaço na Europa, porém com as conquistas dos Habsburgos houve mudanças na conjuntura político-religioso na Europa e, inserido nesse contexto o papado procurou uma forma artística de divulgar a fé da Igreja Católica. Um dos mais importantes centros musicais foi Veneza, com possibilidades de patrocínio secular e sagrado. Giovanni Gabrieli foi um dos compositores que mais se destacou no empenho de reviver o Catolicismo contra as mudanças doutrinais, artísticas e sociais estabelecidas pelo Protestantismo. De certa forma seu trabalho ainda possui traços do Alto Renascimento, porém algumas de suas inovações como o uso de instrumentos para tarefas especifica foram considerados percussores do novo estilo.
A utilização da música como forma de propaganda religiosa demandava que os textos sagrados fossem mais claros, logo havia uma pressão para o rompimento com estética renascentista da polifonia. Dessa maneira começou-se a utilizar a técnica da homofonia para facilitar comunicação.
Entretanto, compositores como Monteverdi concluíram que existia um sentindo secular para a aproximação entre harmonia e o texto. Uma de suas óperas, Orfeu, tornou-se um dos marcos da utilização dessa aproximação no âmbito secular.
A consolidação do poder da Igreja aliado ao patrocínio estatal criou uma demanda por uma música pública mais organizada e a crescente disponibilidade de instrumentos fez surgir a necessidade da execução de música de câmara. O barroco médio se distinguiu do recente devido a uma institucionalização das formas e normas, particularmente na ópera, e como conseqüência disso a filosofia do novo estilo tornou-se mais sistemático dessa maneira criou-se um sistema formal de ensino do novo estilo. Uma das características desse período é a preocupação com a harmonia na prática musical.
Um dos compositores que mais se destacou foi o Jean-Baptiste Lully que se tornou o compositor oficial de óperas do rei da França. A maioria de suas tragédias líricas foi feita e executadaa para a corte francesa e eram baseadas nos conflitos entre a vida publica e a vida privada do monarca que o patrocinava. Uma de suas inovações é o foco sobre a voz interna da harmonia e as relações entre o solista e o estabelecimento da norma de dominação das cordas para orquestras. Na Itália temos Arcângelo Corelli que também é um compositor de destaque por ter organizado as técnicas de ensino do violino e por ter desenvolvido o concerto grosso. Enquanto as composições de Lully eram mais restritas a corte francesa as de Corelli foram publicadas em larga escala e sua obra foi tocada em quase toda Europa.
Na Alemanha temos Dieterich Buxtehude,ele deu mais ênfase na execução de seu trabalho, ele mesmo as executava com órgão, do que a publicação de suas obras. Diferentemente de Lully que tinha como temática o secular, Dieterich abordava o tema sagrado. Ele fazia uso do contrate entre a improvisação livre e o restrito trabalho de contraponto. Essa técnica mais tarde foi utilizada por Bach.
A linha divisória entre o Barroco Tardio e o Médio é constituída quando acontece a completa absorção da tonalidade como principio estrutural da música. Particularmente essa característica foi evidenciada no trabalho de Rameau, que por sua vez substituiu Lully como compositor oficial da corte francesa. Foi durante essa época que se criou a concepção de dois tipos de composição: a homofônica, que era dominada pelas considerações verticais, e a polifônica que era dominada pela imitação e pelas considerações contraponteais. As formas que tinham se estabelecido previamente começaram a se diversificar, concertos, suíte, concerto grosso, oratória, ópera, balé e adquiriram uma maior conotação nacional.
Entre os trabalhos mais famosos do Barroco Tardio temos os de Antonio Vivaldi que, em sua maioria, eram trios sonatas, concerto e sonatas para violino. Suas obras foram publicadas em Amsterdã e tiveram uma grande circulação na Europa. Ele estabeleceu padrões como três movimentos, rápido-lento-rápido, e o uso do ritornello em movimentos rápidos. Vivaldi foi um exemplo de compositor que conseguiu se sustentar através de suas publicações e dessa maneira adquirir certa independência.
Um dos mais famosos compositores de patrocínio régio foi George Frideric Handel. Apesar de ter nascido na Alemanha passou a maioria de sua vida na Inglaterra. Ele constantemente procurou fórmulas comerciais para suas óperas e oratórios e também fez usos de obras de outros autores com intuito de reciclá-las. Provavelmente essa prática teve origem em suas viagens para conhecer outros compositores pela Europa. Apesar de não ter acumulado muita riqueza, suas composições para teclado, música cerimonial, óperas, oratórios e concertos, grosso foram bastantes conhecidas na época em que viveu, tanto que durante o período clássico ele foi um dos compositores mais estudados. A prática da ornamentação no estilo barroco atingiu um alto nível de desenvolvimento nas suas composições.
A fase entre o Barroco Tardio e o Clássico Recente é bastante influenciada pela idéia de reunir diferentes gostos e visões de mundo. Foi um período que os compositores ainda trabalhavam com o estilo Barroco, mas o público ansiava por algo novo. Foi essa uma das razões que fez Johann Sebastian Bach perpassar o antigo estilo e se tornar um dos percussores do estilo clássico. Durante essa época o barroco se restringiu ao âmbito sagrado e o novo estilo se afirmou no âmbito secular.



7. CONCLUSÃO

Dentro dessa viagem através da história da música e também da história social na época moderna, é interessante notar o processo que fez a música do renascimento, polifônica, quase incompreensível e complexa, que era tocada nas igrejas mudasse para uma música mais simples, compreensível e que tocasse o coração do homem fazendo-o ficar mais próximo da igreja.
Esse contexto de transformação da música só foi possível dentro de uma Europa que vivia a Reforma e Contra-reforma, na vontade de ambos, protestantes e católicos que suas músicas e fé não só fossem passiveis de admiração, mas que também fossem compreensíveis e levassem a quem a escuta a grandeza de Deus, a fé professada pelas instituições conflitantes. E dentro dessa vontade, na contra-reforma a música barroca irá satisfazer os anseios de uma igreja católica que necessitava recuperar terreno e fieis frente à igreja protestante.
Para tal processo se tornar real, é interessante notar a constante apropriação do popular para o erudito, seja o papel das canções populares na passagem da polifonia para a harmonia, seja a inserção de instrumentos no acompanhamento das vozes, que antes era considerado herético pela igreja e depois será amplamente utilizado no barroco, ou seja o uso de canções devocionais de antes da reforma e de letras religiosas para melodias populares antigas e novas pelos protestantes durante a reforma.
É Importante ressaltar que tal movimento, como já foi visto no trabalho, não ficou preso ao âmbito religioso, mas também alcançou câmaras de concertos e palácios onde eram utilizados pelo soberano para torná-lo o centro das atenções como o fez Luiz XIV, da França.
Num âmbito geral, acreditamos que o objetivo do trabalho foi alcançado. Era ver como os vários domínios da vida podem ser cristalizados na cultura, mais notadamente na música, e mostrar uma forma menos comum de ver tais processos históricos. Entendemos que a música barroca, assim como a época barroca, só é passível de ser entendida dentro do contexto conflitante entre protestantes e católicos; e, suas iniciativas em prender os fieis a elas através da arte, procurando aproximá-la deles utilizando-se da arte popular para tal, assim como ocorreu no renascimento fora da igreja. Sendo mais tarde a música barroca caminhando para fora da igreja com seus próprios pés para as cortes absolutistas ou para as câmaras de concertos nascentes na Europa.


8. BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Mário. Pequena História da música. Belo Horizonte, Editora Itatiaia, 1987.
CARPEAUX, Otto Maria. Uma nova história da música. Rio de Janeiro, Ed. Tecnoprint, s/d
HARNONCOURT, Nikolaus. O discurso dos sons: caminhos para uma nova compreensão musical. Rio de Janeiro, ed. Zahar, 1988.
HAUSER, Arnold. Historia Social da Literatura e da arte, Tomo I; São Paulo: Mestre Jou, Sem ano.
MACHADO, Lourival Gomes. Barroco Mineiro São Paulo. Perspectiva, 1978.
RAYNOR, Henry. História social da música: da idade média a Beethoven. Rio de Janeiro, ed. Guanabara, 1981.
RIBEIRO, Wagner. História da música no antigo continente. São Paulo, Ed. Coleção FTD, 1965.
TAPIE, Victor. Barroco e classicismo. Lisboa, Presença, 1972.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olá Professor Biu Vicente,
Em primeiro lugar quero parabenizá-lo pela proposta desse blog por sua contribuição cultural.
Sou jornalista, pós-graduada na área de educação e estou pleiteiando uma vaga no curso de mestrado em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Gostaria de lhe perguntar se poderia citar seu trabalho sobre Música Barroca como uma de minhas fontes de pesquisa para um pré-projeto que fale sobre Música e Reforma Protestante.
Também gostaria de saber se você poderia me indicar outras fontes bibliográficas a respeito do assunto.
meu e-mail é suenial@terra.com.br

Desde já agradeço,
Abço
Suenia Barbosa de Almeida