quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Vozes da Democracia

Recebi, da professora Socorro Abreu e Lima, o belo livro com o título Vozes da Democracia, História da comunicação na redemocratização do Brasil, publicado pela Imprensa Oficial do Esstado de São Paulo , Intervozes, e Coletivo Brasil de Comunicação Social, no ano de 2001. O livro analisa a participação e contribuição do setor de comunicação, especialmente revistas e jornais, ao longo da Ditadura Militar, para o processo de redemocratização do Brasil. A análise é feita considerando a geografia físico-política, o que nos mostra a geografia da resistência democrática. São os contextos do Sul, Sudeste, Centre Oeste, Nordeste e Norte.
Embora o livro comece pelo Sul, iniciei a leitura pelo Nordeste. No depoimento do professor Denis Bernardes, já aparece o cuidado de não confundir Pernambuco com toda a região, o que os editores não o fazem, pois encontramos descrições de experiências ocorridas na Bahia, Ceará, com menores menções aos demais Estados. Bom indicativo para os que desejem aprofundar pesquisas sobre esse período "esquecido na memória das jovens gerações".
Às vezes esse esquecimento vai sendo construído, com certas memórias que são lembradas por conta da história mais recente. Esse é o caso de quando alguém menciona as primeiras greves dos trabalhadores, ainda no ano de 1979, em Pernambuco. Todos lembram a greve dos Trabalhadores Rurais e, erroneamente falam da ação do Sindicato dos Professores da Rede Oficial de Ensino, como sendo as primeiras realizadas em Pernambuco. A greve dos professores da Rede Oficial ocorreu em 1980. Até popdemos entender esse fenômeno por terem, nos anos seguintes, essas categorias se organizado melhor, especialmente o sindicato dos professores da Rede Pública e de terem, os trabalhadores públicos sido mais notáveis na organização das centrais sindicais que surgiram depois. Contudo, é necessário que se debruce sobre os jornais do ano de 1979 e, quando tal se fizer, se encontrará que as duas primeiras greves ocorreram no mesmo dia: a dos professores da rede particular de ensino e a dos motoristas de ônibus. Enquanto os professores procuraram seguir todo o ritual para a greve ser reconhecida pelo Ministério do Trabalho, os motoristas sairam ilegalmente. Isso fez com que houvesse uma relação de apoio das categorias, provocando confusão para a polícia, pois não sabia se reprimia os motoristas - ilegais - ou protegia os professores - legais. (Caso interessante foi o de um motorista que colocou o ônibus na frente do portão de uma escola e furou os pneus, impedindo o acesso de alunos e fura-greves). Será muito interessante que os professores militantes daquele movimento - Mário Medeiros, James Beltrão, Edmilson Menezes, Vera Gomes, entre outros - produzam algum documento para que haja um melhor conhecimento daquele instante de reorganização do SIMPRO-PE. Isso não mudará a explicação do processo e das tendências sociais, mas aprofundará o conhecimento de um movimento social.

segunda-feira, fevereiro 26, 2007

Impunidades e continuação dos crimes contra a nação

Fiquei muito preocupado com a notícia de que o Supremo Tribunal Federal está inclinado a definir que os administradores públicos - presidentes, governadores, prefeitos - estarão isentos de irem a tribunal por comportamentos não honestos ou fraudelentos quando estiverem administrando o Brasil. Isso acarreta um imenso festival de encerramento de processos atualmente em curso. Serão beneficiados, de imediato, Paulo Maluf, Collor de Mello, ministros do governo FHC, inclusive um dos ministros que estão decidindo este atentado à honradez. Por essas e outras é que os presídios parece estarem comandando a sociedade.
Li também que o grande brasileiro Hélio Bicudo, aquele que enfrentou a ditadura na defesa dos presos políticos, afirmou que suspendeu uma investigação porque ela poderia vir a prejudicar um certo Luiz Inácio Lula da Silva. Uma pena. Por essa razão é que esse mesmo Lula da Silva quer fazer a transposição do Rio São Francisco que beneficiará principalmente os grandes reservatórios e as obras de grande agricultuira e pastoreio. O povo do semiárido receberá pouco. Segue abaixo uma declaração que tirei do Jornal da SBPC deste dia 26 de fevereiro.

COMITÊ DA BACIA HIDROGRÁFICA DO RIO SÃO FRANCISCO. NOTA OFICIAL SOBRE A TRANSPOSIÇÃO DE RIO SÃO FRANCISCO
Enviado por João Suassuna, Pesquisador da FUNDAJ
A decisão do Governo Federal de dar início às obras do Projeto de Transposição de Águas do Rio São Francisco é profundamente lamentável. As incertezas e contradições do projeto, levantadas pela Comunidade Científica, representam uma temeridade, sobretudo diante da extraordinária soma de recursos destinada ao projeto pelo PAC (6,6 bilhões de reais), somente nas suas etapas iniciais.O Atlas Nordeste, de autoria do próprio Governo Federal, elaborado pela Agência Nacional de Águas – ANA, ropõe investimentos da ordem de 3,6 bilhões de reais para resolver o problema de abastecimento de água para todo o Semi-Árido incluindo aí os 9(nove) Estados do Nordeste e os Vales do São Francisco, Pardo, Mucuri e Jequitinhonha em Minas Gerais, com soluções para 502 sedes de Municípios nas áreas denominadas como de Elevado Risco Hídrico, independentemente da Transposição.É importante que a opinião pública brasileira saiba que o Projeto de Transposição atende a menos de 20% da área do Semi-Árido e que 44% da população que vive no meio rural continuará sem acesso a água. Exatamente os que mais precisam vão permanecer excluídos dessa mega iniciativa do Governo Federal. Para o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco – CBHSF, a decisão do Governo Federal ignora outras prioridades mais urgentes de investimentos para aumentar a oferta de água em todo o Semi-Árido, inclusive nos municípios da própria Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco. Por outro lado, a comunidade sanfranciscana continua aguardando o diálogo que o Presidente Luiz Inácio Lula as Silva propôs e prometeu ao Bispo D. Luiz Cappio em outubro de 2005 e, até hoje, não realizado com a abrangência desejável. Por fim, o Comitê espera que a Revitalização da Bacia Hidrográfica do Velho Chico saia do campo da retórica, dando lugar a um verdadeiro programa de recuperação hidro-ambiental do Rio e de seus afluentes. O que há hoje são iniciativas isoladas, desconexas e desarticuladas que mais servem aos interesses clientelistas do Governo, sem compromisso com o rio e as comunidades que vivem à sua volta. Diretoria Executiva do CBHSF

sexta-feira, fevereiro 23, 2007

CARNAVAL SEM FIM

Escrevi hoje, um texto sobre a Campanha da Fraternidade, mas não pude deixar de colocar para leitura dos que frequentam este espaço, a bela coluna de Pedro Porfírio com o título acima , publicado na Tribuna da Imprensa, RJ 23/02/2007

Carnaval sem fim

"Os miseráveis não têm outro remédio a não ser a esperança."(William Shakespeare - 1564/1616)

Disseram que o carnaval acabou nas cinzas da quarta-feira. Erraram. O carnaval não acabou na quarta e nem acabará jamais. Como enxerto profundo em nossas vidas, ele apenas muda de cenário. Não vai parar só porque o tamborim aquietou-se. Vive-se neste País, mais do que em qualquer outro, sob o império de uma interminável folia.
Faz muito, seu espectro paira sobre esta sociedade que, sem perceber, foi mesclando realidade e fantasias, como se uma fosse irmã siamesa da outra. Quando começou no sábado, o carnaval já estava incrustado em cada brasileiro - folião ou não. No seu presumível epílogo, passa a ocupar uma gerência no instituto do comportamento humano.
A fantasia de cada um
Não falo do carnaval do Rio de Janeiro, e espetáculo do entretenimento produzido para consumo daqui e d'além mar. Não quero me ater à constatação de que ele está cada vez mais "branco", mais relevante pela quantidade de mulheres bonitas e pelos cuidados cênicos e tecnológicos que seus artífices cultivam.
É isso e não adianta falar de raízes. Uma fantasia de uma ala não sai por menos de dois salários mínimos. Fora a bateria, as baianas e uma ou outra "ala da comunidade" a escola de samba cobra para que você tenha o seu minuto de avenida.
Os chefes de alas já estão profissionalizados. Recebem os desenhos dos figurinos e fazem a arrecadação, que não aparece na contabilidade da "firma". Há deles que têm franquias em três, quatro escolas. E muitos dos seus clientes também, em tendo dinheiro, gostam de sair por tantas quantas for possível. Nalguma chegam ao orgasmo.
Mas esse é o preço do grande espetáculo, que foi transmitido pela televisão para 60 países. Quem vai para a Sapucaí, assim, extrapola o mero "espírito folião". Vai para entrar no grande circo, sem o qual o existencial não experimentaria prazeres compensatórios "interativos", como é "recorrente".
Nesse clima em que realidade e fantasia se alimentam mutuamente, o fenômeno dos grandes camarotes expõe o seu caráter explicitamente comercial. A atriz Susana Vieira, apesar dos 14 anos de casa, não desfilou pela Grande Rio porque, contando com patrocínio da cerveja Itaipava, a escola de Caxias não permitia que ela, ou qualquer outra "celebridade" do seu plantel, freqüentasse o badalado camarote da Brahma.
Isso é parte de uma realidade que sujeita o caráter amador da manifestação carnavalesca a uma estrutura real de interesses que impõe regras rígidas, semelhantes aos profissionais presos por contratos comerciais.
Não falo do tão badalado carnaval da Bahia. Não falo porque dizem que é uma grande festa popular, onde não há a supervalorização de escolas de samba "profissionalizadas". Só não entendo essa história do abadá. Vi pela televisão cambistas vendendo tal indumentária por mais de R$ 1.000,00 (o preço normal seria R$ 800,00). Só pode entrar nos blocos e acompanhar os trios elétricos quem tiver dentro dessa fantasia devidamente autenticada. Logo lá também o popular sai caro.
A grande passeata
O que me tocou, em especial, foi a participação maciça dos pernambucanos no Galo da Madrugada, um bloco sem cordões, registrado no Guiness como o maior do mundo, ao qual se juntaram dois milhões de foliões. Isso significa bem mais do que toda a população de Recife, que é de 1 milhão 450 mil habitantes (43% dos moradores da Região Metropolitana).
Pelas imagens que vi, em alguns pontos, as pessoas simplesmente caminhavam. Mas estavam ali, naquele tumulto, com a mesma disposição dos muçulmanos que vão à Meca nos dias sagrados do Ramadã.
Ao contemplar aquela massa apinhada no centro de Recife, fiz-me uma pergunta despropositada: quantos desses estão desempregados ou ganhando míseros salários? Quantos brigariam por uma escola pública de qualidade ou um sistema de saúde decente? Quantos sairiam de casa para um outro tipo de manifestação, uma passeata de protesto ou simplesmente reivindicativa?
Você dirá que não tem nada a ver, que eu estou questionando um dos poucos momentos de descontração, alegria e "felicidade" dessa multidão. Que se não fosse essa válvula de escape o sofrimento seria maior.Pode ser que você esteja certo e eu, errado. Mas já tirei minhas próprias conclusões. Essa concentração humana na participação em um bloco carnavalesco dessa magnitude é um lenitivo compensatório que transcende os dias de festa.
Isso quer dizer que seus efeitos implosivos são assimilados numa seqüência ininterrupta. Ali, no ambiente de descontração, onde as hierarquias amortecem, onde se imagina o exercício pleno da liberdade, vence-se a batalha perdida ao longo do ano. Perde-se com a rotina fatal, mas essa vitória é que conta.
Há um elemento oposto à manifestação religiosa, que também mobiliza multidões. Neste caso, os homens se reúnem para clamar aos céus, pedir a Deus; naquele, possuem-se da sensação de que estão fazendo o que lhes vêm à cabeça com as próprias mãos, no encontro e no confronto de iguais. Num, tornamo-nos prisioneiros de promessas e esperanças; noutro, do desejo saciado. Ambos remetem ao âmago da nossa fragilidade assumida.
Decididamente, a cada geração, os seres humanos encontram nas pequenas coisas, qualquer coisa, suas grandes paixões. E nelas se bastam.
Curiosamente, por mais individualistas que se sintam como da essência das sociedades refratárias a compromissos coletivos, praticam cada um a anulação de sua individualidade. Submetem-se, antes, à pauta imposta por cada momento, de forma a nunca irem às profundezas de nada.
Eu mesmo, enquanto cronista, padeço dessa condicionante. Queria falar hoje de uma grande torpeza - o que continuam fazendo com os aposentados do Aerus - e, no entanto, estou aqui rendendo-me ao que está na boca de todos.
Tudo para dizer que no País dos sonhos efêmeros o carnaval é um hábito essencial e sem fim. E sem começo. Porque as ilusões compensatórias e as fantasias multicores são ingredientes de nossas almas.

AMAZÔNIA - Campanha da Fraternidade

São diversos, muitos os assuntos que eu gostaria de enfocar. Dentre eles está o tema da Campanha da Fraternidade, uma tradição que a Igreja Católica Romana, através da Conferência Nacional dos Bispos, vem mantendo desde a década de sessenta do século passado. A cada ano, neste período da Quaresma, um tema é posto para reflexão dos católicos. São sempre temas capazes de envolver os indivíduos em ações sociais, além de fazê-los voltar-se a si próprios e perguntar qual a sua ação para modificar o mundo ao seu redor ao tempo em que se modifica. Além dos benefícios internos, espirituais para os católicos que aderem às campanhas, cada ano a CNBB oferece um texo básico, uma referência para o estudo e aprofudnamento do tema. O texto segue a metodologia criada pelo padre Cardjin, o fundador da Juventude Operária Católica, que se tornou a metodologia de toda a Ação Católica: Ver, Julgar e Agir.

O tema deste ano é Fraternidade e Amazônia. A primeira parte - o ver - é dedica à apresentação da Amazônia, região geográfica e sua ocupação econômica, política e social, tanto pelas populações nativas, quanto às demais que chegaram à Amazônia no embalo do capitalismo. Uns adaptaram-se ao modelo criado pelos primeiros habitantes, torando-se parte da região, mantendo-a, defendendendo-a, enquanto dela tira seu sustento e promove a vida. Outros, chegaram à região para tirar, não o seu sustento, mas o lucro e, com isso tornaram o paraíso no inferno, a solução no problema.

Será uma boa leitura, para os estudantes de história, geografia, ciências sociais, medicina, engenharia, política, economia, teologia, e a todos. Não custa muito, apenas R$ 10.00, e a leitura será enriquecedora, pois o texto, tenho a impressão, tem a mão e a inteligência de um bom sociólogo e historiador, além de uma pessoa extremamente ligado á defesa da via.

Leiam, discutam o texto-base da Campanha da Fratenidade 2007 - Vida e Missão neste Chão.

quarta-feira, fevereiro 21, 2007

o samba ou maracatu do crioulo doido no hoje - curto e grosso

Acabei de ver o jornalista Francisco José informando a todo o Brasil que o maracatu rural nasceu nas senzalas e depois foi para o Recife, dando origem ao maractu de baque virado. Assim algo que comneçou após o fim da escravisão passou a ser causa do que ocorreu na´quarta ou quinta década do século XIX. Ficou, o repórter, nos devendo a informação sobre qual a documentação que ele utilizou para chegar à conclusão que os escravos podiam fazer carnaval nos canaviais. Informações como essas, que são dadas pelas emissoras de televisões, veículos de comunicação, transmissão de conhecimentos e de valores, é que nos preocupam. Stanislaw Ponte Preta bem que já chamava atenção ao Samba do Crioulo Doido.
Hoje as pessoas ficam muto tempo vendo a televisão e com ela têm uma relação de quase subserviência, pois se no passado valia o que estava escrito, agora parace valer o que é dito nas emissoras de tv. Poucas são as pessoas que após ouovirem uma reportagem procuram maiores informações. Assim o conhecimento vai se diluindo e as grandes linhas de formação estão sendo dadas por repórteres que ze tornam mais importantes do que a notícias e, esse jornalismo pouco relfexivo vai moldando um nação que decora textos fáceis e aduladores. Carnaval, tradições culturais, fiormação histórica, tudo isso é muito sério. Parem de querer nos imbecilizar. Precisamos estudar para evitar que nos façam o crioulo doido, que confundiu toda a história do Brasil, pois ele só sabia o que era contado pelos enredos das escolas de samba. Endoidaram o crioulo e agora o crioulo doido fica dando aulas fúteis e loucas na televisão.
Uma questão séria é que escritores que têm acesso aos meios de comunicação são capazes de atacar profissionais do ensino, mas jamais terão coragem de dizer que um jornalista da tv globo faz matérias superficiais.
Bem que alguém já disse que entre viver e o caderno c quase tudo vai morrer.

A multiplicação das tribos

Como se pode verificar na mensagem anterior, meu carnaval foi um viagem no mundo do Maracatu Rural, seja dizer, parte da Zona da Mata Norte.
Andei buscando mais informações sobre os maracatus e, ao mesmo tempo verificando as mudanças que ocorrem a cada ano. Vi novos maracatu, como o Leão Coroado, nascido este ano, em Chã de maltez, distrito de Buenos Aires. Ou seja, a cada ano tem mais tribos se formando, se organizando, mais pessoas estão fazendo aumentar a belezxa desse carnaval da Mata Norte. O que isso significa? será uma busca por dinheiro das prefeituras, quase sempre tão pouco que não é suficiente para comprar o material necessário para por na rua dez caboclos e uma corte? Será que está crescendo um sentimento de pertenciamento a essa brincadeira, uma aceitação de uma identidade que se constrói? Essas perguntas me assaltam.
Ao mesmo tempo vi aumentar o número de Bois de Carnaval Só na cidade de Aliança, na manhã da segunda feira vi desfilarem seis bois. Na manhã da terça feira vi 21 bois desfilando entre as 9 horas da manhã ate´o meio dia na cidade de Timbaúba. Em Nazaré da Mata também encontrei bois. Nesta quarta feira de cinzas vai ocorrer um encontro de bois em Olinda. O que isso significa? temos que procurar entender isso. Afinal, essa não é uma região em que a pecuária tenha sido historicamente forte, nem no passado colonial nem no recente. Também tem aumentado o número de tribos de caboclinhos.
Esse aumento, é um culto à tradições antigas ou uma influência dos meios de comnicações e dos pesquisadores que buscam localizar as sementes de costumes e, quem sabem, lançam outras?

terça-feira, fevereiro 20, 2007

O direito de viver e cantar a defesa da vida

Estamos na terça feira do carnaval. Desde sábado que me movimento pela Zona da Mata Norte. Estive em Goiana, Aliança, Condado, Nazaré da Mata e Timbaúba, além de participar da concentração do Nóis sofre mais nóis goza e da abertura oficial do carnaval do Recife. Irei fazer alguns comentários de novas diversões que vi e brinquei. Hoje quero lembrar que vi, e ouvi, na cidade de Aliança, um mestre de Maracatu dizer algumas coisas que podem ser consideradas impróprias na boca de um mestre, embora seja segrado o direoto de ele dizer.´
É certo que existe a liberdade de expressão, e este é um dos principais direitos que os homens e mulheres temos conseguido desde o final da Idade Média, a custo de vidas e sonhos. Precisamos estar atentos às tentativas de diminuir o que conquistamos. Por causa da morte bábara sofrida pelo João Daniel, no rio de Janeiro, o mestre pedia que os assassinos sofressem o mesmo tipo de morte e, acusava os grupos defensores dos direitos humanos pela morte do menino. O argumento é que "os direitos humanos só servem para defender os marginais." Isso é muito perigoso, além de ser mentira. A polícia não está impedida de cumprir suas obrigaçõpes, apenas não pode faltar com respeito aos cidadãos. Além do mais, o chefe do bando que matou o menino já havia sido preso várias vezes e foi libertado antes de terminar o cumprimento da pena. Fico preocupado que se diga que a defesa dos direitos humanos é para acobertar o crime. Os direitos são de todos, e não podemos abrir mão deles. A questao é que devemos punir quem comete crime. Inclusive o crime de avançar sinal de trânsito. Não punir esses crimes é o que prepara o caminho para os grandes crimes. Se não se prende alguém que cometeu crime, ou se dá prisão especial para o criminoso que tem curso universitário, está se preparando uma geração de criminosos. Não há criminosos especiais, há criminosos.
A não punição de pessoas que, ocupando cargos públicos, desviaram fundos ou roubaram os fundos que eram de sua responsabilidade cuidar em benefício de todos ( funcionários, vereadores, prefeitos, deputados, ministros, secretários, governadores, presidentes ) é que prepara o caminho para a dwesrtruição da sociedade. Não é a defesa dos direitos humanos que´produz o crime, é a produção e a defesa dos privelégios que que tornam a nossa sociedade insegura.
Gosto muito do Maractu, gosto dos mestres de maracatu, mas não gosto que eles cantem loas contra o direitos humanos. Os maracatus de de Baque solto hoje são ícones culturais porque assumiram o compromisso de respeitar as agremiações, as tribos e evitarem a violência. Assim eles criaram o direito de se apresentar nas cidades. Vamos conversar com os mestres sobre isso e vamos continuar ampliando a luta pelos direitos humanos.

sexta-feira, fevereiro 16, 2007

As cidades sonhadas pelos renascentistas

O texto que vai abaixo é o primeiro dos painéis que foram apresentados neste semestre.




Universidade Federal de Pernambuco
Departamento de História
Prof.: Severino Vicente da Silva
Alunos: João Augusto e José Zito
História Moderna I


Seminário: “As cidades sonhadas pelos renascentistas”





AS CIDADES SONHADAS PELOS RENASCENTISTAS



Embora quando se fale de Renascimento pensemos imediatamente como um conjunto de idéias que se opõe à Idade Média – vida contemplativa e vida ativa, mundo fechado e universo infinito, etc. –, é importante salientar que este movimento tem como característica a justaposição de concepções provenientes tanto do pensamento medieval quanto das inovações que propunha a partir de então; até porque o processo de mudança, predominantemente cultural, é um processo lento e gradual e não se pode considerar o Renascimento como um momento de ruptura que anula a tradição anterior, nem, no limite, opor o saber escolástico ao saber racional, pois é a partir da presença dessas múltiplas formas de pensamento que se abrem os novos horizontes para o mundo e para o homem.[1]
Dessa forma, podemos identificar a origem das cidades ainda na Idade Média, sobretudo após a revolução comercial do século XIII. As grandes feiras realizadas em pontos estratégicos de entreposto comercial fizeram surgir as cidades num sentido mais contemporâneo do termo, com características propriamente urbanas. Aos poucos essas cidades foram se tornando o espaço das transformações do período renascentista; assim também o objetivo das reflexões de muitos pensadores – como, por exemplo, Alberti, Morus, Bacon, Campanella. Na verdade, há uma alteração de valores decorrentes da renovação mental do homem moderno estabelecendo transformações essenciais no campo filosófico: a instauração do campo da crítica e a valorização dos métodos de comparação.
Esse processo de abertura teve como base a ampliação do conceito de alteridade[2], oriundo da descoberta do Novo Mundo. Como podemos comparar algo sem que haja um modelo de comparação? Daí a importância dos relatos advindos dos cronistas viajantes. Como decorrência, estabelece-se um forte vínculo entre o Novo Mundo e a Europa renascentista, não porque se verificam os movimentos das descobertas, mas pela complementaridade cultural[3]. Há como que um desejo intenso de conhecimento acerca do (Novo) mundo, acarretando o desenvolvimento da crítica social e desempenhando importante papel na produção das cidades ideais e utópicas. A partir de então, abre-se um processo de rediscussão do significado da civilização e da idéia de Europa.[4]
Tomemos como exemplo a “Abadia de Telêma” de Rabelais[5]: Gargântua oferece a Frei Jean uma das grandes abadias da Europa pelo sucesso na empreitada. A resposta do monge inicia a descrição espacial da nova abadia e introduz os elementos de oposição às situações reais, pois, na resposta, o monge descarta a possibilidade aventada por Gargântua, dizendo-se incapaz de dirigir a si mesmo, e ressalta os aspectos negativos das grandes abadias. Mas, no final o frei propõe a construção de uma nova abadia – a de Telêma. Assim, podemos perceber a identificação do novo (lugar) com o ideal, mesmo que isso demonstre uma idéia de um “um outro lugar” ou de um “não-lugar”[6], característica própria das cidades utópicas.
Mas, então, passemos para a diferenciação das cidades ideais e cidades utópicas.
A diferença fundamental entre elas é que na cidade ideal há um projeto de reforma dentro das próprias cidades reais, ou seja, a cidade ideal deve conviver com a cidade real e funciona como alarme em situações de crise[7] - sendo Alberti um dos precursores dessa concepção. Já as cidades utópicas são pensadas a partir de um “lugar nenhum”, no sentido de que é a construção da cidade num lugar determinado[8], num tempo futuro. Outrossim, nas cidades utópicas há um aparente cancelamento do “eu”, e os ideais de liberdade e autonomia são regulados pelos preceitos morais contidos em cada um dos habitantes. Nas cidades ideais mantém-se o “eu” renovado e a noção de sujeito adquire o sentido de criador e planejador[9].
De acordo com Antonio Rodrigues podemos traçar algumas correspondências entre a produção de Alberti e Morus, “sonhadores” da mesma causa de um sujeito ativo e intervencionista, estabelecendo um campo de complementaridade entre eles, reduzindo as diferenças sem eliminá-las e ampliando as semelhanças:
a produção de Alberti e Morus tem um profundo sentido humanista que privilegia o homem como sujeito-construtor do mundo e promovedor das mudanças;
ambos, embora humanistas, têm um forte sentido crítico com relação às atitudes e propostas humanistas, defendendo acima de tudo a dignidade, a liberdade e a autonomia;
a força de suas considerações provém da capacidade dos dois de observar o mundo em sua dimensão universal;
ambos se preocupam com o lugar-espaço onde essas transformações adquirem forma e tomam sentido, e como um espelho constroem seu contrário ou seu inverso;
os resultados espaciais de ambos se universalizam;
por fim, ambos se inserem na produção matemática do espaçamento urbano que utiliza as formas esféricas em oposição ao quadrado da Antiguidade.
Na verdade, a cidade ideal de Alberti estava muito próxima da realidade, apresentando-se no mesmo plano da cidade real. Assim, para Alberti a cidade é sempre obre de arte, pois que construídas pelos homens e pensada enquanto espaço de garantia de sua eternidade. A cidade real vive da manutenção das idealizações, embora não possam ser consideradas como utopias. Para Alberti, o sonho é justaposto à realidade!


* * *



Tommaso Campanella:



O autor nasceu na cidade de Stilo, na Itália em 1568. Ainda jovem seu pai lhe quis fazer jurista, mas Campanella se opôs. E saiu de sua cidade natal para ingressar na vida de monge. Quando completa seus estudos de teologia, Tommaso volta a sua cidade e fica aterrorizado com a miséria que assolava as pessoas. Com isso, entra em um grupo que estava disposto a declarar independência da Espanha. Pois nessa época a família dos Hanbsburgos dominava quase toda a Europa e as Américas. Porem, o grupo é descoberto e muitos são presos ou mortos, Campanella, sabiamente, finge-se de louco, e escapa da morte. Sendo assim, é preso onde passa 27 anos na cela. Foi solto apenas porque escreveu artigos em favor da igreja católica e assim que foi solto, foi para a França onde passa seus últimos dias. Morre no ano de 1639.




Cidade Sol:


Essa foi sua principal obra. Ela retrata uma republica oposta do que se vivia em sua época, uma republica perfeita, livre dos defeitos humanos. Nesse livro, há apenas dois personagens que dialogam em uma taverna sobre uma viajem fantástica num mundo diferente. Esse personagem é o almirante e o outro um amigo. Com monólogos extensos, o almirante descreve a nova sociedade em que entrou contato.

Algumas características, tais como:


Os cidadãos não davam valor algum ao ouro e a prata. Uma verdadeira resposta a sociedade da época de Campanella onde se morria e se matava por esses metais.
Negam ser natural do homem, mulher, casa e filhos. Para evitar que não se criem laços prejudiciais a republica. Sua família é a Republica.
Na cidade Sol era proibido que as mulheres embelezassem. Pois a maquiagem esconderia algum defeito, e isso seria prejudicial as gerações futuras. Os cidadãos solares tinham que ter físicos perfeitos.
A soberba era punida com duras penas. Todo trabalho era considerado único e precioso. Não se tem trabalho melhor ou pior. Contrapondo ao que se existia na sociedade do autor.
Os solares não tinham servos e todos se vestiam iguais. Campanella não gostava dos nobres e os condenava por não produzirem nada, pois todos os trabalhos eram lançados ao servos.
Todos os Solares trabalhavam, em media, quatro horas diárias. O resto do dia dedicavam-se à meditação, leitura e discussão.
Os habitantes da Cidade Sol nunca reclamavam do seu trabalho. Pois eles eram concebidos para aquele feito. De modo que quando a astrologia era favorável a aquela profissão, Mor juntava os casais com características físicas e psicológicas para que a criança nasça para uma determinada profissão; da qual ela será satisfeita para o resto da vida.
Para os Solares quanto mais o trabalho era árduo mais nobre era considerada aquela pessoa. Uma clara critica aos nobres que, por sua vez, eram considerado mais nobres por não se esforçarem muito.
Como era uma Cidade avançada, os Solares já possuíam a arte de voar em pleno século XVI! Talvez para mostrar o como essa sociedade era avançada em relação a sociedade em que o autor viveu. Como que afirmando o quão a sociedade do século XVI era primitiva e retrógrada.




Alem do mais, a sociedade solar estava dividida assim:

Hoh
Pon
Sin
Mor

Hoh: Era o chefe supremo da sociedade. Sendo um representante direto de Deus. Todas as suas decisões teria que ser acatadas. Tinha como função a purificação da alma das pessoas. Seu cargo era infinito ate que surgisse outro ser mais inteligente e melhor capacitado para governar.

Pon: Era o responsável por tudo que se relacionava com o aparelho militar. Era o estrategista, o que cuidava da defesa da cidade, o que treinava os pelotões etc.

Sin: era o representante da sapiciêcia. O que cuidava das artes, o que produzia as tecnologias, enfim, que cuidava da ciência.

Mor: sua principal função era de cuidar das gerações. Era o responsável pela união dos casais, pela alimentação e vestuário.


Alem da tríade acima, havia os ministérios que cuidava de assuntos menores. Como, por exemplo, o ministro das estratégias diretamente subordinado a Pon.





* * *
[1] Antonio Rodrigues. “Os sonhos renascentistas: cidades e cidades utópicas”. In: Tempos Modernos: ensaios de história cultural. (P. 133)
[2] “alteridade” – caráter ou qualidade daquilo que é outro, do conhecimento do outro.
[3] Antonio Rodrigues. Opus. Cit., p. 134
[4] Idem, p.141.
[5] Gargântua. São Paulo: Hucitec, 1982 (caps. LII e LIII)
[6] Antonio Rodrigues, op. Cit., p.136-137
[7] Idem, p. 142.
[8] Quase todas as cidades utópicas têm como elemento comum o fato de estarem separadas do mundo real pelo braço do mar ou por um rio, adquirindo a feição de uma “ilha” isolada, como na Utopia de Thomas Morus (mesmo que tenha se transformado em ilha, já que outrora era um istmo); na Cidade do Sol de Campanella, na Ilha de Atlântida de Bacon, etc.
[9] Antonio Rodrrigues, op. Cit., p. 143.

quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Cargo eletivo para servir à cidade

Aos poucos a sociedade recifense vai absorvendo o golpe dado pela informação, ou melhor dizendo, pela Câmara dos Vereadores que concedeu um aumento de 46%¨de aumento de salário ao prefeito da cidade. Causa estranhamento um aumento desse porte em uma época de inflação, segundo dizem os números do governo, inflação de 7%. O funcionalismo municipal recebeu cerca de 13%. Parece que alguma coisa anda errada com o presidente da câmara, que é do PT, e também com a opisição ao prefeito, que é do PT.

Ocorre que cargo eletivo é escolha do fulano que quer servir a sociedade. Mas parecec que é um cargo para servir-se da sociedade. O prefeito da cidade não paga gasolina, pois a cidade coloca vários carros à sua disposição; também usa regularmente o telefone público e outras benesses que os cidadãos comuns são proibidos de usufruir. Mas o bom é que a notícia do aumento do salário do prefeito - R$ 14.600.00 ou seja, é algumas vezes mais o valor do salário mínimo do páis R$330.00. Ainda bem que o Partido dos Trabalhadores, com sua política de bem pagar aos prefeitos, está auxiliando a o Brasil manter o altíssimo nível de cencetração de renda e de aumento da distância entre os mais pobres e os mais ricos. Ainda bem que é carnaval e todos, inclusive eu, estaremos no bloco doNÓIS SOFRE MAS NÓIS GOZA e do EU ACHO É POUCO.

Quero dizer que não sou contra uma política de bons salários, mas desejo que essa política seja aplicada atodos os cidadãos. Se assim o fosse, seria mais provável que teríamos um melhor índice educacional, social e seríamos mais intransigentes com mediocridades, injustiças e privilégios.

Cultura popular / Idade Moderna

Este texto abaixo, é mais um trabalho de um grupo de alunos do 4o. período de História. O obejtivo é que os colegas recebam o que a turma está produzindo.



UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO
CFCH – DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
HISTÓRIA MODERNA I – Professor BIU VICENTE

ALUNOS: Alexandre Acioli
Marcela Spinelli
Rebeca Venice Cavalcanti
Rodrigo Chaves Véras

Apresentação da parte escrita, complemento do seminário “Cultura Popular”. O referido texto trata do contexto de Renascimento, analisando aspectos teóricos e a literatura.

Introdução

O presente trabalho vai ser apresentado em cinco tópicos:
1) Apresentação (Origens da História Cultural e definição de cultura popular)
2) As práticas da escrita
3) A cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais
4) Cultura popular e cultura erudita na Itália Renascentista
5) História Cultural clássica e suas críticas

Dessa maneira, esperamos apresentar o inesgotável assunto, sendo necessária a interligação entre os tópicos, já que essa divisão é meramente didática.

1) Apresentação

1.1)Origens da Historia Cultural

1 – MAROTTA, Cláudia Otoni de Almeida. O que é história das mentalidades? São Paulo: Brasilinhese, 1991. A História dos meios de pensamento – como aborda Cláudia Marotta – apresenta histórias não fabulosas, ilusórias, mas assentadas em rituais, que são reveladores de mentalidades.
Nos escritos de fins do século XVIII, na década de 1780, há o registro da cultura popular ou cultura dos povos, kulture des volkes, que se liga às crenças. Nele, J.C Adelung relacionou “cultura espiritual” a “vida social” e trabalhou o “refinamento dos costumes”. J.G Herder apresentou o desenvolvimento das idéias e das artes nas mudanças da língua, lei, religião alemã, em Ideas on the Philosophy of the History of Mankind (Idéias na Filosofia da História da Humanidade). Jesuítas eruditos trabalharam o que eles chamaram de populares traditiunculae, sobre a vida dos santos e, em 1757, já observavam “as pequenas tradições do povo”. Em 1575, Le Roy afirma em seu ensaio da história comparativa, vicissitudes, que “todas as artes liberais e mecânicas floresceram juntas e depois caíram”. Ele cita a civilização grega, a árabe, a chinesa. Talvez Le Roy tenha razão quanto ao que Bruni aponta sobre despotismo, que culmina na imposição cultural. Rainer Reineck, em 1583, no Method for Reading History, inspirado no estudo de mesmo nome de Jean Bodin, aborda o ponto da história escholástica – das artes, disciplinas, literatura dos intelectuais. Francis Bacon, em 1605, no ensaio sobre a sabedoria dos antigos, trouxe indicação sobre as origens do conhecimento assentada em seitas, invenções e tradições. Muito embora, suas pesquisas não foram publicadas na época por interesses do homem de negócios, pois “administração e gerenciamento” do conhecimento sem dúvida denunciam o homem de negócios. Pensar sobre esse conhecimento é atentar para o aparecimento do termo CIVILIS, pós-revolução francesa, que põe a ‘cultura’ associada ao sistema de atitudes, crenças e valores de outra sociedade não civilizada².
2 – GOMES, Marcelo Bolshaw. (http://www.facom.ufba.br/pretextos/bolshaw2.html, último acesso: 15/02/07) Em 1751, Voltaire, em ensaio sobre os costumes e, em 1756, no livro A era de Luís XIV, trouxe um novo tipo de história com ênfase ao “progresso da mente humana”. Contudo, Voltaire não explanou com amplitude a questão das artes – se tinha patrocínio real, como se dava? -, mas sim sobre as guerras. Voltaire foi responsável por escritos sobre o renascimento das letras e o refinamento dos costumes, na França. Há estudiosos que propuseram a causa do declínio cultural no despotismo, como banimento de qualquer forma de liberdade – na opinião do humanista Leonardo Bruni.
A sociedade passa a se interessar pela cultura como identificação de sua identidade, todavia não só pelo dualismo entre requinte e rudeza, mas também, como fez Adelung, pela “cultura espiritual” a “vida social”. Na Grã-Bretanha, em 1761, Anedoctes os Painting, de Horace Walpole, tentou fazer uma ligação entre as pinturas inglesas com determinadas situações da sociedade. David Hume discorreu, em ensaio, sobre o “refinamento das artes” acerca da arte, liberdade e luxo e Saverio Bettinelli, que – em 1775 – analisa o ressurgimento da Itália. Bettinelli em Umani Costumi leva em consideração os costumes sociais entre a arte, liberdade, música, cavalaria, comércio. É importante salientar o cuidado com o anacronismo.
Há a denúncia por Lorenzo Valla no panfleto Doação de Constantino. Ele provou que a doação era falsa, pois algumas fórmulas lingüísticas da época não poderiam ter partido do latim que era utilizado. Assinalando que, assim, o ato do imperador Constantino I ao doar ao Papa Silvestre e seus sucessores a primazia sobre a Igreja do Oriente e o poder Imperial ao império romano do Ocidente era falsa.
Etienne Pasquier explica a questão do registro cultural, em 1556, como forma de conhecer o estilo de vida a partir dos regulamentos e estatutos. Assim, o “gênio”, “humor”, “espírito”, formam conceitos para discutir um período ou um povo. Na França, em 1750, a idéia da expressão Lê progrès de l’esprit human, empregada por Fontenelle foi a mesma abordada por Voltaire ao tratar da cultura, talvez com semelhanças ideológicas do termo kultur – como aperfeiçoamento do espírito humano de um povo -, como também do termo Geist (espírito), que transpunha agudez na consciência da lei, religião, artes, ciências. Fontenelle ensaiou sobre a origem dos “mitos” - escrito em 1690, mas só publicado em 1724 - cujos sistemas filosóficos eram antropomórficos e mágicos. Jens Kraft – em 1760 – ao fazer a descrição geral da “mente selvagem” (de vilde flok) e em “modos de pensamento” (Taenke-Maade), atenta ao caráter das mentalidades para se compreender um povo. Semelhante estudo fez Montesquieu, em Espíritos das Leis, ao abordar a lógica da provação medieval a partir da “maneira de pensar nossos ancestrais”, exemplificando no ferro em brasa sendo segurado por alguém para estabelecer a inocência. Pode ser que essa consciência, evidenciada também na Kultur, tivesse influenciado Herder, Adelung.
Houve quem afirmasse que a história cultural estivesse sob os “alicerces hegelianos”, como no caso de Ernest Gombrich, quanto à obra de Burckhardt sobre a cultura do renascimento na Itália. Entretanto, não é o “espírito da época”, ou “do mundo”, a partir do Zeitgeist (espírito da época), que se sistematiza a abordagem historiográfica, assim como ele mesmo expôs: “Uma vez que a história coordena, sendo, portanto, a-filosofica, ao passo que a filosofia subordina, sendo, pois, a-histórica”. O próprio Burckhardt entende o caráter histórico como preocupação objetiva e subjetiva embasada, talvez, na filosofia de Schopenhauer em O mundo como vontade e representação. Segundo Peter Burke, não devemos esquecer do legado aristotélico quanto às discussões, na arte poética, sobre a preocupação do desenvolvimento interno dos gêneros, exemplificado na tragédia.
De Edimburgo a Florença, de Paris a Göttingen poderia se estudar a trajetória das culturas até 1800, pois com o advento dos métodos positivistas, esse tema perde força no século XIX. Com Leopold Von Ranke, os “fatos” têm que ser provados por “documentos” para se chegar a algo concreto. Entretanto, em 1840, a cultura do renascimento na Itália de Burckhardt refuta esse paradigma. Nesse século, Jules Michellet também se empenhou em fazer a história cultural do renascimento francês.
Contudo, Georges Duby salienta para um cuidado que irá se dá no estudo da Idade Média e do renascimento quanto à cultura popular e erudita sobre a idéia de oposição entre elas. Ele mostra a redução do problema no formato de conflito entre os poderosos e pobres. Duby acrescenta quanto à manipulação impressa na alta cultura sobre o verdadeiro jogo que “não foi feita dois, mas a três, e que a cultura popular não foi envolvida num duelo, mas num combate muito mais complexo.”³
3 – DUBY, Georges. Idade média, Idade dos Homens. São Paulo: Cia das Letras, 1983.




1.2) Definição de Cultura Popular – Análise da obra O Queijo e os Vermes

Cada vez mais, os historiadores se interessam por fontes que tragam informações sobre as classes subalternas. Justamente a escassez de testemunhos sobre o comportamento dessas classes constitui o primeiro obstáculo contra o qual as pesquisas históricas se chocam. Mas é uma regra que admite exceções, como por exemplo, este livro que conta a história do moleiro Domenico Scandella, conhecido por Menocchio. Ele foi queimado por ordem do Santo Ofício, depois de uma vida em anonimato. A documentação dos dois processos abertos contra ele traz um quadro rico das suas idéias, sentimentos, fantasias e aspirações. Outros documentos fornecem indicações sobre suas atividades econômicas e sobre a vida de seus filhos. Existem algumas páginas escritas por ele mesmo e uma lista parcial de suas leituras (ele sabia ler e escrever). O que existe já permite reconstruir um fragmento do que se costuma denominar “cultura das classes subalternas” ou “cultura popular”.
Devido à existência de desníveis culturais no interior das sociedades civilizadas, o emprego do termo “cultura” para definir o comportamento próprio das classes subalternas é relativamente tardio e foi emprestado da antropologia cultural. Através do conceito de “cultura primitiva” se chegou a reconhecer que os indivíduos definidos como “camada inferior” possuíam cultura. Foi superada a concepção antiquada de folclore como coleção de curiosidades e a visão de que o mundo das classes subalternas seria um acúmulo de idéias elaboradas pela classe dominante. Começa a discussão sobre a relação entre a cultura das classes subalternas e a das classes dominantes, Até que ponto a primeira está subordinada à segunda? Com freqüência, as idéias ou crenças originais são consideradas produtos das classes superiores. Surge a dificuldade dos historiadores em pesquisar a cultura camponesa, pois a cultura das classes subalternas é, predominantemente, oral. É então que eles se servem de fontes escritas que, geralmente, são da autoria de indivíduos ligados à cultura dominante. Isto acarreta que os pensamentos dos camponeses chegam até nós através de filtros que acabam por deformá-los.
Alguns historiadores se iniciaram nas pesquisas sobre cultura popular com a intenção de descobrir como ela se formou. Robert Mandrou tentou classificar com base na literatura de cordel. Ele formulou uma conclusão um tanto quanto apressada. Para ele, essa literatura definida como de “evasão”, teria alimentado durante séculos uma visão de mundo banhada de fatalismo e determinismo, de maravilhoso e misterioso e etc. Através de uma passagem brusca e imotivada, definiu-os, enquanto instrumentos de uma aculturação vitoriosa, atribuindo a essa classe uma completa passividade cultural em relação aos produtos das classes dominantes. O mesmo atalho, embora com pressupostos diferentes, foi trilhado pela pesquisadora Geneviève Bollème. Ela viu na literatura de cordel, em vez de um instrumento de uma aculturação vitoriosa, a expressão espontânea de uma cultura popular original e autônoma, permeada por valores religiosos. Nessa religião popular teriam sido fundidos, de forma harmoniosa, o natural e o sobre-natural, o medo da morte e o impulso em direção à vida, a tolerância às injustiças e a revolta contra a opressão.
Estas imagens contrastam com a imagem viva de Mikhail Bakhtin, num livro sobre as relações entre Rabelais e a cultura popular do seu tempo. No centro da cultura configurada por Bakhtin está o carnaval: mito e rito no qual confluem a exaltação da fertilidade e da abundância, a inversão brincalhona de todos os valores e hierarquias constituídas. Segundo Bakhtin, esta visão de mundo elaborada pela cultura popular se contrapõe ao dogmatismo e seriedade das classes dominantes. Portanto, temos, por um lado, dicotomia cultural, mas por outro, circularidade, influxo recíproco entre cultura subalterna e cultura hegemônica, que foi particularmente intenso na primeira metade do século XVI.
Em relação ao problema de se conseguir ir a fundo às pesquisas sobre cultura popular, por certas fontes não serem objetivas, não significam que sejam totalmente inutilizáveis. Muitos historiadores são induzidos a jogar fora a cultura popular juntamente com a documentação que dela dá uma imagem mais ou menos deformada. Depois de ter criticado as pesquisas já lembradas sobre a literatura de cordel, um grupo de estudiosos chegou a se perguntar se “a cultura popular existiria para além do gesto que a elimina”. Por trás desta afirmação se encontram os estudos de Michel Foucault que chama atenção sobre as exclusões, as proibições e os limites através dos quais nossa cultura se constituiu historicamente. A cultura popular se revela ambígua. Às classes subalternas é atribuída ora uma passiva adequação aos subprodutos culturais distribuídos pela classe dominante (Mandrou), ora uma tácita proposta de valores em relação à cultura destas classes (Bolléme), ora um estranhamento absoluto que se coloca para além ou para aquém da cultura (Foucault). É bem mais frutífera a hipótese formulada por Bakhtin de uma influência recíproca entre a cultura das classes subalternas e a cultura dominante.
O claro exemplo disto é Menocchio. Suas idéias vão de obscuros elementos populares a radicalismos religiosos, naturalismo científico e aspirações de uma renovação social. Nas suas confissões é possível encontrar uma série de elementos convergentes. Algumas investigações confirmam a existência de traços de uma cultura camponesa comum. Entretanto, Menocchio possuía uma rara clareza e lucidez. Portanto, é impossível efetuar recortes claros na sua cultura. Menocchio está inserido numa tênue, sinuosa, porém muito nítida linha de desenvolvimento que chega até nós. Podemos dizer que ele é nosso antepassado, mas é também um fragmento obscuro, opaco o qual só através de um gesto arbitrário podemos incorporar à nossa história.


2) As práticas da escrita – Roger Chartier

Querendo analisar a evolução da alfabetização dos séculos XVI ao XVIII, alguns historiadores puseram-se a analisar as assinaturas de documentos paroquiais, notariais, fiscais ou judiciários. Naquele período, muitos sabiam ler, mas nem todos que liam sabiam assinar o nome. Saber assinar também não significava que sabiam, de fato, escrever. Mas, foi no decorrer destes três séculos que houve um grande progresso nas assinaturas, entretanto, as taxas sempre eram maiores para os homens do que para as mulheres. Como um exemplo, na França, as assinaturas dos noivos nos registros paroquianos mostram a nítida progressão no decorrer de um século: em 1686-1690 apenas 29% dos homens e 14% das mulheres assinam; em 1786-1790 já são 48% dos homens e 27% das mulheres. Essas porcentagens, entretanto, não podem indicar uma taxa global de assinantes, porém seu crescimento indica um avanço contínuo e regular da alfabetização.
Porém, a alfabetização também podia apresentar declínios e recessões. Em Madri, na segunda metade do século XVII, há uma queda na alfabetização: em 1650, 45% dos testadores assinam seu testamento; entre 1651 e 1700, apenas 37% assinam. Os motivos das recessões variam, devendo-se a deteriorização da rede escolar, ao afluxo de imigrantes menos alfabetizados ou ainda à mediocridade da conjuntura econômica global. A escrita também estava relacionada com as atividades econômicas e as condições sociais dos grupos. Quanto mais alto o cargo ocupado em uma sociedade, maiores as chances de alfabetização. Assim, pelo menos em alguns lugares, a conquista da escrita já ocorreu no final da Idade Média, com grandes progressos no período de 1600-1800.
Em relação à prática da leitura, esta se torna mais corrente com a necessidade de que todos possam ler a Bíblia. Nos países protestantes, a capacidade de ler é universal, pois os protestantes apoiavam-se na prática por permitir nutrir a fé a partir da leitura íntima da Bíblia. Saber ler contribuiu para o surgimento de novas práticas de construção da intimidade individual e permitiu novos modos de relação com os outros. A leitura possibilitou a interiorização imediata do que é lido por aquele que lê. Ler sozinho também propiciou audácias, do tipo a expressão de idéias, críticas por meio da circulação de textos heréticos e o sucesso dos livros eróticos. O livro passa a ser um bem precioso, bastante presente no convívio familiar. A biblioteca se torna um retiro isolado do mundo. Uma liberdade conquistada longe das multidões. A leitura atua, portanto, nos diversos níveis da privatização. É uma prática que constrói a intimidade individual, remetendo o leitor a si mesmo, a seus pensamentos ou a suas emoções, na solidão e no recolhimento. Mas também está no centro da vida dos grupos de conviviabilidade que, por algum tempo, permitem “evitar o tédio da solidão e o peso da multidão”.
3) A Cultura popular na Idade Média e no Renascimento – O contexto de François Rabelais.

O presente capítulo trata do contexto do literato francês François Rabelais, que nasceu no fim do século XV, analisado por Mikhail Bakhtin, em 1940, tendo publicado a obra só em 1965. O autor, e outros do Renascimento, Shakespeare, Cervantes, são pilares do chamado realismo grotesco, ou a paródia medieval.
Para decifrar a obra de Rabelais, Bakhtin aponta direcionamentos e ressalta a importância das fontes populares para a compreensão desses literatos renascentistas, principalmente o Rabelais. É a carnavalização da Literatura.
Para a compreensão da “incompreensível” literatura de Rabelais, Bakhtin direciona em três pontos, que não podem ser tratados separadamente, e essa é sua hipótese: As formas dos ritos e espetáculos; as obras cômicas verbais e certos fenômenos e gêneros do vocabulário familiar e público na Idade Média e no Renascimento.
O que o autor defende é que a cultura oficial (Estado e Igreja) está em constante troca com a cultura popular, o que chama de “segundo mundo”. Essa dualidade pode ser analisada sobre o contexto do carnaval e de outras festas populares. Para Bakhtin, entender Rabelais, é, sobretudo entender as fontes empíricas que o autor renascentista utilizou.
A análise do espírito carnavalesco naquele período toma caráter importante no livro, já que, para Bakhtin, o carnaval é a vida apresentada com elementos da representação. Não há uma separação entre carnaval e vida, o carnaval não era uma fuga instantânea da realidade, mas sim um profundo reflexo do mundo. Nesse caso, a crítica à cultura oficial possibilitava recriações, tanto nos vocábulos, quanto na própria consciência de povo, que é mutável, dinâmico, consciente da própria alegria e da relatividade das verdades e ciente do relativismo das autoridades de poder.
A paródia carnavalesca popular apresenta, na História do Riso um caráter ambivalente. O riso, ao mesmo tempo em que ressuscita, renova. É o riso alegre, o riso reconstrutor. Essa idéia está sentada no contexto cultural, da universalidade, das utopias. Já a paródia moderna apresenta o Riso puramente negativo. O humor satírico entra como elemento da época, com o riso destinado unicamente à diversão.
Nas obras cômicas verbais, o riso cômico atinge as altas classes da sociedade, enfatizando a complexidade das trocas entre cultura oficial e cultura popular. O riso do carnaval invade os mosteiros, o colégio, a universidade. Paródias de cultos e dogmas religiosos, tendo, em “O elogio da Loucura”, de Erasmo de Rotterdam, segundo Bakhtin, seu ápice. A literatura em língua vulgar apresenta mais forte ainda a influência das festas em praça pública, bem como o caráter cômico no campo da dramaturgia, é a carnavalização dos milagres.
Com base no elemento essencial da Idade Média, caráter universal, clima de festa, idéias utópicas Rabelais faz uso intenso de grosserias. Bakhtin, a contrário de outros teóricos do romantismo, não encara a individualidade como cerne da questão, mas pelo contrário a universalidade. Nas grosserias blasfematórias ocorre também o caráter ambivalente. É a degradação simultânea à renovação.
Em relação ao princípio da vida material e corporal, muito presente na obra de Rabelais, o que levou críticas que esse autor, apesar de lhe dar muito bem com as palavras, elimina o belo. Essa estética do belo está mais ligado à clássica, retomada pela arte no século XVII, com mais intensidade. A idéia de povo, da festa, do banquete, da alegria não poderia ter saído dos escritos de Rabelais, e foram sua essência.
A característica principal é o direcionamento ao rebaixamento, a degradação do sublime. O corpo, entendido como metáfora, representa o plano espiritual e o material da vida. A cabeça, o “alto”, é o céu; enquanto o corpo, “o baixo” é a terra. Por isso a presença marcante dos órgãos genitais, o ventre, o traseiro, a comida, a bebida, a vida sexual. Nesse constante debate entre absorção e, ao mesmo tempo de nascimento, ressurreição. O caráter ambivalente perpassa pelo princípio da vida material e corporal. Um exemplo fantástico são as “Velhas grávidas”, uma das miniaturas de terracota de Kertsch. O corpo não acabado, incompleto, a morte que dá a luz, o nada perfeito, são essenciais para entender a preferência da literatura rabeliana.
Para a construção das imagens grotescas, três fases do grotesco, três sçao os elementos essenciais do realismo grotesco de Rabelais: Arcaico, ligado à mitologia e arte arcaica de todos os povos; Clássico, excluído da arte oficial (estética formal), sobrevivência em domínios não-canônicos, Continuação nas artes plásticas, estatuetas de terracota, máscaras cômicas, drama satírico; e o pós-antigo que apresenta o grotesco mais ligado às tradições orientais.
Em fins do século XV, escavações feitas em Roma nos subterrâneos das Termas de Tito descobriram um novo tipo de pintura ornamental. Foi chamada de grottesca, derivado do substantivo italiano grotta (gruta). “ O MOVIMENTO DEIXA DE SER O DE FORMAS COMPLETAMENTE ACABADAS NUM UNIVERSO TAMBÉM ACABADO E ESTÁVEL; METAMORFOSEIA-SE EM MOVIMENTO INTERNO DA PRÓPRIA EXISTÊNCIA E EXPRIME-SE NA TRANSMUTAÇÃO DE CERTAS FORMAS EM OUTRAS, NO ETERNO INACABAMENTO DA EXISTÊNCIA” (BAKHTIN, 1999, pag. 28).
Na teorização do grotesco, a primeira que Bakhtin escreve é sobre Vasari. Apresenta uma simples descrição e apreciação do grotesco. Condenação do grotesco, a partir da ótica do modelo clássico.
Na segunda metade do século XVII ocorre o “processo de redução, falsificação e empobrecimento das formas dos ritos e Espetáculos Carnavalescos Populares”. Elementos para reforçar esse ponto foram a estatização da vida festiva, festas privadas do cotidiano, transformação do universalismo do carnaval em simples humor festivo.
O Grotesco perde o caráter dos laços com a cultura popular. A literatura se apóia nas tradições literárias do renascimento, apesar de apresentar “novas velhas” características, ousadia da invenção, permissão de elementos heterogêneos, olhar com novos olhos a tradição, possibilidade de uma nova ordem no mundo.
Já no século XVIII, ocorrem mudanças no campo literário e estético. Na Alemanha ocorre a discussão sobre Arlequim. O Personagem aparecia em várias peças teatrais, inclusive nas mais “sérias”. Os classicistas, como Gottsched, pretendiam expulsar Arlequim da cena “séria e decente”. O Trabalho de Moser, em 1761, (“Arlequim ou a defesa do cômico grotesco)”, apesar de pecar no sentido de renegar a importância dos artistas de feira, é a primeira apologia, segundo Bakhtin, da importância do grotesco e explica o riso como uma necessidade de gozo e alegria da alma humana.
Já Flögel, em 1788, escreve a “História dos bufões da corte e História do cômico grotesco”. Por falta de teorização histórica, o crítico literário não estuda as manifestações puramente literárias do realismo grotesco. Limita-se com curiosidades das manifestações do grotesco medieval. Principalmente as festas populares. “Festa dos asnos”, “festa dos loucos”, carnavais. Os dois autores só reconhecem o grotesco medieval baseado no princípio do riso por rir. Não reconhecem o caráter ambivalente do riso em Rabelais.
No grotesco popular podemos pontuar essas características: expressão da visão popular carnavalesca; apoio no povo e na cultura popular; caráter universal e público; riso e o caráter ambivalente, regenerador; aspecto positivo do riso; o terrível apresenta caráter de um tom de bobagem alegre;não há vestígio de medo; preferência pela luz, primavera, aurora; Loucura é uma alegre paródia do espírito oficial, da “verdade oficial”, loucura festiva.
Apesar do romantismo grotesco, do século XIX, não encarar o espírito carnavalesco, em relação ao riso, muito mais ligado ao individualismo, precisa ser encarado como uma reação à lógica formal do século XVIII. Aspectos positivos foram a busca de fontes populares, principalmente o teatro de marionetes e não se limitaram a atribuir ao grotesco apenas um caráter satírico.

4) Cultura erudita e popular na Itália renascentista

As duas culturas foram estudadas em separado, pois várias barreiras excluíram as pessoas comuns da arte e literatura do Renascimento. Existia a barreira da língua, pois grande parte da alta cultura era latina e a maioria da população não estudava latim. A barreira da alfabetização, pois só uma minoria sabia ler e escrever. E, por fim, a barreira econômica que impedia as pessoas comuns de comprarem livros e pinturas.
Contudo, essas barreiras podiam ser superadas. Naquele período quase todas as escolas utilizavam o vernáculo e ensinavam os rudimentos do latim e, em grandes cidades, o acesso às escolas era relativamente fácil, assim como o acesso às obras de arte em lugares públicos.
Na cultura italiana desse período existiam dois tipos de propagação das formas e idéias do Renascimento. Uma da elite para o povo, movimento “de cima para baixo” e outra “de baixo para cima” em que os artistas italianos recorreram à herança cultural popular.

4.1) A popularização do Renascimento

Na Itália dos séculos XVI e XVII, algumas pessoas comuns conheciam parte da tradição clássica. Por exemplo, traduziram-se para o vernáculo as obras de Cícero, Ovídio e Virgílio. Um outro e grande exemplo é a popularização do poema Orlando Furioso de Ariosto. Orlando Furioso é um poema de cavalaria, uma narrativa repleta de elementos fantásticos. O foco central reside na figura de Carlos Magno e a luta entre cristãos e mouros. Desenvolve três ações principais: a narrativa da princesa moura Angélica; a paixão de Orlando por Angélica, que enlouquece por amor; e a história de Ruggero, um herói sarraceno que se cristianiza por amor a Bradamante e o casamento, que dará origem a sua família.
O poema foi escrito por um nobre para nobres. Contudo, suplementos e resumos do poema circulavam em livrinhos de contos e baladas populares no século XVI. Alguns desses textos eram anônimos, mas um foi obra do poeta Giulio Cesare Croce, um famoso mediador entre cultura erudita e popular.
Observadores contemporâneos comentaram o apelo popular de Ariosto. O livro era lido por pessoas comuns: crianças, artesãos, ferreiros, prostitutas. Esse texto moderno era ensinado em algumas escolas.
O diário de Montaigne de sua visita à Itália nos oferece mais provas da penetração de Ariosto na cultura popular. Montaigne conta que encontrou camponeses e pastores que sabiam Ariosto de cor. No século XVII, contadores de histórias profissionais liam e representavam o poema de Ariosto nas ruas e praças da cidade.
Os poemas de Torquato Tasso também penetraram na cultura popular. Seu épico La Gerusalemme Liberata (A Jerusalém Libertada) foi traduzido para vários dialetos. A obra descreve os combates imaginários entre cristãos e muçulmanos no fim da primeira cruzada, durante o cerco a Jerusalém.
Joseph Addison, assim como Rousseau e Goethe observaram o costume das pessoas comuns desse país de entoar stanzas de Tasso. Segundo Peter Burke, as pessoas comuns liam ou ouviam Orlando Furioso e La Gerusalemme Liberata como exemplos de romance de cavalaria, ou, como os chamavam, “livros de batalhas”, cuja disponibilidade era muito grande em forma de livros de cordel, e que eram às vezes usados em escolas elementares para incentivar os meninos a aprenderem a escrever.
No caso das artes visuais, a relação entre erudito e popular é mais complicada, porque a arte “superior” do Renascimento italiano era, em geral, produzida por homens com formação e status de artífices. Eles produziam pintura religiosa sem estudar teologia e cenas da mitologia clássica sem saber ler em latim.
Essas pinturas pertenciam mais ao circuito privado do que ao público. A gravura ofereceu a oportunidade de um público maior ver versões da pintura. A gravura era um grande popularizador. A cerâmica era outro meio de oferecer imagens, pois a matéria-prima era barata. Os pratos e jarros eram muitas vezes decorados com cenas da mitologia clássica e história antiga. Existiam oficinas que produziam imagens. Faziam várias cópias para vender.
Como as pessoas que não eram membros de uma elite cultural percebiam esses objetos? Se interessavam ou não por estilos? Algumas pessoas comuns, artífices e lojistas, não conheciam os nomes dos principais artistas plásticos da sua cidade, mas davam opiniões, muitas vezes críticas sobre certas obras. Em sua obra Vida dos Artistas, Vasari discute reações populares a determinadas obras de arte e artistas. Essa obra é uma das principais fontes de informações da Itália renascentista. Nela Vasari expressa seus conceitos e opiniões artísticas, que pautaram o trabalho de críticos e historiadores de arte que o seguiram.
Um outro testemunho sobre o interesse popular pela estética é o de Antonfrancesco Grazzini, lojista, cujas composições poético-musicais às vezes mencionam obras de arte. Dois desses madrigais comentam em termos críticos a decisão de Vasari de pintar a cúpula da catedral de Florença.

4.2) Inspiração popular no renascimento

Falaremos agora da importância dos elementos “baixos” na “cultura alta”. Um especialista nesse tema é Bakhtin, cuja obra Mundo de Rabelais afirmou que o autor se inspirou na cultura de humor popular, em particular o grotesco e o carnavalesco. Essa obra foi criticada por especialistas do Renascimento. Os críticos salientaram que Rabelais era um homem erudito e sua obra não teria sido totalmente compreendida pelas pessoas comuns.
O contraste ou oposição com que Bakhtin trata a relação entre cultura “alta” e cultura “baixa” representa a oposição entre dois grupos sociais, a elite e o povo. As duas culturas são definidas como a “oficial” e a “não oficial”. Segundo Peter Burke, as elites européias eram “biculturais”. Tinham uma cultura erudita, da qual o povo era excluído, mas participavam da cultura popular.
Na arte havia uma interação entre alta e baixa cultura, com algumas esculturas grotescas e cômicas. Peter Burke dizia que “talvez seja insensato supor que tudo que é cômico é necessariamente popular”, mas vale lembrar que Aristóteles afirmou que a comédia estava ligada a pessoas “inferiores”. Por exemplo, a estátua do escultor Valério Cioli representando o anão apelidado de Morgante foi colocada nos Jardins de Boboli, um lugar de descontração descrito como uma espécie de “casa de diversão”.
Na literatura se destacam os escritores Boccacio, Folengo, Ariosto e Aretino. Boccacio é hoje lembrado pela sua vulgaridade, porém era um homem erudito, um professor universitário que escreveu tratados em latim e fazia palestras sobre Dante. Apesar disso, na sua obra Decameron muitas das histórias foram extraídas da tradição oral popular, ou seja, contos e lendas populares. Decameron é uma coleção de cem contos narrados por sete donzelas e três jovens que fogem de Florença, assolada pela peste.
O monge beneditino Teófilo Folengo também se inspirou na tradição popular para escrever seu poema Baldus. Publicado em 1517, Baldus é um exemplo do grotesco, um romance de cavalaria zombeteiro, narrado em estilo épico gozador. O poema conta a história de um jovem nobre que é criado entre camponeses. Baldus, junto com dois companheiros, um gigante chamado Fracassus e um trapaceiro chamado Cingar, envolve-se em uma série de aventuras cômicas baseadas em tradições populares.
O tema do poema de Folengo é híbrido, ao mesmo tempo cavalheiresco e bucólico. Existe uma invocação as moças rechonchudas do campo. Folengo faz uma síntese autoconsciente das tradições eruditas e populares.
Assim como o Baldus, Orlando Furioso de Ariosto é um romance de cavalaria zombeteiro. O romance de cavalaria foi a princípio um gênero de alto status: histórias sobre nobres, escritas para nobres e, em alguns casos, como o de Ariosto, escrita por nobres. Contudo, esse gênero também fazia parte da cultura popular italiana no século XVI. Adotou a forma de literatura de cordel, e também de apresentações orais por cantadores de contos, que entoavam ou recitavam as histórias na piazza, pedindo dinheiro no final. Ariosto gostava dessas apresentações orais e seu poema deve alguma coisa a elas. Ariosto representa um homem culto que toma de empréstimo e transforma temas populares.
O romance de Jorge Amado, Tereza Batista cansada de guerra (1972), por exemplo, recorre a um livrinho de cordel de Rodolfo Coelho Cavalcanti. O romance conta a história de Tereza Batista, adolescente ainda, que é vendida pelos pais, ficando à mercê do Capitão Justiniano Duarte da Rosa , homem sem escrúpulos , Tereza consegue fugir, depois de matar o capitão. Passa a viver com Emiliano Guedes um amor quase filial. Com a morte deste, Tereza Batista se prostitui, lutando contra a polícia em favor das companheiras. Finalmente cansada de guerra, no dia de seu casamento sem amor, foge com Januário Gereba,o sonho realizado. No seu livro de cordel, Cavalcanti inspirou-se no tema tradicional da donzela guerreira, que remonta aos romances de cavalaria.
Pietro Aretino fez reputação em Roma como um compositor de pasquinadas mordazes, ou seja, sátiras, difamações. A pasquinata era um gênero fronteiriço entre a cultura erudita e popular. O melhor exemplo da mistura de elementos eruditos e populares na obra de Aretino são seus Regionamenti,, diálogos em que uma velha prostituta instrui uma nova sobre as aptidões da profissão. O diálogo oferece uma série de cenas da vida inferior na Roma do início do século XVI, fiel à linguagem coloquial e à gíria daquele meio social. Os diálogos faziam alusão a um texto grego clássico, Diálogos das Cortesãs. Também podem ser lidos como uma paródia aos tratados do Renascimento sobre bons costumes, e ao famoso Livro do cortesão, de Castiglione.
Aretino era filho de artesão e criado no mundo da cultura popular, apreciava bastante os cantadores de rua. Chegou a alta cultura como um forasteiro e rejeitou parte dela com artificial e afetada. Gostava de violar regras. Utilizou a cultura popular para subverter a alta cultura.

5) Unidade e Variedade na História Cultural

História Cultural Clássica e suas críticas

A abordagem Clássica de Huizinga, que se guiou pelo método de Burkhardt, não pode ser tomada como parâmetro para História cultural de hoje. Há pelo menos três pontos que refutam essa teoria Clássica.
O primeiro ponto diz respeito às estruturas. Infra-estrutura econômica e estrutura política e social. O próprio Burkhardt admitiu não dar ênfase a esse aspecto. Com efeito, o estudo da história cultural deve compreender a amplitude das esferas, mesmo sabendo a problemática da totalidade frente ao didatismo da segmentação para se compreender um todo. O segundo é sobre o postulado de consenso cultural no conceito de ZeitGeist, que subentendia o termo hegeliano “espírito do tempo”, para estudiosos como Goimbrich. Sob essa orientação do espírito da época, Burkhardt escreveu sobre “A Cultura do Renascimento na Itália”, e Huizinga aconselhou historiadores a procurarem “a qualidade que une todos os produtos culturais de um período e os torna homogêneos”, no The Task of Cultural, p.76, em 1929.
Arnold Toynbee tomou as idéias de unidade em termos literais quando organizou seu comparativo Study of History (1934-61), que homogeneizou 26 “civilizações” distintas. Edward Thompson faz crítica a esse modelo que “desvia a atenção das condições sociais e culturais” heterogêneas.
O terceiro é sobre a crítica de Ernst Gombrich aos marxistas, sob o que ele chamou de suposição hegeliana de um “espírito do tempo”. Como pensar homogeneidade cultural se o renascimento ocorreu na cultural de elite, e não é provável que tenha sensibilizado a maioria. Mesmo na elite, havia nessa época divisões culturais. Arte gótica tradicional – atraia mais patronos. Arte ricamente detalhada e decorativa de Gentili da Fabriano, que expressava a visão do mundo da nobreza feudal e enquanto a mais simples e realista de Masaccio manifesta a da burguesia florentina.


BIBLIOGRAFIA

BAKHTIN, Maikhail. A cultura popular na Idade Média e no renascimento. Tradução de Yara Frateschi. 4 ed. São Paulo, 1999, Editora da Universidade de Brasília.

BURCKHARDT, J. A cultura do renascimento na Itália. Tradução de Sérgio Tellaroli. São Paulo: Companhia das Letras

BURKE, Peter. Variedades da história cultural. Tradução de Alda Porto. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.

CHARTIER, R. As práticas da escrita. In: História da Vida Privada. Vol 3: da Renascença ao século das Luzes. São Paulo: Schwares, 1991.

DUBY,G. Idade Média, idade dos homens (do amor e outros ensaios). São Paulo: Schwarcz, 1998.

ESTEVAM, Carlos. A questão da cultura popular. Rio de Janeiro: GB, 1963.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LCT, 1989.

GINZBURG, C. O queijo e os vermes. Tradução de Maria Betânia Amoroso. São Paulo: Companhia das Letras.

SILVA, E.R. Corpo em transformação: Entre o grotesco e o mimético. Cadernos do JIPE-CIT, Salvador, v.7, p.41-54, 1998.

THOMPSON, P. A voz do passado: história oral. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992.

terça-feira, fevereiro 13, 2007

Tradições

A cada ano novas tradições são acrescidas, uma vez que as culturas, a vida social é dinâmica e criadora. Ainda não tem três décadas uma cerimônia realizada na segunda feira de carnaval, no Pátio do Terço, na cidade do Recife. Ali deu-se o início de parar, um momento, um tempo, os tambores dos maracatus de baque virado, no intuito de lembrar os antepassados. O que iniciou sendo uma pequena cerimônia veio a se tornar uma importante atração do carnaval do Recife. Para lá, na noite da segunda feira, Maractus e Afoxés se dirigem, sobem em um palco e louvam os nossos pais negros, que morreram enquanto construiam o Brasil.
Nos últimos três anos, essa tradição tem crescido na vizinha cidade de Olinda. Alí, no pátio da Igreja de Nossa Senhora doRosário dos Homens Pretos de Olinda, na segunda feira que antecede o carnaval, Maractús se encontram para, liderados pelo Mestre Afonso do Maracatu Leão Coroado, louvar os antepassados e pedir proteção para os carnavalescos. A Noite dos Tambores Silenciosos de Olinda, em seu terceiro ano, já está parte do carnaval e das preocupaçõs das comunidades de ascendência africana.
No caso de Olinda, os maracatús se concentram no Quatro Cantos, próximo à Ribeira, onde uma tradição não comprovada historicamente, diz ter havido um mercado de escravos. Desde o Quatro Cantos, os maracatús desfilam pela rua do Amparo, passam em frente à Igreja de Nossa Senhroa do Amparo, dirgem-se ao Bom Sucesso, onde está a Igreja do Rosário dos Pretos. Alí funciona desde o período colonial, a Irmandade dos Homens Pretos, ainda hoje responsável pela manutenção do templo. Recentemente, a Irmandade passou a ser considerada Patrimônio Imaterial da Cultura olindense. Essas tradições se combinam para manter e recriar nosso passado e nosso futuro.

domingo, fevereiro 11, 2007

As Virgens do Bairro Novo e as outras de esperança

Neste domingo acontece, aqui em Olinda, o desfile de um bloco que começou como uma brincadeira de rapazes moradores do Bairro Novo. Vestiram-se de moças e saíram para as ruas gritando a sua alegria de serem as Virgens do Bairro Novo. Havia uma série de exigências para participar do desfile: ser morador do bairro e, principalmente, não ser homosexual. As namoradas acompanhavam os preparativos, influenciando na escolha das peças a serem utilizadas.
Quando vim morar em Olinda, 1976, essa era uma bincadeira pequena, mas que chamava atenção dos moradores do lugar. Aquele era um tempo em que, após os desfiles ocorridos no sábado e domingo de carnaval na parte velha de Olinda, Pintombeiras, Elefantes, Marim dos Caetés, Preto Velho e outras agremiações carnavalescas, vinham desfilar na Avenida Getúlio Vargas. Se hoje esta avenida é princpal corredor comercial e bancário de Olinda, naquele período ainda era principalmente uma área residencial, o que tornava o desfile algo esperado pelos moradores, que colocavam as cadeiras e mesas nas calçadas de casas e edifícios, animando a rua. Lembro que, em um desses carnavais, meu filho, então com cinco anos, não permitiu que eu me fantasiasse e fosse á rua. Tudo era brioncadeira familiar.
A cobertura que a Globo fazia, sempre com o Francisco José,que ao chegar era aclamado pelos foliões e admiradores, foi chamando atenção e o desfile foi perdendo a sua caracaterística inicial e se tornando um espetáculo, vindo a tornar-se um dos maiores momentos do carnaval de Olinda, com os mais diversos patrocinadores.
O Desfile das Virgens do Bairro Novo marcava o início do carnaval olindense, com uma semana de antecedência. As Virgens chegavam antes de Zé Pereira. Assim, o Bairro Novo abria e fechava o carnaval de Olinda, pois à noite, no Olinda Praia Clube, os foliões da classe média lotavam aquele espaço. Houve um ano em que, para se verificar qual o carnaval de clube mais animado, se o do Recife, se o de Olinda, Olinda Praia Clube e o Clube Náutico Capibaribe, levaram os seus bailes até o início da noite da Quarta Feira de Cinzas. Esse afã de não chegar à "quarta feira ingrata" fez nascer alguns blocos como o Segura a Coisa, Guarda Noturno, que pretendiam tornar ingrata, não a quarta, mas a quinta feira.
Mas tudo isso é para lembrar que todos vestimos fantasias ao logo do ano, e somos todos papangús. Uma das máscaras favoritas do atual presidente da república é a de candidato. ainda ointem ele esbravejava contra a violência que existe no país, exigindo soluções para esse problema. Ele espera que algguém que tenha responsabilidade sobre o assunto tome decisões.
Eu costumo sair fantasiado, no carnaval, de mim mesmo, um professor com cara de palhaço, sem máscaras, apenas o cansaço, a alegria e a esperança.

quinta-feira, fevereiro 08, 2007

muitas origens

Estamos vivendo a proximidade do carnaval, um acontecimento que expõe a complexa realização que é o povo brasileiro. Nesse período, de maior descontração, de maior liberdade em relação a certos hábitos cotidianos, as casas e as ruas se confundem, com uma vantagem para as ruas.
Uma das razões dessa vitória é que as ruas ficam mais movimentadas, um maior número de pessoas saem das casas para viver mais intensamente a beleza de estar fora das paredes que cerceiam os movimentos e inibem os olhares.
As ruas ficam mais visitadas por gente de países e regiões de etnias mais definidas, de hábitos mais singularizados, onde misturas não puderam ser realizadas na formação dos povos e dos Estados. Essas pessoas querem saber e entender, como é não ser tão cartesianamente alguma coisa. Povos europeus - e não apenas europeus - que foram construídos estabelecendo fronteiras físicas, mentais e espirituais estão desejosos de saber - e de sentir o sabor - como é possível uma mesma pessoa participar de tantas manifestações, festas, de origens tão diversas e, ao mesmo tempo, não estar fora de seu lugar. Como é possível ser um sendo tantos - como disse Venícius de Moraes a respeito do Maestro Milton Santos, um pernambucano que orquestrou a Bossa Nova, nas margens de Ipanema, fez frevos e orquestrou para cantores norteamericanos.
O carnaval é uma demonstração de que não somos múltiplos, mas somos tudo, pois somos misturados. Uma mistura que pode ter ocorrido sem a intenção de ocorrer. Darcy Ribeiro brincou certa vez dizendo que o Brasil não foi descoberto por acaso, mas se formou por acaso. Os europeus quiseram chegar neste território, mas não parece que tivesem querido fazer nacer um povo.
Não gosto da expressão "carnaval multicultural", ela coloca as culturas em paralelos, justapostas e, ao fazer isso, pode criar aversão aos "estrangeiros". Não é muticultura, mas uma cultura de múltiplas origens.

quarta-feira, fevereiro 07, 2007

Quanto mais facilitado melhor para quem domina

Olho dois mapas do Brasil, eles apontam os resultados do Enem 2006, realizados por alunos que terminaram o ensino médio. Esses mapas dizem que as melhores notas estão com os alunos do Sudeste, Sul, Centro Oeste, Nordeste e Norte, na seqüência do 1o. ao 5o. colocado.
Não há grande novidade nisso, exceto o fato de que, em nenhuma região, a média das escolas públicas chegou a 40% de acertos e, apenas na região Sudeste, os alunos das escolas particulares ultrapassaram 52% de acertos.
Em uma prova para valer, todos esses estudantes estariam reprovados. Mas, o mesmo tem ocorrido nos exames que a Ordem dos Advogados realiza, com o os egressos das universidades, para que eles possam exercer a profissão. Nesses últimos exames, mais 70% dos candidatos a exercer a advocacia foramreprovados. Com esses números a gente já devia estar pensando de que há alguma coisa errada no sistema escolar brasileiro.
Podem ser muitas, e são muitas, as causas dessa situação vexatória, reconhecida pelo próprio governo que admite conceder bolsa do Prouni para os estudantes que alcancem média superior a 455 por cento de acertos. Ou seja, se você souber menos da metade do deveria saber já está apto para ser universitário, lutar por um diploma. Aliás é fácil pois há uma cooperação com a mediocridade. Se exige um pouco mais - cerca de 80% de acertos nas provas para motorista. Com menor número de exigência, teremos mais gente formada. Isso garante dinheiro para muita gente e, sem dúvida garante a permanência da dominação sobre os que se alegram com poucas exigências. Houove um tempo que os professores eram chamados a exigir mais dos alunos, hoje, em alguns estabelecimentos ditos de ensino, os professores que exigem mais dos alunos podem ser chamados à direção para irem procurar outro emprego. Professores exigentes são odiados.

terça-feira, fevereiro 06, 2007

A mudança dos costumes na Idade Moderna como desenvolvimento da civilização

Dando continuidade ao nosso objetiivo de tornar acessível a todoso os nossos alunos a produção de seus colegas, hoje temos o trabalho escrito por Artur Bulhões., Debora Claro, Tássia Brandão, alunos da disciplina História Moderna I, IV período de História
com o título A MUDANÇA DOS COSTUMES NA IDADE MODERNA COMO DESENVOLVIMENTO DA CIVILIZAÇÃO.














_______________________________________________Sumário


Introdução 2
Os usos da civilidade 3
Sobre o autor e sobre a obra 8
Norbert Elias no contexto das contribuições à História Cultural 8
Dos costumes 13
O comportamento social dentro do quarto 13
Do hábito de assoar-se em público 15
O comportamento a mesa 17
Reflexões Finais 20
Bibliografia 21






















_____________________________________________________Introdução

Esse texto procura realizar um breve estudo sobre a civilidade e a mudança de seus costumes da transição do medievo a modernidade, através da reunião de vários autores que escreveram sobre o referido tema. Para demonstrar como ocorreu essa transição de costumes durante o renascimento o texto começa abordando a idéia renascentista de civilidade e a produção de textos para esse reconhecimento de códigos de conduta, entre eles destaca-se A Civilidade Pueril de Erasmo de Roterdam.
Em um segundo momento, do texto salienta uma pequena visão historiográfica referente à concepção de moderno e sua trajetória nos conceitos de civilização e civilidade. Norbert Elias estrutura o enredo do seu livro O Processo Civilizador traçando uma trajetória entre os conceitos de cultura e civilização incluindo exemplos de como se concebeu o que observamos na sociedade atual.
Através do estudo da transformação dos comportamentos humanos no quarto de dormir, trejeitos à mesa e o uso do lenço de assoar o nariz, procuramos demonstrar a trajetória da civilidade do mundo moderno e assim discutir as relações sociais entre os indivíduos e os sistemas de classificação destes na sociedade.



_____________________________________________Os usos da civilidade

“... nos movimentos do corpo e do rosto, na postura e na veste encontram-se os elementos de uma caracterização psicológica e de uma taxonomia social. Nesses signos falantes baseia-se um léxico reconhecimento”.[1]

A exposição do corpo passa a ser compreendida como um código de linguagem propriamente dito com as mudanças sócio-econômicas ocorridas no continente europeu a partir do século XIII. Essas mudanças no modus operandi, do que se caracteriza de sociedade medieval, iriam desembocar no renascimento, que representou um movimento de retorno as aspirações humanas, porém ainda inseridas num contexto fortemente religioso.
A época do humanismo viu a concretização de dois aspectos aparentemente opostos da civilização ocidental: a afirmação das individualidades nacionais e a intensificação das trocas entre países[2]. Essas mudanças influenciaram as identidades individuais de maneira que determinados nichos da sociedade procuraram se reconhecer em códigos de comportamento, com isso em meados do século XIII surgiu os primeiros manuais de etiqueta para a nobreza cortesã.
Esses manuais se concentravam em regras para o convívio público entre os nobres, como, por exemplo, de que maneira uma condessa deveria agir quando fosse visitar uma criança que acabara de nascer de um outro nobre de um título acima do seu. Outras regras eram ligadas a como os príncipes deveriam se portar diante das cortes. Com o movimento renascentista essas regras de comportamento foram estendidas a uma parcela maior da população, e assim começou o movimento de privatização do indivíduo.
Esses fatores levam a uma reorganização em profundidade das formas de experiência social, que no caso foi do século XII ao XVI. A quebra entre o público e o privado e a transformação para o surgimento da sociedade dos comportamentos tem no livreto A Civilidade Pueril de Erasmo de Roterdam, seu ícone máximo desse gênero literário. Tal manual influenciou um período compreende desde o século XVI a meados do XIX. Quando foi lançado em 1530, A Civilidade Pueril tinha o intuito de ser apenas mais um manual de regras de comportamento em público dirigida a um jovem herdeiro da família que abrigava e protegia Roterdam na Basiléia.
Contudo este livreto é bastante inovador em sua construção e no seu público, é pontualmente a primeira vez que um texto de instrução comportamental é direcionado a crianças (já que pelo conceito medieval as crianças eram apenas homens diminutos) e de todas as classes sociais, talvez por isso tenha sido um grande sucesso editorial da época, já que em apenas 100 anos do seu lançamento o livreto tenha sido traduzido para 15 línguas, o que também se deve o fato da um maior número de impressão de livros, conseqüência da técnica de tipos móveis levada e aperfeiçoada por Gutemberg, na região da atual Alemanha.
O que motivou Erasmo a escrever este manual, seria demonstrar que através da linguagem corporal o indivíduo, seja um adulto ou uma criança, projeta para fora de si mesmo seus conceitos mais íntimos e desta forma ficam expostos a sanção ou a aceitação de um determinado grupo. E estas regras seriam supra necessárias para um saudável convívio na sociedade e, assim seria possível manter devidamente a ordem de uma população que passava paulatinamente a conviver mais condensada pelos espaços da cidade, já que diferentemente do medievo a vida moderna é de característica em essencial urbana.
“Até então, erigiam-se em normas práticas particulares , adequadas a grupos ou meios restritos. Erasmo, ao contrário, quer fundamentar numa aprendizagem gestual comum uma transparência social na qual vê a precondição necessária à concretização de uma sociabilidade generalizada.(...) A verdadeira civilidade consiste em livrar-se de todos os idiotismos e reivindicar somente expressões corporais que são reconhecíveis e aceitáveis para o maior número. Pois seu único objetivo é unir mais os homens.”[3]
Erasmo não pretendia criar um código de comportamento, mas sim uma linguagem que tornasse possível a convivência de todos, e esta linguagem, sendo inserida prioritariamente na vida das crianças, traria sucesso nas relações entre adultos. Assim estaria sendo criado um ciclo de aprendizagem onde não seria mais necessário o uso do manual, pois as crianças aprendiam por observação e imitação do que era apresentado pelo adultos, esta concepção representa um espécie de marco no tratamento relegado ao pueris.
As crianças pós Erasmo passaram a ir a escola e não mais a serem educadas exclusivamente no foro familiar, esta inovação educacional deve a leitura dos protestantes sobre A Civilidade Pueril, que numa visão reformadora passaria a representar não mais um livreto com regras de etiqueta mais sim um verdadeiro manual pedagógico onde a formação da criança passaria a ser fundamental para a sociedade ter homens de bem.
Como é no corpo que mora o espírito santo, tanto para católicos como para os protestantes, a necessidade de se controlar os instintos através do controle do corpo se tornou crescente. Porém essa não era a única razão para a crescente utilização das regras de civilidade, mas sim ao ligar o código de comportamento a determinados vínculos sociais de uma aprendizagem generalizada aumentou-se o abismo que até então não era tão aparente entre ricos e pobres.
A civilidade passou a ser um comercio social, onde o individuo fazia de sua linguagem corporal um código a ser reconhecido e assim ser inserido num determinado contexto de relações sociais. As mudanças econômicas deste período aumentaram ainda mais os abismos dos estratos sociais. Apesar de certa mobilidade que não existia no período medieval a Idade Moderna separou de maneira muito mais visual a diferença entre quem se encontrava nesse novo mundo e entre quem vislumbrava apenas fazer suas refeições corretamente.
“O luxo do vestuário é contagioso e, com ele, a nobreza atraiu a si todos que, de um ou de outro modo, podiam esperar vir um dia a entrar nessa camada superior da sociedade. Os burgueses envergonhavam-se de ser burgueses e fingiam nobres enquanto esperavam por sê-lo. (...) Estava a formar-se no seio das corporações uma noção de aristocracia: testemunho suplementar sobre a tendência geral da época para separar com nitidez o mundo dos ricos -fidalgos e eventuais candidatos à fidalguia- do mundo dos trabalhadores manuais.”[4]
Na França, em 1703, um irmão de caridade, Jean-Baptiste de la Salle, fez mais uma das inúmeras releituras da Civilidade Pueril, chamada: Regras do decoro e da civilidade cristã. Neste livro, La Salle, retornou ao ideal de Erasmo em relação ao ideal das crianças fora do círculo de riqueza estabelecido, porém sugeriu a criação de uma certa rede de policiamento de gestos que limitaria a espontaneidade, algo literalmente fora da moda entre as elites nesse período. Esta rede que ligava a fé, a moral e a educação, que para alguns era a verdadeira civilidade, foram se transmutando em um comercio social de claros privilégios aristocráticos que visavam na verdade reafirmar a posição social de alguns e sua diferença para a maioria da sociedade.
Montaigne no século XVI já criticava esse engessamento gestual, e defendia uma liberdade de ação da linguagem do corpo para que, ao contrário do que se pregava, as pessoas pudessem se reconhecer melhor no convívio social. Ele entendia que seria impossível aplacar os códigos cognitivos transmitidos pelo corpo, pois muitos deles demonstravam o nosso íntimo sem ao menos ter sido voluntário como no caso as lágrimas.
As regras de civilidade se impuseram como uma forma que limitam, ou mesmo negam, a vida privada e o individuo social; este passa a ser somente uma peça do conjunto onde todos visam uma representação de sinais que não apenas não lhe são próprios mais apropriados de uma realidade que não é a dele, transformando primeiro suas atitudes em gestos íntimos e posteriormente em inconfessáveis.
A Civilidade Pueril tornou-se, com seus desdobramentos ao longo de quase três séculos, o retrato dessa concepção moderna de convivência social entre e para os indivíduos, onde o interno é proibido e as formas de identificação e controle são feitas com o intuito de criar nichos num verdadeiro teatro de ações. Já não mais as regras são somente ligadas a uma gestão pessoal como anteriormente, mas tornam-se fruto de uma prioridade coletiva para a diferenciação do que é a elite nos novos tempos.
Esse controle social, através do uso da civilidade, sofreu seu primeiro choque ideológico e sua primeira perda da razão de ser com o movimento iluminista. O ataque ao modus vivendi da elite na corte trouxe para a realidade a indagação de qual a verdadeira necessidade de se comportar com tantas regras e pouca liberdade? Os iluministas, para atrair o apoio popular, ou seja, das pessoas que não participavam dessas verdadeiras encenações, e questionavam a legitimidade dessa diferenciação, pois era o povo que sustentava toda essa estrutura que tornava a elite como tal.
Dentro desse contexto, Rousseau propõe uma retomada da vida em foro familiar, principalmente das crianças que deveriam a ser educadas por um tutor em suas próprias casas, de modo que assimilassem as atitudes oriundas de seus pais. Rousseau entendia que apenas dessa forma seria possível expurgar da sociedade a pompa causada pelo excessivo e desnecessário uso das civilidades e dessa forma tornar a sociedade mais igualitária e verdadeira: é com esta concepção que Rousseau fundamenta sua teoria do Bom Selvagem.
Depois do grande choque que essas teorias causaram na sociedade moderna, o homem, esse fator transformador, foi relegando, aos poucos, essas regras de comportamento, de tal forma que elas foram praticamente extintas. Mas há quem diga como Norbert Elias que continuamos inseridos na mesma situação de controle social experimentada pelo homem dos tempos modernos.

“...o projeto de um sistema de reconhecimento que deveria permitir a construção de uma sociabilidade regulamentada já não evoca senão normas autoritárias e uma comédia de aparências à qual as pessoas humildes ainda têm a fraqueza de conceder algum crédito. Antes que novos códigos de comportamentos coletivos se imponham, a civilidade faz um triste papel face ao triunfo do indivíduo e de sua irredutível espontaneidade.[5]


_____________________________________________Sobre o autor e sobre a obra

§ Norbert Elias no contexto das contribuições à História Cultural
Para abordarmos o tema da mudança dos costumes na modernidade, recorremos à obra de um grande sociólogo alemão o qual deixou uma grande contribuição à chamada História Cultural. O livro O Processo Civilizador pode ser inserido dentre várias obras que integram uma tradição historiográfica que se inicia na Alemanha, nas últimas duas décadas do século XVIII. A partir de agora, procuraremos contextualizar a figura de Norbert Elias nessa tradição.
Peter Burke, no livro O que é História Cultural, mostra que as primeiras histórias da cultura humana ou de determinadas regiões aparecem na região da atual Alemanha, a partir de 1780. A kulturgeschichte, a história cultural tem berço alemão e se desenvolve mais fortemente durante o século XIX. Isso pode ser explicado pelo largo emprego do conceito de kultur (cultura) em detrimento de Zivilisation (civilização), mais aceito e difundido na França e na Inglaterra (civilisation e civilization, respectivamente).Esses empregos de vocabulário possuem significados mais amplos e a diferença conceitual entre o mundo germânico e a França permite entender o pioneirismo alemão na História Cultural.
Segundo Fernand Braudel, em sua Gramática das Civilizações, a palavra “civilização” surge na França, no século XVIII, criada a partir das já existentes, desde o século XVI, “civilizado” e “civilizar”. Até 1732, era um termo de jurisprudência e significava um ato que torna civil um processo criminal. Vinte anos depois, ganha um sentido moderno de “passagem ao estado civilizado”, ao ser empregada por Turgot. A primeira aparição em texto impresso ocorre em 1756, quando Mirabeau publica o Traité de la population. Braudel ainda acrescenta que Voltaire esboçara a primeira História Geral da Civilização, mas não empregara o termo, um neologismo até então.
A partir desse momento, o vocábulo civilização passa a significar uma oposição à idéia de barbárie. Traça-se um contraste entre o civilizado e o bárbaro, primitivo, selvagem. O novo emprego de “civilização” surge, segundo Braudel, da necessidade de um substantivo que remetesse à polidez, ao polido, ao civil, ao civilizado.
Na segunda metade do século XVIII, a palavra “civilização” percorre a Europa e, por volta de 1772, está na Inglaterra sob a forma “civility”. Na Alemanha, o vocábulo é “zivilisation”, possuidor enquanto conceito de valor menor em relação a “kultur”.
A distinção entre cultura e civilização começa a ser traçada a partir do fim do século XVIII e o processo se alastra pelo século XIX. Civilização passa a compreender valores morais e materiais e Marx organiza “civilização” e “cultura” no sistema das estruturas e das superestruturas.
Na Alemanha, na Polônia e na Rússia, fica existindo um primado da cultura que abarca o espírito, os ideais, valores morais e princípios normativos enquanto o conceito de civilização possui um valor menor: compreende um conjunto de técnicas e práticas. Já na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos o primado é da “civilização” e a palavra cultura só conserva sua força quando se trata de designar qualquer forma pessoal da vida do espírito[6]. Nesses últimos países o conceito de civilização tem uma dimensão coletiva, reflexo de nações de unificação política mais antiga e que se expandiram colonialmente.
Ainda no século XIX, a antropologia anglo-saxônica procurava por uma palavra diferente de civilização para as sociedades primitivas, que ainda precisavam passar por um “processo civilizador”. Dessa busca, resulta um contraste entre culturas primitivas e civilização moderna.
Enquanto isso, por volta de 1850, na Alemanha, o adjetivo “cultural” passa a compreender o conjunto do conteúdo abrangido simultaneamente por civilização e cultura. A civilização é entendida como um conjunto de bens culturais, o território é uma área cultural e a história cultural, uma história dos empréstimos ou transferências culturais e espirituais.
Outra mudança nesses conceitos que acontece durante o século XIX é o emprego da palavra “civilização” no plural, a partir de 1819, segundo Braudel. O termo ganha um novo sentido: conjunto das características que a vida coletiva de um grupo ou de uma época apresenta. O plural vai possuir uma prevalência no século XX e as inquietações do conflito mundial trazem uma dificuldade na definição do que é civilização. Para o baluarte da Escola dos Anales, “o emprego do plural corresponde ao desaparecimento de certo conceito, a supressão progressiva da idéia peculiar ao século XVIII de uma civilização confundindo com o progresso em si”[7]. No século XX, não se pode definir a melhor das civilizações, o singular perde o brilho que lhe era particular no século XVIII e a civilização passa a ser um bem compartilhado igualmente pressupondo bens coletivos. A civilização é entendida como algo unificador e o seu passado será uma história dos empréstimos, mantendo particularismo e originalidades.
Sobre o conceito de civilização, Norbert Elias pensa que “com essa palavra, a sociedade ocidental procura descrever o que lhe constitui o caráter especial e aquilo de que se orgulha: o nível de sua tecnologia, a natureza de sua maneira, o desenvolvimento de sua cultura científica ou visão de mundo, e muito mais”[8]. Fica visível uma idéia de civilização como palavra que descreve o orgulho de uma sociedade, mas que tal idéia apresentava uma variabilidade entre as nações ocidentais: os franceses a utilizavam para exprimir o orgulho de sua importância para o progresso da humanidade, os alemães lhe atribuíam um valor secundário, comparado ao da cultura.
A distinção entre os dois empregos conceituais (alemão e francês) era a de que “o conceito francês pode se referir a fatos políticos ou econômicos, religiosos ou técnicos, morais ou sociais. O conceito alemão de kultur alude basicamente a fatos intelectuais artísticos e religiosos e apresenta a tendência de traçar uma nítida linha divisória entre fatos deste tipo, por um lado, e fatos políticos econômicos e sociais, por outro.”[9] Portanto, o conceito francês de civilização remete a realizações, atitudes, comportamentos particulares. Para os alemães, o comportamento particular possuía valor secundário frente às realizações intelectuais e artísticas, contemplados pelo conceito de cultura.
A civilização descrevia um processo ou seu resultado, um movimento constante para a frente, buscando minimizar as diferenças nacionais, enfatizando valores universais como é característico do Iluminismo. No conceito de cultura, as obras se expressam na individualidade de um povo, dando ênfase às diferença nacionais e à identidade particular de grupos. A predominância dessa idéia no mundo germânico é o puro reflexo de uma unificação tardia e permanente necessidade de questionar a própria identidade questionar o que é de fato alemão. É nesse sentido que podemos compreender os exemplos de Goethe e Herder e sua empreitada de iniciar nas universidades um movimento de afirmação da identidade alemã através da língua. É fato também que, exagerando essa postura, Herder deixou a trágica herança do nacionalismo étnico.
Elias coloca que as noções acima debatidas nascem de ocasiões históricas e em atmosferas emocionais e tradicionais que acabam se enraizando chegando a uma espécie de naturalização do conceito.
Sobre a antítese entre os conceitos de cultura e civilização no mundo alemão, Elias menciona uma nova vida do conceito de cultura após a I Guerra Mundial. Esse fato é reflexo do ressurgimento do debate sobre a identidade após a derrota alemã e das críticas feitas ao evolucionismo e ao progressismo, enfim, dos valores modernos, com destaque para a figura de Nietzsche. Esse desencanto com a idéia de progresso é também a tônica do movimento estruturalista e, posteriormente, do pós-estruturalismo.
A nova vida do conceito de cultura também decorre da idéia de que a imagem criada em torno do conflito mundial ter sido uma guerra contra a Alemanha em nome da civilização, defendida pelas nações aliadas. Para Norbert Elias, o antagonismo entre essas idéias no início do século XX revive uma antítese que remonta ao século XVIII. Trata-se de uma antítese dentro da própria Alemanha: a polêmica entre uma nobreza cortesã, versada em francês e que se diz “civilizada”, diferenciada por um comportamento peculiar; e uma intelligentsia de classe média, que fala alemão e é legitimada por realizações culturais, científicas ou artísticas.
O que se pretendeu até aqui foi observar que as condições históricas imprimiam aos alemães uma hegemonia do conceito de cultura e essa prevalência é um elemento decisivo para o seu pioneirismo na História Cultural. Também foi observada a maneira como Norbert Elias concebia esse debate.
Retornando à trajetória da História da Cultura, Peter Burke a divide em quatro fases:
· História Cultural Clássica (1800-1950)
· História social da arte (anos 30)
· História da Cultura Popular (anos 60)
· Nova História Cultural
Iremos nos restringir aqui à primeira fase e à contribuição dos sociólogos ao estudo da história cultural, até publicação da obra de Norbert Elias O processo civilizador, em 1939.
A fase chamada clássica por Burke, abrange as contribuições de Jacob Burckhardt e Johan Huizinga. O primeiro publicou, em 1860, A cultura do Renascimento na Itália abordando temas como o individualismo, a competitividade, a autoconsciência e modernidade na arte, literatura, filosofia e política da Itália renascentista. Huizinga publicou, 1919, Outono da Idade Média discutindo valores dos ideais de vida, visões da Idade de Ouro e o culto ao cavalheirismo.
Segundo Burke, aquelas eram obras que buscavam pintar o retrato de uma época e concentravam-se em obras de arte, literatura, filosofia e ciência. Eram obras que permitiam entender certas outras, contextualizando-as. Os historiadores culturais de então se preocupavam em fazer conexões entre as diversas artes, e suas interpretações de obras-primas possibilitou uma ampliação da hermenêutica.
No início do século XX, significativas contribuições ao estudo da História Cultural são devidas a esforços de intelectuais que não eram historiadores. Entre essas contribuições estão a de Max Weber e a Norbert Elias.
Weber publicou, em 1904, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, estudo no qual propunha uma análise das raízes culturais do que chamou de “sistema econômico dominante na Europa Ocidental e na América”. Era uma tentativa de apresentar uma explicação cultural para a mudança econômica, observando o papel do ethos protestante na acumulação de capital.
A geração seguinte trouxe o trabalho de outro sociólogo alemão. Norbert Elias escreveria O processo civilizador em 1939, obra essa que era essencialmente uma história cultural. Ele utilizou o livro Mal Estar na civilização de Freud (1930) o qual argumenta que a cultura exige sacrifícios do indivíduo nas esferas do sexo e da agressividade. Apoiou-se também na obra de Huizinga para estudar a mente violenta e apaixonada da Idade Média.
Em seu estudo, vai focar a história dos modos à mesa, a fim de montar o desenvolvimento gradual do autocontrole ou do controle sobre as emoções nas cortes da Europa Ocidental. Elias tece uma ligação entre as pressões sociais do autocontrole, nos séculos XVII e XVIII, e a centralização do Estado e a submissão ou domesticação de uma nobreza guerreira[10]. A obra de Elias é um dos primeiros estudos sobre minúcias e uma importante contribuição para o estudo da chamada “cultura do autocontrole”.
Elias demonstra sua ciência do debate entre cultura e civilização quando afirma que vai escrever sobre civilização e não cultura, sobre a superficialidade e não a profundeza, e se propõe a contar a história do garfo e da faca e não a do espírito humano.
A partir de agora, observaremos como Norbert Elias trata certas mudanças no comportamento em seu livro O processo civilizador.

___________________________________________________Dos costumes

§ O comportamento social dentro do quarto
Elias analisa a história dos costumes europeus, mais precisamente em alemães e franceses, concentrando-se nas mudanças das regras sociais e no modo como o indivíduo as percebia, modificando comportamentos e sentimentos. Norbert Elias buscou informações em livros de etiquetas e boas maneiras, desde o século XIII até o presente, para mostrar que nossos hábitos se colocam em um determinado estágio de uma evolução milenar. O autor prova que desde a Idade Média, em que o controle das pulsões era bastante reduzido, até os nossos dias, as classes dirigentes foram lentamente modeladas pela vida social, e a espontaneidade deu lugar à regra e à repressão na vida privada.
Comportamentos realizados no quarto de dormir sofreram constantes mudanças durante o tempo da transição da Idade Média para a Modernidade devido modificações na moralidade social das diversas épocas. Durante o século XV, no período de 1463 a 1483, era comum a chegada de visitantes com a finalidade de se hospedarem nas residências de seus subordinados. No entanto a cama neste período era algo raro, logo era conveniente ao dono da casa que esperasse o superior ir deitar primeiro e que o deixasse a vontade para escolher o lado da cama do seu agrado. E sem muitas demoras desejasse ao seu superior boa noite, já que lugar de conversas é na sala.
Neste primeiro período estudado pela etiqueta ainda medieval percebe-se o respeito e a consideração devida, principalmente, aos superiores. No entanto, ainda não havia um sentimento de vergonha diante de um estranho ao circulo familiar. O comedimento exigido dos homens era, de certa forma, diferente dos posteriores mencionados por Erasmo, por exemplo, que seriam voltados para o decoro pessoal voltado não ao respeito ao outro, mas as exigências morais e ao respeito pessoal.
Em 1530, Erasmo recomenda que, na presença de outro, no quarto de dormir, o ato de despir seja de extremo decoro para a outra pessoa, impedindo-a de ver aquilo que a moralidade requer que seja ocultada. Ao dividir a cama com um companheiro é necessário deitar-se levemente, não mexer demasiadamente o corpo para não incomodar ou descobrir o outro, e ao levantar ser discreto para não acorda-lo. Embora em 1530 os conselhos de como agir no quarto sejam parecidos com os de 1555, Pierre Broë é mais incisivo quando propõem que “ao dividir uma cama com outro homem, fique imóvel.”11
Com o decorrer do tempo há certa facilitação para a obtenção da cama; ela passa a ser mais acessível, logo a moralidade e os costumes se moldam à nova realidade. Em 1729, La Salle orienta que eticamente não é aconselhável despir-se e nem ir para cama com qualquer outra pessoa, principalmente pessoas de outro sexo, a não ser que sejam casados. É permitido que duas crianças ainda de sexos diferentes passem a noite na mesma cama se forem ainda muito pequenas.
Ainda em 1729, se por força maior for necessário dividir uma cama entre pessoas do mesmo sexo é essencial que não fiquem perto, evitando o toque entre as pernas, perturbando o sono alheio. E assim como no período de 1463 a 1483 ainda se considerava desagradável a conversa e a prosa dentro do quarto.
Era desconfortável, também no mesmo período, deixar exposto para outras pessoas objetos utilizados durante o sono, como por exemplo, a touca de dormir. Era incomum, principalmente para as mulheres, ir para casa com a roupa de uso diário, pois outras pessoas suspeitariam de que ela tivesse algum defeito físico. Uma camisola especial, posteriormente, passou a ser adotada, espalhando-se de forma gradual pela Europa, sendo assim um símbolo de mudança aumentada pela sensibilidade com tudo àquilo que entrava em contato com o corpo. De um modo, geral, as pessoas leigas dormiam nuas, no entanto nas ordens religiosas, inteiramente vestidas de acordo com as regras.
Em La Salle continua, em 1774, advertindo que duas pessoas de sexo diferentes durmam num mesmo quarto. E se caso for inevitável, é necessário a separação das camas, para não ocorrer falta de pudor. Caso seja obrigado a dividir a cama com uma pessoa do mesmo sexo, o que nesse período segundo o autor raramente acontece, devesse manter um rigoroso recato. Ao amanhecer, como nos outros períodos é de extrema educação levantar sem incomodar o que ainda dorme. E tendo dormido o suficiente é essencial que se retire da cama, caso contrário representará indolência e frivolidade, segundo o autor.
O cômodo da casa reservado ao sono tornou-se, na Idade Moderna uma das áreas mais privadas para a intimidade humana. À família ainda era permitido partilhar a vida intima, mas de extrema falta de decoro com pessoas alheias à vida familiar. No entanto na Idade Média era inteiramente normal receber em um quarto visitantes, ou seja, pessoas de fora da família, superiores em sua maioria. Além de ser normal, nessa época, várias pessoas passarem a noite num mesmo quarto.
Na Idade Média, o pudor e a vergonha de estar nu não incomodavam às pessoas. Isso fica claro quando Norbert escreve que “os cavaleiros medievais eram atendidos no banho por mulheres; do mesmo modo, eram elas que lhes levavam à cama bebida de despedida da noite”12. É, também, interessante ressaltar que nos momentos de banho as pessoas se despiam em casa e iam nuas pelas ruas até a casa de banhos. De acordo com o estudo das normas de etiqueta notamos que lentamente a despreocupação desaparece no século XVI e mais rapidamente nos séculos posteriores, sendo via de regra de cima para baixo, ou seja, o pudor iniciou-se nas classes altas e depois foi se popularizando.

§ Do hábito de assoar-se em público
Embora as regras de etiqueta, já do século XIII, não se preocupassem com modos adequados de esconder o espiro, eles já se precaviam com a limpeza dos alimentos, sendo de extrema falta de decoro assoar-se à mesa de refeições. E, no século XV, passa a ser indelicado assoar o nariz na toalha da mesa, e é terminantemente proibido assoar o nariz com a mesma mão que se vai comer a carne, ou seja, mais regras são impostas para que nada atrapalhe o momento das refeições.
Aparece no século XVI um objeto que intermediaria a necessidade de assoar-se e a falta de respeito com os presentes no ambiente. Esse objeto muito valioso, e no inicio de sua criação, pouco acessível é o lenço. A partir de então passou- a ser grosseiro, na presença de pessoas mais respeitáveis, limpar o nariz no chapéu, na roupa e nas mãos: o correto era se virar e limpar as narinas com um lenço, no entanto se mesmo de depois de utilizado o lenço algo caísse no chão era essencial que fosse pisado imediatamente, por quem espirou. Em 1558, ainda sobre o lenço, De Galateo recomenda que o mesmo não seja oferecido a ninguém, a menos que esteja limpo. E depois de usá-lo para assoar o nariz não o abra, já que nada de precioso esta lá dentro.
Como já foi mencionado, embora o lenço seja de estrema importância para os bons modos da época, ele era de estremo valor, assim fica claro pelo trecho extraído de um decreto de amor de Martial d’Auvergue:
“a fim de que ela não esquecesse, ele mandou lhe fazer um dos mais belos e suntuosos dos lenços, no qual seu nome estava gravado em letras entrelaçadas da forma a mais bela, pois eram ligadas a um lindo coração dourado, orlado por minúsculos ilhozes em forma de coração”13.
Possuir lenços valiosos também acontece com Henrique IV, que ao comparar, em 1594, a quantidade de camisas e lenços, embora percebesse que possuía dezenas de camisas, somente possuía cinco lenços trabalhados em ouro, prata e seda no valor de 100 coroas.
Em fins do século XVII ocorre o auge do refinamento com conselhos sobre boas maneiras e comedimentos. Courtin, em 1672, aconselha que se evite bocejar, assoar o nariz e escarrar, mas se os for necessário, que as ações sejam feitas de forma discreta com a utilização do lenço e virando o rosto e ocultando-se com a mão esquerda. Devido a ação de assoar o nariz ser algo que ocasionava repudia em muitas pessoas, a denominação que antes era “lenço para assoar o nariz” passou a ser, em 1694, somente lenço.
No século XVIII, as crianças da classe média ainda podiam se comportar como adultos da Idade Média, segundo escritos deixados pelos livros de etiqueta em 1714, de autor anônimo: “tendo todo cuidado de não assoar o nariz nos dedos ou na manga, ‘como criança’. Use o lenço e não olhe para ele depois” 14. Embora os lapsos cometidos pelas crianças devem ser corrigidos pelos pais assim como escreve La Salle em 1774.
Um pouco antes, em 1729, também, La Salle recomenda que as roupas mesmo de pessoas pobres devem estar limpas, logo nada que seja retirado do nariz pode ser limpo nelas. Vimos que embora o lenço seja um instrumento aparentemente simples, não quer dizer de pouco valor, ele tenha se mostrado com um desenvolvimento lento dentro da sociedade. Seu uso surgiu na Itália e foi difundido, embora lentamente, através de seu valor de prestigio. Somente com Luís XIV, possuidor de vários desses valiosos instrumentos de assoar o nariz, que o lenço se popularizou pelo menos no circulo da corte.

§ O comportamento a mesa
“O destino de uma época que comeu da árvore do conhecimento é ter de..reconhecer que as concepções gerais da vida e do universo nunca podem ser os produtos do conhecimento empírico crescente, e que os mais elevados ideais, que nos movem com mais vigor, sempre são formados apenas na luta com outros ideais que são tão sagrados para os outros quanto os nosso para nós”
Max Weber
Na belíssima reflexão de Max Weber, a palavra “sagrado” poderia ser substituída pelo vocábulo “óbvio” sem que a frase perdesse sua veracidade. Norbert Elias defende que os padrões culturais emergem de condições históricas e afetivas e que nós vivemos no resultado do processo e o esquecemos, chegando a atribuir obviedade às regras que seguimos.
Quando trata da mudança das maneiras à mesa, Elias começa a argumentação utilizando diversos fragmentos de guias de comportamento à mesa a partir do século XIII. Com isso ele pretende mostrar o aumento progressivo da disseminação de maneiras e modelos cortesãos por estratos mais amplos da burguesia. O autor menciona o espalhamento de diversos livros baratos sobre civilidade pela França, no século XVIII.
Essa difusão promove uma ampliação do conhecimento das maneiras das classes altas e a imitação por parte dos estratos mais amplos. Há a perda do hermetismo e dos fatores distintivos da classe alta, residentes no comportamento que lhes é particular. Em face disso, a classe alta ira inventar novas maneiras a fim de garantir sua exclusividade. Elias argumenta que o autocontrole surge da pressão interna da corte em garantir seu status social. A universalização do conceito de civilização a coloca como modelo, diminui o ritmo das mudanças e tolhe a exclusividade. Elias menciona a disseminação dos costumes de cima pra baixo, na direção corte-burguesia.
Por volta do século XIX, esses padrões são tidos como algo natural e óbvio: o anterior é bárbaro. As proibições foram se tornando hábitos internalizados, parte do autocontrole. Analisando os manuais de conduta, Elias mostra que com o passar do tempo, algumas regras são omitidas, simplesmente por que não precisam mais ser ditas.
Acompanhando o ritmo das mudanças, Norbert Elias coloca que elas são mais rápidas durante os séculos XV e XVI, pela reação da classe alta em se esmerar em refinamentos. Esses são cada vez maiores em decorrência da necessidade de afirmar seu status social frente à ascensão de uma burguesia legitimada por realizações intelectuais e artísticas e que vai incorporando os costumes nobres. Em face disso, a nobreza toma uma postura defensiva, inventando regras para garantir sua sobrevivência.
Em certo momento, o significado da civilidade acaba se esvaziando, em face de uma exaustão da nobreza em reinventar maneiras finas e conceito de civilização muda de dimensão porquanto passa a ser um estágio ao qual todos devem chegar, um modelo a ser expandido. A idéia de civilidade perde o caráter restritivo, assim como ocorreu com o conceito medieval de cortesia.
Sobre os modos a mesa, Elias ainda detalha o hábito de comer carne e o uso da faca à mesa. No primeiro caso, o formato dos pratos vai abandonando a aparência do animal vivo. A carne recebe maior processamento em virtude de um incremento na tecnologia de consumo, mas também por uma tendência do processo civilizador que, segundo Elias, tende a eliminar as características animais do ser humano e, por extensão, de seus alimentos. Há uma redução nos pedaços da carne e modificações na forma de trinchar. O caso da faca relata a tendência à diminuição do uso da faca à mesa e da aparição de convenções acerca do seu uso em público e formas de passar a faca de mão em mão, reguladas por um receio da violência. Nas duas situações, Elias menciona um avanço da sensibilidade e do horizonte da repugnância que regulam essas mudanças, que futuramente serão confirmadas pela obviedade da higiene.
Outra idéia que o sociólogo alemão utiliza para observar a nobreza como irradiadora desses padrões é a existência de uma organização social que permita a existência de uma classe que possua tais poderes e aptidões.

_______________________________________________Reflexões Finais


Esse trabalho deve ser entendido como uma seleção de textos, julgados por nossa equipe, interessantes para uma discussão sobre as mudanças dos costumes na modernidade e sobre a idéia de civilidade no mesmo período. Foi por demais frutífero o contato com alguns autores clássicos, como Erasmo de Roterdam e, o mais recente, Norbert Elias.
Foi possível também o diálogo com as idéias de civilização, cultura e civilidade e a importância da polêmica entre esses conceitos no estudo de um ramo bastante amplo da historiografia que é a História Cultural. A leitura do trabalho de Norbert Elias, O processo civilizador, ampliou as nossas perspectivas sobre um tema que parece despretensioso, mas que revela nuances da mais alta profundidade e riqueza para o entendimento da sociedade moderna.
Por último gostaríamos de relatar o quanto aprendemos e o quanto descobrimos ignorar, bem como afirmar o entusiasmo em aprofundar as leituras sobre uma temática tão sedutora.

_____________________________________________Bibliografia

BLOCH, Marc. A Sociedade Feudal. Lisboa: Edições 70, 19.87.
BRAUDEL, Fernand. Gramática das Civilizações. São Paulo: Martins Fontes, 1989. DELUMEAU, Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Editora Estampa, 1984. Vol. I.
DUBY, Georges. A Sociedade Cavaleiresca. São Paulo: Martins Fontes, 1989. DURANT, WiIl. A Renascença. 2ª ed. Rio de janeiro: Record,1953.
ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungman. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1994. Vol.
REVEL, Jacques. Os Usos da Civilidade in: História da Vida Privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Schwarcs, 1991.

















[1] REVEL, Jaques. Os Usos da Civilidade in: História da Vida Privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Schwarcs, 1991 p. 169
[2] DELUMEAU. Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Editora Estampa, 1984. Vol. I p.277

[3] REVEL, Jaques. Os Usos da Civilidade in: História da Vida Privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Schwarcs, 1991 p. 173-174.
[4] DELUMEAU. Jean. A Civilização do Renascimento. Lisboa: Editora Estampa, 1984. Vol. I p.290

[5] REVEL, Jaques. Os Usos da Civilidade in: História da Vida Privada 3: da Renascença ao Século das Luzes. São Paulo: Schwarcs, 1991 p. 208
[6] BRAUDEL, Fernand. Gramática das Civilizações.
[7] BRAUDEL, Op. Cit.
[8] ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. p.23
[9] ELIAS, Op. Cit. P.24
[10] A expressão “Nobreza Guerreira” merece aqui atenção especial. Em 1937, dois anos antes da publicação do estudo de Elias, Marc Bloch publicava A Sociedade Feudal e propunha uma discussão sobre a origem da nobreza de fins da Idade Média. Bloch propôs uma nobreza independente daquela da época carolíngia e bastante atrelada à cavalaria, daí a idéia de uma nobreza guerreira. E foi apoiado nessa teoria que Elias trabalhou. Entretanto, estudos mais recentes como os Leopold Genicot, K.F. Werner e de Georges Duby propõem uma nobreza de fins da Idade Média ligada àquela carolíngia e portanto independente da cavalaria, embora as duas tenham se unido por volta de 1150 em uma categoria jurídica (isenção de banalidades), não se pode falar de uma nobreza tão essencialmente guerreira em fins do período medieval.

11 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungman. vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994. Pág 163.
12 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungman. vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994. Pág 165.
13 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungman. vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994. Pág. 149.
14 ELIAS, Norbert. O Processo Civilizador. Tradução de Ruy Jungman. vol.1. Rio de Janeiro: Jorge Zahar ed., 1994. Pág. 150.